Fundamentação e sustentabilidade do investimento público
Intervenção de Honório Novo
12 de Janeiro de 2006

 

 

 

Sr. Presidente, S
r.ª Deputada Rosário Águas,

O PSD pretende criar uma espécie de «comissão de sábios» para fundamentar a sustentabilidade do investimento público. Uma comissão tipo Prós e Contras, onde eventualmente todos diriam mais ou menos a mesma coisa!

Esta comissão teria como funções o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação final do investimento público realizado. Face à descrição destas competências, Sr.ª Deputada, coloca-se uma questão essencial, que é a de saber que papel, não sei se mais ou menos «decorativo», é que o PSD reserva à Assembleia da República para exercer exactamente estas competências, que são competências próprias da Assembleia.

É verdade que o PSD, não há muito tempo, avançou com um projecto, um documento longo, onde se caracterizava aquilo que, do ponto de vista do PSD, se designava por redefinição das funções do Estado. Mas creio que desse documento ainda não constava a alienação das competências próprias da Assembleia da República.

Há, agora, neste diploma, embora de uma forma implícita — é verdade, reconheço que é implícita e não explícita —, uma intenção subliminar, que é a intenção do PSD de criar uma comissão que, eventualmente, substitui as funções da Assembleia da República, o que, quanto a nós, é pouco aceitável.

Portanto, julgo que é importante perceber quais são as competências que, no futuro, o PSD, dentro do quadro da redefinição das funções de Estado, reserva à Assembleia da República, já que, por exemplo, nesta comissão, lhe retira muito daquilo que são as suas competências próprias.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O projecto de resolução do PSD visa criar melhores condições para, segundo os proponentes, dar eficiência ao investimento público em Portugal.

Parte do princípio — por acaso, errado, em termos de exposição de motivos — de que o investimento público (e não apenas o público) vai aumentar nos próximos anos em Portugal, servindo-se para tal dos números que o Governo dá no seu Programa de Estabilidade e Crescimento.

Julgo ser precisamente por aqui que se levanta a primeira questão — uma questão prévia, é verdade —, a de se saber se vai, de facto, haver investimento relevante, público e privado, em Portugal, nos próximos anos, a de se saber se o investimento público e privado em Portugal vai crescer, de facto, nos próximos anos.

No fundo, trata-se de uma questão prévia, mas importante neste debate, que é a questão de saber se, com as políticas em vigor em Portugal, nos últimos anos, vão verificar-se condições para haver um investimento público e privado suficiente sobre o qual valha até a pena reflectir sobre a criação de esquemas ou instrumentos especiais, sejam eles quais forem, de determinação de eficiência.

A verdade é que, infelizmente, parece que não, parece que o investimento, em vez de aumentar, vai, de facto, diminuir!

Não somos nós que o dizemos, é o Banco de Portugal que o anuncia. É o Banco de Portugal que vem, aliás, desmentir e contrariar em toda a linha as previsões do Governo, dizendo que o investimento em Portugal vai diminuir cerca de 3%, em 2005, e que, em 2006, continuará a diminuir mais de 1%, enquanto o Governo dizia, há dias, que aumentaria mais quase 2%. E é também o Banco de Portugal que vem dizer que, em 2007 — vejam lá, daqui a dois anos! —, o investimento público, em Portugal, continuará a diminuir cerca de 1%, quando o Governo, há pouco tempo, jurava aqui «a pés juntos» que aumentaria quase 4%. Vejam lá a enorme distância!

Esta é, de facto, uma questão prévia, é verdade, mas que é importante chamar à colação neste debate, a de se saber se vai haver investimento relevante, se vai haver o investimento público de que o País precisa para sair do ciclo de estagnação em que está mergulhado.

Esta é a primeira questão e naturalmente que o projecto de resolução do PSD não a aborda, e não a aborda, de certa forma, por razões tácticas, deve dizer-se também. É que abordar esta questão, abordar a persistente ausência de crescimento do investimento, tentar debater os níveis mínimos ou, até, a diminuição do investimento público e privado em Portugal, nos últimos anos, é encontrar uma causa comum: a da obsessão excessiva pelo controlo do défice, a submissão aos espartilhos internacionais europeus do Pacto de Estabilidade e Crescimento, aceites, naturalmente, por ambos os partidos.

Abordar esta questão é, igualmente, referir o papel dinamizador e essencial, mobilizador, que o investimento público — sublinho, público — tinha e tem, obrigatoriamente, de ter num contexto de estagnação económica como o que Portugal atravessa há vários anos.

Ao contrário do que diz o PSD, na introdução do seu projecto de resolução, o investimento público é determinante neste tipo de ciclos económicos. Não é, ao contrário do que diz o PSD, uma opção discutível, é, antes, uma opção que deveria ser essencial, mobilizadora do investimento privado, que tenderia, aliás, a fazer espoletar.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de resolução do PSD vem colocar uma outra questão central — a que me referi, no meu anterior pedido de esclarecimentos e que, enfim, infelizmente, não foi respondida —, a questão de saber qual é o papel e quais são as competências que o PSD estará eventualmente a configurar, no contexto daquilo que tem vindo a designar por «redefinição das funções do Estado» para a própria Assembleia da República.

Bem se sabe que as comissões de sábios estão na moda, bem se sabe que as comissões de experts andam por aí a ser sugeridas para relegar o debate político para segundo plano, para condicionar e influenciar o tipo e o alcance do debate político, no fundo, para pré-determinar o debate político. Esta questão surge também por causa deste projecto de resolução: é que, pretensamente, para criar melhores condições para a eficiência do investimento público, o PSD pretende, agora, criar uma comissão de sábios — claro, é evidente, tinha de ser uma comissão de sábios! — que deteria competências de selecção, de acompanhamento, de fiscalização e de avaliação do investimento público realizado.

É bom que o PCP refira aqui a sua posição sobre esta matéria. Defendemos, há muito tempo — desde sempre, aliás —, que a Assembleia da República exerça plenamente as suas competências; que as maiorias absolutas, sejam elas de que natureza e de que cor, não impeçam nem limitem o debate; que investimentos, por exemplo, como os do TGV ou os da Ota sejam alvo de debates aprofundados e rigorosos; e que o investimento em Portugal não contribua para cavar, ainda mais, as assimetrias entre aquilo que é o País avançado, ou mais avançado, e aquilo que é o País mais atrasado.

Mas as fórmulas para impedir o casuísmo e o voluntarismo não passam pela criação deste tipo de comissões, em nossa opinião; passam, por exemplo — já o disse —, pelo exercício efectivo das competências da Assembleia da República e passam também pela descentralização e pela criação de condições de exercício regional de um poder efectivo na definição das prioridades do investimento público, de que o PS, pelos vistos, não quer ouvir falar, neste mandato, mas com que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de ser confrontado, nem que seja por uma iniciativa do PCP.