Petição 61/VII - Associação Académica de Coimbra (caso N'dinga)
Intervenção do deputado José Calçada
21 de Novembro de 1997
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:
A Associação Académica de Coimbra alinhou com os seguintes jogadores: Viegas, na baliza; na defesa, Gervásio (capitão), Vieira Nunes, Belo e Marques; Rui Rodrigues, Nené e Vítor Campos no meio-campo; no ataque, Mário Campos, Manuel António e Peres. Jogaram ainda Serafim e Rocha, substituindo respectivamente Peres e Vítor Campos. A Académica chegou a estar a ganhar o jogo por 1-0, com um golo de Manuel António; mas acabou por perdê-lo por 2-1, para o Benfica, que assim ganhava a "final" da Taça de Portugal realizada no Estádio do Jamor... no dia 22 de Junho de 1969. Todos estes factos, e ainda muitos outros - mais técnicos ou mais pitorescos - podem ser retirados das crónicas que os jornais nos davam do jogo no dia seguinte, crónicas de tal modo minuciosas que, ao lê-las, quase nos sentimos dentro do estádio. Esta ilusão era particularmente eficaz para aqueles que lá não se tivessem deslocado - já que, pelo contrário, foi impossível a muitos dos mais de 50.000 espectadores encontrarem nas crónicas quaisquer relatos mesmo subentendidos, ou quaisquer reflexos, mesmo pálidos, de algumas circunstâncias que rodearam o jogo. Na verdade, a "Comissão de Exame Prévio" encarregou-se diligentemente de eliminar quaisquer referências a manifestações de estudantes da Academia de Coimbra, então mergulhados numa longa greve antifascista e pela democratização da Universidade, e que haviam utilizado o futebol para fazer ouvir a sua voz e as suas aspirações. Hábil utilização, essa, tanto mais inesperada e inteligente quanto exercida no próprio coração de um acontecimento desportivo que o regime fascista sempre pretendeu alienante e alienador.
E é precisamente aqui que, tanto então como hoje, em circunstâncias históricas embora bem diversas, vamos encontrar as raízes que nos podem ajudar a compreender em todo o seu alcance o alerta sincero e corajoso lançado nesta Petição pela Associação Académica de Coimbra sobre, e cito, "a situação actual do futebol português e as medidas necessárias à sua moralização". Atrevo-me a dizer, sem menosprezo pelos demais, que, dada a sua história e os seus muito específicos condicionalismos, provavelmente nenhum outro clube português de futebol estaria em condições de nos lançar este alerta como o fez a Associação Académica de Coimbra.
"Le sport c'est la guerre!", titulava há algum tempo atrás o "Le Monde Diplomatique". Bem o sabemos, e os exemplos abundam. E num tempo em que os sacrossantos valores do mercado invadem progressivamente todos os sectores de actividade, o desporto, e nomeadamente o futebol, tem sido um campo fértil para todos os abusos. Ainda bem recentemente, quando nesta Assembleia se discutiu uma proposta de lei do Governo para a revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo, o meu Grupo Parlamentar teve ocasião de denunciar o modo ligeiro e perverso como o Governo encara estas situações, confundindo "desporto" com "futebol", e "futebol" com "futebol profissional", alienando a "generalização da actividade desportiva como factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade" (como o impõe a própria Lei de Bases), e configurando uma absurda e abusiva ingerência no movimento associativo português.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:
De há longos anos a esta parte, a Associação Académica de Coimbra/Organização Autónoma para o Futebol tem desenvolvido uma acção inigualável no campo da formação integral dos homens e dos atletas. Independentemente de outras nossas opções clubísticas - todos nós nos comovemos com as vitórias da Académica ou com as suas derrotas. Não sei, científica e friamente, dizer-vos o que é a Académica. Mas sei dizer-vos que, de tão grande, não lhe resta senão sair dela mesma - e instalar-se naturalmente no coração de todos nós.