Declaração de voto sobre a Lei de Bases do Desporto
Intervenção de Bruno Dias
27 de Maio de 2004
Em pleno Ano Europeu da Educação pelo Desporto, a Assembleia da República acaba de aprovar, exclusivamente com o voto favorável da maioria parlamentar que suporta o Governo, a Proposta de Lei que constitui o maior ataque desde o 25 de Abril feito em sede legislativa ao direito à cultura física e ao desporto constitucionalmente consagrado.
Com esta aprovação, e com todo este processo legislativo que marcou a Proposta de Lei que agora votámos, confirmam-se integralmente as preocupações que o PCP expressou no início da discussão deste diploma. Confirmam-se aliás as piores expectativas manifestadas, de uma forma generalizada, pelo movimento desportivo do nosso país.
Foi aliás evidente, em todo o processo de audições na especialidade, da primeira à última reunião realizada em sede de Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, com as mais diversas entidades e organizações ligadas ao desporto, que se esta Proposta de Lei teve o mérito de gerar um amplo consenso no movimento desportivo – a verdade é que esse largo consenso mais não é do que o coro de críticas, de protestos, de perplexidade e indignação a que todos pudemos assistir.
Quanto ao Governo, fica com o odioso de apresentar esta Proposta, como facto consumado, sem qualquer prévia discussão com o movimento associativo desportivo, olímpico, sem trocar uma palavra – ao contrário dos seus próprios compromissos – com as entidades que diariamente intervêm e asseguram a prática desportiva em Portugal. Mais: o próprio Conselho Superior do Desporto foi absolutamente ignorado neste processo, ao arrepio das suas próprias atribuições e competências.
Fica o Governo, e a maioria parlamentar que o suporta, com a opção política que assumiu desde o início: defender uma Lei aprovada contra o País, contra o movimento desportivo nacional e acima de tudo contra todos os princípios basilares de uma política de desenvolvimento e democratização
Esta Proposta de Lei é demasiado má para poder
ser corrigida, e representa um retrocesso nas grandes orientações
para a cultura física e desporto, ao arrepio dos resultados da investigação
científica e das orientações das instituições
internacionais.
É um erro crasso, o Conselho Superior do Desporto ter funções
de arbitragem de conflitos – para, ainda por cima ver retiradas da Lei
as funções consultivas.
É inaceitável a forma como é abordada a relação com as Autarquias, ofensiva para a sua autonomia.
É incompreensível a intromissão preconizada
por este diploma na vida e na autonomia das Federações Desportivas.
São confrangedores os erros técnicos graves com a repetição
de artigos e artigos anunciados mas não desenvolvidos.
Mas são particularmente gravosas as orientações expressas, designadamente no artigo 11.º, no sentido de a intervenção dos poderes públicos no âmbito da política desportiva ser complementar e subsidiária à intervenção das restantes entidades.
É uma norma que colide directamente com o Artigo 79.º da Constituição da República Portuguesa, quando esta estipula, no seu número dois, que «incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.»
Não foi um lapso, nem é um pormenor – é uma flagrante e profunda perversão ao espírito mais nobre e humanista que a Constituição de Abril de 76 assume.
Esta Proposta de Lei, pela visão política e ideológica que encerra e que a ela preside, explica bem porquê mais de 70% dos portugueses são sedentários, 60% das crianças portuguesas são obesas, os 430.000 portugueses em risco de AVC; porquê o atraso na Educação Física e no Desporto Escolar, no apoio ao Associativismo, à Alta Competição e ao conjunto do Sistema Desportivo.
Esta Proposta de Lei explica porquê, gerações de portugueses tem sido e, irão continuar a ser privados do bem essencial que é o desporto afastando-nos, também nesta área, dos padrões médios europeus e da modernidade, colocando-nos na cauda do pelotão da percentagem relativa de praticantes desportivos, com índices próprios de meados do século passado.
Esta Proposta de Lei é inaceitável para aqueles que sabem, como nós sabemos, que a prática desportiva dos Portugueses não se resolve, transformando-os em meros espectadores de grandes eventos ou, de forma oportunista, cavalgando as vitórias pontuais de atletas e equipas portuguesas.
É uma Proposta de Lei com a qual nem a própria maioria está “de corpo e alma”, postura que ficou bem visível nos trabalhos da comissão.
Esta é uma Proposta que vai ser Lei. Mas que logo que haja condições, na primeira oportunidade possível, deve ser substituída por uma nova Lei que de facto corresponda e contribua para o desenvolvimento desportivo do país.
Disse.