Informação genética pessoal
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
7 de Junho de 2001
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Não é exagero dizer-se que as questões do património genético, da sua investigação e da aplicação dos conhecimentos obtidos nesta área são sem dúvida decisivas para o futuro da humanidade. A riqueza deste conhecimento poderá proporcionar amplos e inúmeros avanços no combate a doenças graves e na melhoria da qualidade de vida dos homens e das mulheres de todo o mundo.
Mas ao mesmo tempo passam a ser possíveis novas formas de discriminação, capazes de aumentar as desigualdades entre ricos e pobres, ou entre países mais ou menos desenvolvidos.
Por isso assume importância decisiva a proibição de discriminações com base em informação genética, seja no acesso a seguros, empréstimos bancários ou muito especialmente nas questões laborais, onde o recurso a tais informações abriria novas e violentíssimas formas de discriminação e de exploração dos trabalhadores. Mas não basta só proceder à enumeração das proibições, mais ou menos completa; é preciso garantir o cumprimento dessa proibição e a fiscalização da utilização de todos estes dados. E essa é matéria em que há um imenso trabalho a fazer e em que o atraso é, apesar de toda a atenção pública a estas matérias, bastante considerável.
Põe-se igualmente o problema do acesso às novas terapêuticas e inovações técnicas e científicas. Avolumam-se internacionalmente as tendências para a privatização das descobertas genéticas, à sombra de um mecanismo de patenteamento orientado para a rígida exclusividade dos direitos sobre os genes decifrados. Esta situação, justificada formalmente com a necessidade de garantir através dos lucros os fundos para a continuação da investigação, constitui um enorme perigo para os povos do mundo. Desde logo pela circunstância de se privatizar um património que é por natureza propriedade de toda a humanidade, pondo esse conhecimento ao serviço do lucro de algumas grandes empresas.
E também pelo facto de a atribuição da exclusividade a uma empresa que detenha a patente da descodificação de um determinado gene ou grupo de genes poder significar o impedimento de outros cientistas ou entidades desenvolverem investigação nessa área, até mesmo já estando em curso. Não pode ser esquecido o facto de que só há um genoma e de que a patente sobre o gene atribui ao seu beneficiário um verdadeiro monopólio. Mesmo em relação aos testes genéticos com um gene patenteado, (por exemplo de novos medicamentos) eles ficariam inviabilizados. Lembre-se que se prevê que em 2004, 80 a 90% dos ensaios clínicos de medicamentos serão feitos por análise genética. Ao mesmo tempo sabe-se que face à circunstância de 50% dos medicamentos mais vendidos a nível mundial caírem em domínio público em 2005, a indústria do medicamento procura afanosamente novos produtos que utilizam já na sua maioria ferramentas genéticas.
Outra das matérias a que os projectos em análise não dão a relevância suficiente é a da actuação internacional do Estado português nesta matéria. Muito se definirá a nível internacional. O que se exige do governo é que se empenhe para que as novas descobertas não sirvam, entre outras coisas para uma ainda maior discriminação dos países menos desenvolvidos, à semelhança do que hoje acontece por exemplo com os tratamentos da SIDA.
As matérias que hoje aqui abordamos justificam ampla e profunda discussão, com audição de diversos especialistas e intervenientes. É por isso que nos parece aceitável que os diplomas baixem sem votação neste caso concreto. Não para qualquer expediente dilatório, mas para permitir o debate e o aprofundamento que julgamos indispensável, e de resto já previsto em projecto de resolução anterior. Da mesma forma seria inaceitável que, independentemente das competências constitucionalmente atribuídas, o governo legislasse por decreto lei sobre esta matéria. Trata-se de uma matéria que encontra na Assembleia da República o espaço indicado e indispensável para a discussão e a decisão.
Do que se trata afinal é de saber que mundo queremos. Um mundo em que os grandes interesses económicos se sobrepõem aos interesses dos povos e da humanidade ou um mundo em que as pessoas estão primeiro; um mundo em que a propriedade privada é valor absoluto ou um mundo em que o direito à saúde e à qualidade de vida é mais importante; um mundo em que a ciência está ao serviço do Homem ou um mundo em que a ciência está ao serviço do dólar e do índice NASDAQ; se queremos um mundo em que aos avanços no combate às doenças apenas tenham acesso os indivíduos ou os países com mais recursos ou um mundo em que se garanta um acesso universal e democrático a esses avanços.
Para o PCP as conquistas e as descobertas da ciência devem ser postas ao serviço da humanidade.
Disse.