Obrigatoriedade da divulgação detalhada das remunerações dos Administradores das Sociedades emitentes de acções
Intervenção de Lino de Carvalho
15 de Janeiro de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O nosso projecto de Lei reduz-se a um único artigo: impõe que o relatório de gestão e as contas do exercício das sociedades cotadas em Bolsa informe, de forma individualizada, as remunerações base e acessórias de cada um dos administradores da sociedade, mesmo nos casos em que não seja esta a assumir directamente os respectivos encargos.

Sendo uma matéria que vem sendo tratada em diversas directivas e recomendações da Comissão Europeia e mesmo nos esforços que, em Portugal, a Comissão de Mercados e Valores Mobiliários tem realizado para tornar mais transparente o chamado “governo” das Sociedades, não se vê razão para que não alcance, nesta Assembleia, o consenso necessário à sua aprovação. Veremos.

Como é sabido são crescentes as preocupações quanto à necessidade do conhecimento público e divulgação dos mecanismos de remuneração dos administradores das empresas, designadamente as que se encontram cotadas em Bolsa, de forma a permitir a informação e fiscalização permanente por parte dos accionistas, dos trabalhadores e dos mercados em especial no que se refere à compatibilidade entre aquelas remunerações e a situação financeira das empresas. Aliás, numa comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 21 de Maio de 2003, traduzida numa recomendação, o “Plano de Acção de Direito das Sociedades”, já se afirmava imperativamente “que os accionistas devem estar em condições de apreciar plenamente a relação entre os resultados da empresa e o nível de remunerações dos administradores” e que, para esse efeito, deverá ser instituído um regime regulamentar adequado, que a Comissão classifica inclusivamente como “elemento-chave”, de onde conste “informação sobre a política de remunerações nas contas anuais, divulgação de informações pormenorizadas sobre as remunerações de cada administrador nas contas anuais”.

Os escândalos ligados a falências fraudulentas que têm atravessado o universo das grandes empresas, e em particular das empresas transnacionais, impõe a criação de um regime de total transparência e informação sobre esta matéria. Sabe-se como, a coberto da opacidade que reina no mundo das remunerações de administradores e altos executivos, têm sido recorrentes os actos de gestão em que aqueles se auto-remuneram regiamente, através de aumentos gigantescos dos seus vencimentos e das suas remunerações acessórias, enquanto as respectivas empresas são descapitalizadas, dando lugar, através de múltiplas formas de contabilidade criativa e totalmente opaca, à falsificação dos resultados que apresentam, defraudando milhões de pessoas. Foi assim na ENRON, na WorldCom, na ELF, na Vivendi Universal, onde as fraudes somaram milhares de milhões de dólares e conduziram ao despedimento de mais de uma centena de milhar de trabalhadores. Está a ser assim na Parmalat onde a fraude pode chegar aos oito mil milhões de euros. E se no caso do nosso País não vieram ainda à luz do dia casos de dimensão idêntica não é menos verdade que, à nossa escala, são impostos congelamentos salariais aos trabalhadores, não se distribuem dividendos aos pequenos accionistas (que não têm assento à mesa dos Conselhos de Administração) mas paralelamente são aumentadas as mordomias, designadamente em matéria de remunerações acessórias, aos altos quadros e membros das administrações das empresas. Ainda agora foi publicado um estudo que sublinha o facto de, para 2004, se preverem aumentos médios dos executivos na ordem dos 4,7%, enquanto que para a generalidade dos quadros e trabalhadores das empresas os salários poderem ser congelados ou serem alvos de aumentos que não ultrapassarão os 2%. E se, exactamente pelo facto da informação ser escamoteada, não existem dados suficientemente detalhados sobre o que se passa no interior da política de remunerações das Administrações das empresas privadas, temos aí, como exemplo ao nível dos gestores públicos, o Relatório da auditoria do Tribunal de Contas a quatro empresas auditadas (AdP, ANA, CTT e CGD). Suficientemente impressivo. Remunerações que chegam a ultrapassarem, por excesso, 450% do fixado pelo Conselho de Ministros. Como as empresas privadas cotadas não estão sujeitas ao controlo do Tribunal de Contas e os seus relatórios e contas nada informam sobre esta questão é uma evidência que ninguém, nem os pequenos accionistas, nem os trabalhadores, nem o mercado, nem a instituição reguladora, podem ter qualquer informação sobre a matéria. E quando se sabe, muitas vezes, já é tarde, para evitar casos como os que se têm passado.

É verdade que esta questão não tem passado despercebida em Portugal. Honra seja feita à Comissão de Mercados de Valores Mobiliários que tem procurado introduzir alguma transparência neste processo. Mas a verdade é que as suas recomendações e mesmo os regulamentos que tem aprovado (e que, em princípio, deveriam ser de aplicação obrigatória) se têm confrontado com a resistência – e até oposição activa das grandes empresas – para não dizer que têm sido afrontosamente ignorados. Representantes de empresas, segundo a comunicação social, como a Vista Alegre Atlantis, a Inapa, a Compta, a Reditus, a Ibersol, o BCP, entre outras, colocadas perante a eventualidade de serem obrigadas a divulgar as remunerações dos seus administradores, respondem que “não vão cumprir”. Ou “que esta questão não faz sentido”. Ou “que há pouco interesse na divulgação das remunerações individuais”. Aliás, neste aspecto é muito instrutivo ler as respostas recebidas pela CMVM no âmbito da consulta pública que efectuou sobre esta matéria. O mais longe que vão, algumas, poucas, consiste na divulgação da globalidade das remunerações fixas quando não as integram no conjunto das despesas com pessoal.

Já depois da apresentação do projecto de lei do PCP, que hoje debatemos, a CMVM aprovou o Regulamento n.º 11/2003 onde procura ir um pouco mais longe do que nas decisões anteriores que tomou sobre esta questão determinando que no relatório sobre o governo da sociedade sejam indicadas as remunerações dos membros do órgão de administração. Mas, cedendo às pressões das grandes empresas, não determina imperativamente que essa informação seja divulgada de forma individualizada, deixando tal decisão ás próprias sociedades. Fica, pois, tudo na mesma, como já estava com o Regulamento da CMVM n.º 7/2001 que, além do mais, não era cumprido pela generalidade das empresas. Importa, pois, face à resistência de quem não quer tornar transparente os seus actos de gestão, que são decisivos para a empresa, para os seus trabalhadores, para os pequenos accionistas, para muitos sectores da actividade económica, subir um patamar no ordenamento jurídico da questão: fixar, por lei da Assembleia da República, a obrigatoriedade da divulgação, individualizada, da remuneração dos administradores das empresas cotadas e, assim, contribuir para a moralização e a transparência do funcionamento do sector empresarial dando corpo à tão falada função social da empresa.

Quem não deve não teme. Ficamos, pois, a aguardar, com curiosidade, a posição das diferentes bancadas.

Disse.