Declaração Política sobre a política seguida pelo Governo contra os interesses nacionais
Intervenção do Deputado Octávio Teixeira
27 de Janeiro de 2000

 

Senhor Presidente
Senhoras e senhores Deputados

Há menos de uma semana atrás, em artigo de opinião num diário lisboeta, significativamente intitulado "Portugal ainda existe", um "ex-recente" deputado do PS expressamente afirmava em ar compungido, a propósito, em geral, das privatizações em benefício de grupos estrangeiros, e em particular das ligações entre a EDP e a Iberdrola: "esses erros são (...) imputáveis a um certo bloco conservador e não tanto ao PS, enquanto partido político de esquerda. Para melhor compreender os erros, recordemos que no passado recente o tema era a superioridade, quase biológica, das empresas privadas relativamente às empresas públicas, agora é a incapacidade de sobrevivência das empresas privadas portuguesas relativamente às suas congéneres de outros países, pelo meio ficam os incentivos do Estado ao investimento fora de Portugal e a continuada deterioração da disciplina democrática do Estado e da sociedade. Ou seja, factores de contradição, indecisão e enfraquecimento de uma cultura de competição, de rigor e de exigência nacionais, sem esquecer a imperdoável e perigosa manipulação da opinião pública, que não pode passar sem protesto".

Desta longa transcrição, discordo totalmente da parte em que se pretende fazer uma diferenciação entre um alegado "PS/partido de esquerda" e um efectivo "Governo do PS/bloco conservador". Porque a orientação e as práticas políticas do Governo do PS e do eng. Guterres são, indeclinavelmente, as orientações e práticas políticas aceites e apoiadas pelo PS e pelo Grupo Parlamentar do PS. Não há um PS no Governo e outro PS, alegadamente de esquerda, fora do Governo. Essa táctica, a táctica de pretender iludir a opinião pública de que o PS é, simultaneamente, Governo e oposição de esquerda ao Governo, é uma habilidade, para além do mais de cariz antidemocrático.

Em tudo o resto da transcrição que fiz, não teria rebuço em a subscrever ... embora considere que um simples protesto é excessivamente condescendente.

De facto, e em particular desde que chegou ao Governo, o PS tem sido um obcecado apologista e concretizador da privatização de empresas e de serviços públicos, orientado basicamente pela obstinação da privatização pela privatização. Como ao longo destes mais de quatro anos o PCP o tem denunciado. E hoje reafirmo o que muitas vezes temos dito: no âmbito das privatizações, os Governos do PS têm-se mostrado, no discurso e na prática, muito mais fundamentalistas que os próprios Governos do PSD que os antecederam.

No anterior Governo do PS, o então Ministro das Finanças gabava-se, a torto e a direito (mas sempre pela direita) da supremacia da eficácia governativa socialista, mostrando aos que dele duvidavam que, em apenas quatro anos, o Governo do PS obteve de receitas de privatizações muitas mais centenas de milhões de contos do que o obtido pelos Governos do PSD ao longo de dez anos.

Agora, o Ministro das Finanças do actual Governo do PS, afirma que "o programa de privatizações será acelerado (ainda mais? perguntamos nós) e deixará a preocupação de maximizar o encaixe financeiro".

Isto é, a orientação básica dos Governos do PS permanece: acelerar o processo de privatizações. A desculpa, o pretexto para "vender" essa orientação política prioritária é que pode variar.

Agora, abandonado que foi o pretexto do encaixe financeiro e considerando o que se está a passar, a razão sobejante do Governo do PS apenas pode ser uma: a vontade política de entregar empresas nacionais estratégicas a empresas estrangeiras.

E aí temos, demonstrativamente, os casos recentes da jura cega do Ministro do Equipamento de entregar a TAP à Swissair e a operação racionalmente inexplicável do Ministro da Economia de oferta da GALP ( o que significa PETROGAL, TRANSGÁS E GÁS DE PORTUGAL) à ENI italiana, sem esquecer o caminho já aberto para a futura entrega da EDP à IBERDROLA espanhola e a consumada entrega do BTA e do Crédito Predial Português ao não menos espanhol Banco Santander.

Os casos da TAP e da GALP são paradigmáticos da enorme obscuridade que rodeia decisões do Governo profundamente gravosas para o interesse nacional.

Até hoje, os Governos do PS foram incapazes de apresentar uma explicação e sustentação racional para a sua obscura teimosia em querer impôr, contra tudo e contra todos, a chamada parceria com a Swissair. Na anterior legislatura, o então Ministro da tutela veio a esta Assembleia jurar a pés juntos que era a melhor, a única via, para "salvar" a TAP, sem nunca o ter conseguido demonstrar.

Mudou o Ministro da tutela, mudou o Conselho de Gestão, e a teimosia mantém-se. O novo Ministro continua a não conseguir demonstrar a bondade da opção.

Mas a situação agravou-se. É que agora existem estudos da própria empresa, subscritos pelo próprio Conselho de Gestão que dizem que o acordo com a Swissar é mau, é ruinoso para a TAP. São esses estudos que afirmam, por exemplo, que "existem razões estratégicas e económicas para que a TAP opte pela sua associação à Aliança AirFrance - Delta" porque, entre outras razões de relevante importância para a manutenção da autonomia da TAP, proporcionaria uma "vantagem económica de cerca de 7 milhões de contos/ano" face à aliança com a Swissair.

Na passada semana, nesta Assembleia, o Ministro tentou iludir os Deputados e a opinião pública declarando a existência de estudos posteriores alegadamente dizendo o contrário. A verdade é que, recebidos e vistos esses estudos, se constata que eles não são posteriores, são anteriores ao estudo do Conselho de Gestão da TAP. Voluntária ou inadvertidamente, o senhor Ministro faltou à verdade.

De qualquer modo, permanece a questão central para que exigimos resposta: que faz correr o Governo tão apressadamente e tão erradamente visando a privatização e segmentação da TAP e a sua aliança desnacionalizadora com a Swissair?

Por acréscimo, talvez numa atitude desesperada para defender o indefensável, o Ministro procurou ainda lançar o alarmismo, ameaçando que, sem o acordo com a Swissair, a TAP não teria possibilidade de pagar os salários em Março!

Será isto uma chantagem? É pelo menos, mais um exemplo de "perigosa manipulação da opinião pública" e dos trabalhadores da empresa, que não pode passar sem a nossa enérgica condenação e uma exigência de rápida clarificação e reposição de toda a verdade.

No que concerne ao caso da GALP, ele associa, por um lado, um muito chorudo negócio financeiro para os grupos privados em benefício de quem anteriormente foi feita a privatização parcial da PETROGAL e, por outro lado, a perda de capacidade de decisão autónoma nacional numa empresa que vai gerir todo o sector energético não eléctrico.

Em apenas oito anos, os grupos económicos reunidos na Petrocontrol viram o seu "investimento" inicial de 8 milhões de contos e uns empréstimos que entretanto foram obtendo na ordem dos 80 milhões de contos, render-lhes a módica quantia de 193 milhões de contos. Aliás, o próprio presidente da Petrocontrol manifestou, sibilinamente, a sua incontida satisfação por tão rendoso negócio que permitiu, nas suas palavras, "uma rentabilidade média anual de 14,5%. O que sendo bom, não é excepcional. Excepcional seria uma rentabilidade acima dos 15%". Isto é, o bom, aqui, significa, no mínimo, "nas bermas do excepcional!

Mas mais grave, ainda, é a assumpção pela ENI italiana de uma participação de bloqueio no capital da GALP.

No passado dia 4 de Dezembro, o Secretário de Estado da tutela fez, aqui no Plenário, duas afirmações centrais em relação a este negócio. A primeira, a de que, após esta fase de concentração e de troca de acções, o Estado ficaria com 60,56% do capital social da GALP. A segunda a de que, ao nível do Governo, seria salvaguardada uma empresa energética muito importante e garantida a capacidade de decisão autónoma nacional.

Nada disto se confirma, antes pelo contrário.

Por um lado, a participação do Estado baixa agora para 45,56% e, a curto prazo, para 35%.

Por outro lado, e o mais importante, é que nenhuma decisão estratégica, nenhuma decisão de fundo sobre a empresa, sobre o sector energético não eléctrico nacional, pode ser tomada sem o acordo e, muito menos, contra a vontade e os interesses dos italianos.

A sede da empresa continuará em Portugal, mas o centro de decisão efectivo passa para Itália. Isto significa não apenas uma gravosa privatização da produção de crude e da expansão da rede de gás natural e da sua distribuição, mas uma inaceitável desnacionalização, no verdadeiro e intrínseco significado da palavra.

Senhores Deputados do PS: é público e notório que temos claras e profundas divergências políticas sobre o processo de privatizações que o vosso Governo vem desenvolvendo. Mas aquilo que o Governo está a fazer vai muito para além da privatização de empresas de capitais públicos.

O que está em causa é a transparência das opções e das decisões e é, acima de tudo, a transferência de sectores estratégicos nacionais para a dependência de interesses e decisões estrangeiras.

É urgente pôr cobro a isto!

Não vos proponho que se revoltem contra o vosso Governo.

Mas desafio-vos a que reforcem com os vossos os nossos esforços, ao menos para obrigar o Governo a "parar, escutar e olhar". Para que o Governo assuma uma postura exigente de defesa de inequívocos interesses nacionais.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite,

em relação à primeira questão que me colocou, tive ocasião de, na minha intervenção, fazer clara destrinça entre a questão da privatização e a questão da desnacionalização. Aliás, citei as divergências que temos com o Partido Socialista nessa matéria, mas, lógica e naturalmente, essas divergências estendem-se também ao Partido Social Democrata no que se refere ao processo de privatização.

No entanto, apesar de termos defendido desde sempre, e mantemo-lo, que consideramos, e continuaremos a considerar, haver sectores estratégicos que deveriam ficar na dependência, em termos empresariais, do sector público, há uma questão que, desde o primeiro momento em que o problema das privatizações se colocou, ficou sempre muito clara e publicamente expressa: um dos grandes perigos do processo de privatizações era, precisamente, passar-se à fase da desnacionalização nesse sentido, o da transferência do poder de decisão de Portugal para o estrangeiro. Havia razões várias que poderiam levar a isso - e temos visto que têm levado a isso -, designadamente porque, embora V. Ex.ª, eventualmente, não esteja muito de acordo com o que vou dizer, muitos dos empresários portugueses, ainda hoje, continuam a pensar apenas e exclusivamente no lucro a curto prazo, no lucro financeiro e em nada mais.

Por conseguinte, quando aparece, por exemplo, uma oportunidade como a que apareceu à Petrocontrol… Se eu meti cá 8 milhões de contos, se estou a pagar estes anos todos juros de 80 milhões de contos que pedi ao banco e se me dão 193 milhões de contos, nem penso mais no futuro, é já! Com esta mais-valia de 105 milhões de contos, vou fazer outros negócios destes!… E, então, se o Governo continuar neste ritmo, o dinheiro multiplica-se de uma forma despudorada. É a chamada progressão geométrica.

Sr.ª Deputada,

para nós, esta é uma questão muito importante e foi por isso que fiz aquele apelo aos Deputados do Partido Socialista. Neste momento, não quis discutir, nem estou a fazê-lo, as ideias que temos sobre privatização e as ideias que têm os Deputados do Partido Socialista. Agora, aquilo que está a suceder neste momento é que já ultrapassa a questão das divergências sobre as privatizações. E se fiz aquele apelo aos Deputados do Partido Socialista foi para que eles também pensem nisto.

Não têm de se revoltar contra o seu Governo. Não é isso! Mas há mínimos que têm de ser impostos. E, aí, julgo que os Deputados do Partido Socialista podem, de facto, interferir e vir a engrossar, digamos, as preocupações que têm estado a ser expressas esta tarde na Assembleia.

Sobre a questão da venda do património, essa, pelos vistos, era só para o PSD, porque com o PCP não falaram disso ontem. Mas durante a discussão do Orçamento do Estado iremos ver se a venda do património não será, neste caso, o problema de acções. Eu não sei como é que anda agora o problema da Partest - é preciso ver isso também aquando do debate do Orçamento -, mas, se não for por aqui, o que posso dizer-lhe, Sr.ª Deputada, é que, possivelmente, começa a escassear o património para ser vendido, já não apenas o património empresarial mas outro tipo de património.

Depois, também se pode comprar património para o Estado através de empresas tipo Partest, como foi o caso das instalações para o Governo na Parque Expo. A Partest comprou-as e o Governo agora paga uma renda ou um leasing!

Sobre a última questão que me colocou, Sr.ª Deputada, tomei dela uma nota, mas, sinceramente, não consigo ler o que escrevi. Fica para uma próxima oportunidade, até porque já acabei o tempo de que dispunha e o Sr. Presidente tira-me a palavra.