A situação da Lisnave
Intervenção do Deputado Vicente Merendas
26 de Junho de 2000
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Na sessão plenária de perguntas ao Governo no passado dia 17 de Março levantámos um conjunto de questões relacionadas com o futuro da Lisnave.
Adivinhava-se, na altura, que algo iria acontecer, no entanto, da parte do Governo as respostas foram evasivas, nada clarificadoras e a única questão que foi posta com alguma clareza era o desinteresse manifestado do Grupo Mello pela Lisnave.
O que nada fazia supor era a atitude maquiavélica do Grupo Mello de vender a Lisnave a dois quadros da empresa por um dólar.
Importa fazer uma retrospectiva do que foi a actuação do Grupo Mello na Lisnave.
O processo de recuperação capitalista iniciado em 1976 vem culminar na Lisnave, com a nomeação do Sr. José Manuel de Mello como presidente do Conselho da Administração, por responsabilidade directa do Governo PS de então, que exigiu que o representante do Estado, com 33% do capital social da empresa, desse o seu voto favorável à reeleição do Sr. Mello que continha 17,4% do capital social.
A partir daqui a política desenvolvida conduziu a que funções vitais da Lisnave fossem autonomizadas, através da constituição de empresas associadas: Navelink na Suiça, para a elaboração, coordenação e gestão de projectos navais no campo internacional; o G.T.I. (Gabinete Técnico de Informática) a Lismar em Londres (direcção Comercial).
Por outro lado, foram compradas empresas numa perspectiva de integração vertical, casos da Metalurgia Luso Italiana, metalurgia Luso Alemã e Frimil.
Em síntese, constituiu-se um grupo de empresas cujo centro polarizador era a Lisnave, constituído por empresas resultantes da autonomização de funções vitais da Lisnave e por empresas compradas numa lógica de integração vertical.
A Lisnave foi assim utilizada como suporte para a reconstituição do Grupo Mello.
Como suporte tecnológico, porque as empresas associadas mais importantes foram constituídas à custa da Lisnave com as suas tecnologias e os seus quadros.
Com suporte financeiro, porque a Lisnave comportou-se como um banco em relação a essas empresas. A facturação da Lisnave constituiu o apoio para a corrida desenfreada junto da banca, através de empréstimos de curto prazo, parte dos quais eram absorvidos pelas empresas associadas.
As consequências desta política, conduz a que os encargos financeiros representassem mais de 80% do valor criado (VAB).
Em suma a Lisnave foi utilizada como uma autêntica "vaca leiteira".
Começam então a surgir os processos de reestruturação. Em Novembro de 1992 o Grupo Mello apresentou ao Governo um plano de reestruturação envolvendo a Lisnave, Solisnor/Setenave.
Em 1993 o Governo de então inscreveu no orçamento do Estado doze milhões de contos para esse plano e avaliação dos terrenos da Margueira em 43 milhões de contos para cobertura do passivo da empresa.
Passados três anos, surge novo plano com o argumento de que o anterior foi implementado com atraso e que era necessário anular o desemprego técnico. Desta forma em 1997 foi assinada a Segunda fase do plano de reestruturação da Lisnave. Foram criadas as condições para que a Lisnave se tornasse uma empresa viável e com futuro. Foi feita a limpeza do passivo, foi criada a Gestnave, empresa pública, para ser utilizada pela Lisnave, suportando em grande parte os custos de uma inactividade natural neste ramo de actividade.
Foram investidos importantes recursos financeiros provenientes dos dinheiros públicos cerca de 90 milhões de contos.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Com alguma ironia podíamos dizer que o Grupo Mello considerou que chegou a hora de compensar todos os favores que lhe foram concedidos, entregando a Lisnave ao Estado pelo simbólico valor de um dólar.
Estamos a falar da Lisnave que é na presente actualidade o 3º maior estaleiro do mundo e o primeiro a nível da Europa na área da reparação naval.
A Lisnave facturou, entre 1998 e 1999, 403 milhões de contos e movimentou 220 milhões, na compra de materiais e serviços. Teve encargos com pessoal de 169 milhões de contos.
É óbvio, que este valor é, na esmagadora maioria em divisas, cuja importância para a economia do País jamais poderá ser ignorada.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O que se sabe da situação actual é que o Sr. Mello abandonou a empresa o tal que era considerado indispensável, e o Governo ficou com o "menino nos braços".
Sabe-se que o Estado procura uma solução, através de dois grupos estrangeiros a Thyssen e Keppel. Urge encontrar uma solução, e retirar a lição que, de facto, os trabalhadores tinham razão quando afirmavam que o Grupo Mello unicamente pretendia a Lisnave para a por ao seu serviço, na reconstituição do seu império.
Os trabalhadores da Lisnave têm, com grande dignidade, assumido as suas responsabilidades e, ao longo da sua vida, sempre deram e de uma forma consciente um importante contributo ao País com o valor acrescentado criado com o esforço do seu penoso trabalho.
São mais de 4000 na Lisnave, Gestnave e empresas associadas. São mais de 5000 de postos de trabalho indirectos e nenhum deles tenciona trocar a Lisnave por um dólar.
Todos eles continuam dispostos a trabalhar, a lutar para que a Lisnave continue a ser uma grande empresa ao serviço do País e da economia nacional.
Do Governo exige-se que clarifique, que aja , e que intervenha na defesa da Lisnave e de todos quanto nela trabalham.
Disse.