Congresso do Desporto e críticas ao Governo por este não ter servido os interesses do desporto
Intervenção de Miguel Tiago
16 de Fevereiro de 2006

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Naquilo que é apenas mais uma expressão do comportamento a que o Governo já nos vem habituando, tem vindo a ser desenvolvida a operação de propaganda a que o Governo entendeu chamar «Congresso do Desporto».

Num convite que, por certo, todos os membros desta Assembleia receberam, umas palavras assinadas pelo Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto diziam: «Convocámos o País para uma discussão que se pretendia efectivamente nacional e estamos satisfeitos com a sua participação». Claro que a satisfação é um conceito subjectivo; no entanto, a questão que devemos colocar é a seguinte: além de estar satisfeito o Sr. Secretário de Estado, poderão estar também satisfeitos o País, as autarquias, os atletas e outros agentes desportivos?

É que, em matéria de política — e, neste caso concreto, de política desportiva —, não andamos a tratar de satisfazer o Governo ou os seus membros mas, antes, a tratar de criar as verdadeiras condições para dar respostas às diversas dificuldades que se colocam no desenvolvimento do desporto em Portugal.

Num contexto nacional em que a prática desportiva padece de graves e profundos problemas em todas as suas vertentes, o Governo entende que a realização de um congresso com conclusões preconcebidas e prefabricadas os pode escamotear.

Estamos, no essencial, perante uma grande operação de cosmética, que adia, na prática, a resolução das questões centrais que se colocam ao desporto português.

Somos o País da União Europeia que apresenta maiores índices de obesidade infantil e o País quemaior número de morte por insuficiência cardíaca apresenta também, o que se deve, em grande medida, à ausência de hábitos saudáveis, entre os quais claramente se destaca a prática desportiva.

O Governo, no seu Programa, estabelece um conjunto de objectivos a atingir na área do desporto mas, no essencial, agirá sobre os problemas do desporto profissional. O balanço do dito Congresso do Desporto assim o demonstrará certamente. Isto porque não é possível agir de forma consequente nas questões centrais do desporto sem ter em conta o desporto popular e o papel do poder local na sua promoção; sem ter uma política congruente e de aposta no desporto escolar; sem ter uma verdadeira posição de fomento ao associativismo e ao seu desenvolvimento. Não é possível resolver a matéria do desporto em Portugal circunscrevendo os seus problemas às questões ligadas ao mundo do profissionalismo, do desporto enquanto negócio e do desporto enquanto indústria.

O Governo pode afirmar-se satisfeito com a participação dos agentes convidados para este congresso, mas isso, sem dúvida, desacredita e retira crédito ao próprio Governo e à sua seriedade.

Porque o Governo não pode considerar «efectivamente nacional», utilizando expressões do próprio Secretário de Estado, aquilo que, em muitos momentos, resultou em meras palestras com menos participantes do que muitas acções de algumas associações, colectividades ou autarquias.

O Governo não pode, porque não é sério, dizer que foram envolvidos os agentes desportivos, associati vos e autárquicos neste processo de meras aparências. Muitas foram as autarquias cujo envolvimento se cingiu a um convite de participação em determinada sessão, a que mais adequado seria chamar colóquio, em vez de congresso. Muitas foram as federações e as associações, desportivas ou de base local de acção diversificada, que não ouviram sequer falar do congresso até ao seu início.

Um congresso cujos objectivos são previamente estabelecidos, sem o envolvimento daqueles que, no terreno, aplicam a política do desporto, sem o envolvimento verdadeiro e real do movimento associativo, não pode ser considerado um momento de resolução dos problemas do desporto em Portugal.

Pode, sim, ser considerado um gigantesco embuste, um pretexto para a inércia e a justificação para apresentação de medidas e estratégias do Governo que já estavam definidas. E, assim, o Governo ganhou mais uns tempos para não fazer nada.

Seria necessário realizar um congresso para tomar consciência de que o desporto popular e associativo não goza do devido apoio do Estado? Seria necessário realizar um congresso para detectar os problemas que existem no pagamento de bolsas de alta competição? Seria necessário realizar um congresso para ter noção do desprezo a que tem vindo a ser votado o desporto para deficientes e para entender que 136 euros anuais não são suficientes para o treino destes atletas?

Seria necessário um congresso para perceber que o desporto em Portugal não é só o Lisboa- Dakar ou a 1.ª Liga? Seria necessário fingir que se estudam os problemas para avaliar a dimensão das necessidades do País no que toca às infra-estruturas para o desporto escolar? Seria necessário realizar uma iniciativa deste tipo para relevar a discriminação das mulheres no desporto? Não. Claro que não!

Mas também não são esses, nem foram esses, os objectivos deste congresso. Este congresso não tem por objectivo a democratização do desporto, não tem por objectivo o envolvimento do movimento associativo na promoção da prática desportiva, nem o de garantir a saudável relação entre população e desporto.

Este Governo, no essencial, deixará permanecer a visão do desporto limitada ao desporto dos milhões, ao desporto profissional. Este Governo, já se viu, não agirá sobre os problemas que não sejam os das páginas de jornal, deixando por mais anos milhões de portugueses cuja prática desportiva mais regular é ver o futebol na televisão, porque mesmo os bilhetes para assistir ao vivo não são para qualquer bolso.

O Governo conhece bem os problemas do desporto no País, conhece as questões que se colocam na gestão de espaços desportivos, conhece o papel do poder local, conhece o papel do associativismo, mas para este Governo tudo isso é matéria acessória, não é desporto.

O PCP denuncia, desde já, que este congresso não serviu os interesses do desporto, não reuniu os principais protagonistas do desporto português, nem é o suficiente para a valorização do desporto, dos atletas e dos outros agentes desportivos, que hoje se mostra necessária.

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Fernando Cabra

Este congresso serviu, efectivamente, para fingir que se ia ouvir, para fingir que se ia envolver.

Não estamos, obviamente, contra o envolvimento dos agentes desportivos, como, aliás, a minha intervenção demonstrou. Penso que o deixei bem claro. Estamos, sim, contra fingir que se ouve para depois justificar aquilo que o Governo já tinha na gaveta como lei de bases e que, aproveito para dizer, temos sérias dúvidas que vá corrigir o que foi feito no passado. Aproveito também para dizer que não comparei esta actuação com nenhuma outra do passado, estou a cingir-me ao que está passar-se agora.

Não consideramos correcto fingir que se reúnem os agentes desportivos numa iniciativa chamada congresso, que não passa de um colóquio onde, como o Sr. Deputado referiu da tribuna na sua declaração política, quem intervém são os prelectores e os agentes desportivos vão lá ouvir, se assim entenderem.

Também não estamos de acordo com um modelo em que o Governo anuncia a realização de um congresso, colocando na comissão de organização um conjunto de associações que não foram, sequer, tidas nem achadas na preparação, mas simples convidadas para o decorrer do congresso.

O Sr. Deputado, infelizmente, não teceu qualquer consideração quanto ao que o Governo preconiza para o desporto, pelo que, sobre isso, também não posso fazer reparos. Porém, no essencial, este congresso não mostra uma atitude muito diferente daquela teve na criação de outras lei de bases, porque, Sr. Deputado, é tão justo não auscultar como fingir que se ausculta para legitimar seja qual for a conclusão a que o Governo pretende chegar.