Abolição da pena de morte nos países com estatuto observador no Conselho da Europa (EUA e Japão)
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
(em representação do Grupo Unitário de Esquerda na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa)
25 de Junho de 2001

 

Senhor Presidente,
Caros Colegas,

Menos de 24 horas após o encerramento do I Congresso Mundial para a abolição da pena capital este debate é, hoje, particularmente oportuno e deverá constituir um novo passo para a pressão que é necessário continuar a exercer sobre todos os Estados que ainda não aboliram a pena de morte, em especial os membros do Conselho da Europa mesmo que tenham o estatuto de observadores como os EUA e o Japão.

Há, nesta matéria, um direito à vida que é claramente inalienável e irrenunciável.

A pena de morte constitui uma sanção penal irreparável que depois de executada não admite retorno.

E a verdade é que o mundo está cheio de erros judiciários.

O que se passou recentemente com o cidadão espanhol José Martinez é só o exemplo mais recente. Cinco anos no corredor da morte só conseguiu um segundo julgamento, que o considerou inocente, porque os seus pais mobilizaram a Espanha e pagaram mais de meio milhão de dólares a uma equipa de advogados. Mas quantos mais Martinez esperam a morte sem a influência nem os meios deste cidadão espanhol?

Mas igualmente no Japão onde um condenado, Sakae Menda, viveu 34 anos à espera da execução de uma sentença por um crime que, afinal, não tinha cometido.

Sabe-se que nos EUA 7% dos executados foram, posteriormente, considerados inocentes. Tarde de mais.

Mas há também uma dimensão discriminatória, de classe e racista na aplicação da pena de morte. Como existe uma dimensão de perseguição política. Veja-se o caso de Abu Jamal que o relatório não refere mas deveria referir como um caso exemplar de como nos EUA o sistema judiciário e a pena de morte são utilizados para silenciar adversários políticos. Mais de 75% dos condenados à morte nos EUA são cidadãos negros e de origem hispânica, entre os quais muitos menores de idade. Nos últimos cinco anos cerca de 400 pessoas foram executadas nos EUA onde, aliás o Código Penal não é idêntico em todos os Estados. Para o mesmo crime as sanções são extremamente diferenciadas, sem nenhuma coerência nem lógica interna.

No Japão o número de execuções atinge as três dezenas. A presunção de inocência não existe.
O Conselho da Europa não pode admitir, entre os seus, Estados que não respeitam a Convenção dos Direitos do Homem nem os instrumentos jurídicos que subscreveram quando aceitaram ser membros, observadores ou não, do Conselho.

É assim para os EUA e o Japão. Mas também deve ser assim para a Turquia.

Aliás, os EUA têm revelado muito pouco interesse pelo seu estatuto junto do Conselho da Europa e, com a nova administração Bush, arrogância e menosprezo pelos seus compromissos internacionais. Mais uma vez hoje. Debatendo-se uma questão que é do seu interesse directo, nenhuma delegação do Congresso está entre nós.

Que direito moral têm os EUA de constantemente apelarem e fazerem pressão sobre certos países - é verdade que, a maior parte das vezes, exclusivamente por razões de domínio económico e ideológico - para que respeitem os direitos humanos e o pluralismo político quando são os primeiros a não o fazerem dentro da sua própria casa?

E se, em relação a tal ou tal País - por razões de extrema violência e criminalidade interna ou por razões de defesa da soberania e independência nacional face a agressões externas - ainda se pode fazer um esforço de compreensão, que não de acordo, por manterem a pena de morte, esse não é sequer o caso dos EUA nem do Japão.

Nós sabemos que, muitas vezes, a opinião pública, pensa (por pressão, aliás, de um certo tipo de discurso político demagógico e populista) que o agravamento dos mecanismos de repressão e das sanções penais, maxime a pena de morte, é o melhor caminho para dissuadir o crime. A vida tem demonstrado que não é assim. Apesar da pena de morte os EUA mantêm uma elevadíssima taxa de criminalidade com uma cultura de violência e da morte profundamente enraizadas no tecido social. A forma fácil como são vendidas e circulam armas de fogo, mesmo entre adolescentes, é um exemplo desta cultura e de como o negócio da violência e da morte se sobrepõe a uma cultura de tolerância e do direito à vida.
Também no Japão esta cultura de morte faz com que um silêncio ensurdecedor pese sobre a sociedade japonesa.

Neste quadro o Conselho da Europa não pode guardar, nem por um momento mais, silêncio sobre o que se passa nos EUA e no Japão. E, por isso, apoiamos o relatório de Mme. Renate Wohlend exigindo uma moratória e a abolição da pena de morte nestes países e, caso até Janeiro de 2003 esta decisão não seja cumprida, pôr-se em causa o seu estatuto de observador. Mas nós iríamos mais longe. Até aquela data deveriam ser tomadas medidas em todos os fóruns internacionais para limitar a circulação dos representantes destes Estados.

O respeito pelo direito à vida é uma das pedras de toque do Conselho da Europa. Sejamos então coerentes por uma vez com os princípios recusando a presença de Países, sejam eles quais forem, tenham eles o peso que tiverem, que não respeitem este princípio fundamental e os seus compromissos internacionais. Contribuamos para que nos EUA e no Japão (mas também na Turquia) se desenvolva um largo debate nacional (que, aliás, tem vindo a crescer) para que a opinião pública seja sensibilizada e se crie um vasto movimento contra a pena de morte que obrigue os respectivos Estados a abolir esta sanção excessiva e irreparável.