Defesa e valorização do Tapete de Arraiolos
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
20 de Setembro de 2001

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Há iniciativas legislativas que aparentando um objectivo específico e limitado encerram, afinal, uma importância bem mais vasta. É o caso do presente Projecto de Lei que tendo como consequência mais directa assegurar a defesa e valorizar a bela e antiquíssima tapeçaria de Arraiolos, afinal é a expressão da necessidade de se legislar e tomar outras medidas em defesa do artesanato nacional.

Em época de uma uniformização que alguns querem globalizante e descaracterizadora das especificidades da cultura de cada Povo e da soberania de cada Nação, com o sentido de tudo ser submetido à voragem dos mercados e ao apetite de gigantescos interesses transnacionais e operadores distribuidores, o genuíno artesanato ainda é uma das áreas produtivas e sociais onde a cultura de cada povo pode ser preservada e valorizada e onde o emprego, designadamente dos muitos milhares de pequenos produtores artesãos, deve ser defendido e incrementado.

O Tapete de Arraiolos, que seguramente ninguém neste hemiciclo desconhece, integra-se claramente nestas preocupações. Perdendo-se a sua origem nos fins dos tempos, há notícias dele a partir de finais do século XVI, com origem conhecida (ao contrário do que afirma o preâmbulo do recém-chegado projecto do Partido Socialista) na vila alentejana de Arraiolos onde, a caminho do norte de África, expulsas da mouraria de Lisboa por D. Manuel I, várias famílias mouriscas aí decidiram fixar-se, miscigenar-se com as populações locais e, face à abundância de rebanhos de ovelhas de boa lã e diversidade de plantas indispensáveis ao tingimento e fabrico de telas, dedicaram-se à manufactura da tapeçaria empregando a técnica do ponto cruzado obliquo que passou a denominar-se bordado de Arraiolos e, assim, tendo chegado aos nossos dias.

A produção de tapetes de Arraiolos, até por mor da diáspora alentejana, especialmente das mulheres, estende-se hoje desde a sua região de origem até variadissimos pontos do território nacional. Não temos, com o nosso projecto de lei, a mínima intenção de impedir essa realidade. Mas a sua produção também se tem estendido a vários pontos do globo como o Brasil ou a China onde enormes unidades industriais vendem no mercado internacional, e até em Portugal, gato por lebre, sem que até hoje nada nem ninguém tenha procurado intervir ao nível designadamente da certificação criando mecanismos que permitam defender o verdadeiro Tapete de Arraiolos dessa contrafacção no plano internacional mas também permitindo distinguir e valorizar, no nosso País, a tapeçaria genuína de réplicas sem qualidade que defraudam o consumidor, prejudicam o verdadeiro artesanato e penalizam milhares de artesãos, em Arraiolos e no resto do País.

E nada nem ninguém o tem feito, apesar de promessas muitas, porque não existe, em Portugal, nenhum instrumento legal nem estrutura institucional com essa finalidade. Nem para a tapeçaria de Arraiolos nem para muitos outros espécimens do artesanato nacional. Não existe nenhuma definição nem critérios de produção e de classificação. Não existe nenhuma estrutura que tenha poderes de certificação efectiva, que os produtores respeitem e o mercado valorize, e de fiscalização. Não existe nenhum instrumento que permita defender a sua denominação de origem nem nenhuma estrutura, a não ser cada produtor individualmente, que promova, de forma sistemática e continuada, acções de divulgação e de valorização da tapeçaria de Arraiolos, de formação de novos artesãos, de investigação na busca de novos padrões e desenhos nem de defesa dos direitos da actividade, do produtor-artesão e da respectiva unidade produtiva. E não existe, porque na VI legislatura, em 1993, o projecto de lei que então o PCP também apresentou foi inviabilizado pelo PSD e porque, nos últimos anos as sucessivas promessas e compromissos do Governo do Partido Socialista não tiveram até ao momento nenhuma concretização prática.

Agora, quatro meses depois do projecto de lei do PCP ter sido apresentado e após estar marcado o seu agendamento, o Partido Socialista entregou, ontem, vésperas deste debate, fora de todos os prazos regimentais, obrigado pela nossa iniciativa, um projecto próprio, limitado, com óbvios erros históricos e insuficiências técnicas e, em grande parte, duplicada da nossa iniciativa. Apesar disso demos o nosso consenso a que se juntasse à discussão do Projecto de Lei do PCP porque o que visamos não é o de assumir nenhuma bandeira partidária exclusiva mas contribuir, com o máximo consenso possível, para que finalmente, no nosso País, se criem as condições que permitam defender e valorizar a verdadeiro tapeçaria de Arraiolos e os seus produtores. Esperamos, pois, que na especialidade, se encontre o caminho para o texto final de uma lei que vá ao encontro deste objectivo.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Na vila de Arraiolos a actividade ainda congrega mais de duas dezenas de empresas e centenas de produtores. Mas já congregou muitas e muitos mais. A crise também tem aqui chegado, especialmente por via da inexistência de instrumentos que defendam e valorizem a tapeçaria arraiolense e que, assim, vai ficando esmagada sob o peso de tanta concorrência desleal. Mas também é assim um pouco por todo o País.

Por isto tudo avançámos com o presente projecto de Lei. Que foi previamente apresentado às autarquias, empresas produtoras e às estruturas associativas representativas do sector e de todos colheu simpatia e apoio, sem prejuízo de detalhes de especialidade. O projecto foi redigido de forma a procurar estabelecer, nesta fase, orientações gerais que possam obter o máximo consenso possível. E, por isso, desde já dizemos que, salvaguardada a estrutura da iniciativa, estamos disponíveis para em sede de especialidade debatermos com os outros grupos parlamentares alterações que o possam valorizar e melhorar, sem o descaracterizar.

O que propomos agora é uma definição para o que se considera Tapete de Arraiolos; os dois elementos principais (origem e qualidade) que haverão, no futuro, de presidir à sua classificação; determinar uma área geográfica de produção do Tapete de Arraiolos susceptível de denominação de origem e a criação de um Centro para a Defesa e Valorização do Tapete de Arraiolos que terá como atribuições, entre outras, promover, controlar, certificar e fiscalizar a qualidade, denominação de origem, genuinidade e demais preceitos de produção. O Centro deverá integrar a Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das Microempresas Artesanais criada por resolução do Conselho de Ministros de 14 de Agosto de 1997. Se este projecto, como esperamos, for aprovado, o Governo deverá nomear, no prazo de 60 dias, uma Comissão Instaladora.

A aprovação deste projecto de lei e a sua transformação em Lei da República é, seguramente, um bom caminho e um contributo positivo da Assembleia da República não só especificamente para a defesa e valorização do Tapete de Arraiolos e dos milhares de micro empresas e produtores artesãos que se aplicam na sua manufactura como é um incentivo a que outros importantes produtos do artesanato regional e nacional encontrem também caminhos para a sua qualificação. Este é um dos sectores onde, aqui sim, o local e o regional podem travar o passo ao global descaracterizador e falsamente uniformizante, contribuindo para a criação de muitas pequenas empresas e muitos postos de trabalho.

Disse.