Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional
2 de Maio de 2001

 

Nota Justificativa

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) em vigor carece de urgente reformulação. Aliás, é críticavel que o Governo tenha aprovado o novo Conceito Estratégico da NATO (1999) sem qualquer consulta ou debate prévios. Ao não fazê-lo o Governo optou, como tem sido regra, pela política dos factos consumados.

Para o PCP, o C.E.D.N. em vigor não projecta, como deveria, as garantias de uma estratégia assente no primado da defesa dos interesses nacionais.

Em determinados pontos fulcrais, a estratégia do Estado aparece tolhida pelos compromissos externos. Em vez de ser a estratégia do Estado a determinar o tipo e o nível do envolvimento externo, é este que cada vez de forma mais significativa determina a estratégia do Estado.

Isto é por demais evidente no caso do exemplo supracitado (novo conceito estratégico da NATO), mas também no processo em curso de constituição de uma força de intervenção militar europeia, bem como no que respeita às medidas de carácter político-militar que vêm sendo tomadas no âmbito da UE.

A gravidade da situação vai ao ponto de estes processos estarem a decorrer sem quaisquer debates públicos, contrariando desígnios constitucionais e sem qualquer redefinição do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

Com vista a reconduzir o processo à sua matriz racional e ao enquadramento que lhe decorre da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, o PCP entende que é essencial proceder à reformulação do C.E.D.N.

Efectivamente é do C.E.D.N. que depende o conceito estratégico militar, do qual, por sua vez, dependem a definição da missão genérica e das missões específicas das Forças Armadas, bem como a definição dos sistemas de forças e dispositivo. É também em função disto que se devem traçar as perspectivas e as prioridades em matéria de reequipamento, através da Lei de Programação Militar.

Assim, é no quadro configurado pelo artº. 8º da Lei de Defesa Nacional, designadamente o seu nº. 4 que o PCP apresenta na Assembleia da República o presente texto, de "grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional" e, com ele, dar o seu contributo para o necessário e inadiável debate público sobre um problema de grande interesse nacional.

Grandes Opções do
Conceito Estratégicode Defesa Nacional

I

A Constituição da República
como fonte central da estratégia do Estado

A CRP é a lei matriz do ordenamento jurídico do Estado, é nela que se devem recolher os princípios e os interesses gerais que permitem enquadrar a defesa nacional. No artº. 9º da CRP são definidas as tarefas fundamentais do Estado, ou seja, os seus interesses gerais permanentes:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;

b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;

c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;

d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;

e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;
f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;

g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;

h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.


Na CRP encontram-se também definidos os princípios orientadores das relações internacionais. Assim o artº. 7º estabelece que:

  1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e progresso da humanidade.

  2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

  3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como à insurreição contra todas as formas de opressão.

  4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com todos os países de língua portuguesa.

  5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

  6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia.

Os objectivos permanentes de defesa nacional inserem-se nas tarefas fundamentais ou interesses gerais do Estado, como estão definidas no artº. 9º citado, mas conhecem especificação constitucional no artº. 273º, nº. 2, quando este define que "a defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas".

Estabelece-se a obrigação do Estado assegurar a defesa nacional (artº. 273º, 1) e que a defesa militar incumbe às Forças Armadas (artº. 275º).

A Constituição inculca um conceito global de defesa nacional, integrando vários factores: físico-geográfico, político-diplomático, económico-financeiro, social, cultural, psicológico e militar, afastando assim concepções restritivas de redução da defesa nacional ao factor militar, ou de atribuição de prioridade a este, seja pelo fortalecimento desmedido de forças militares próprias, seja pelo seguidismo ou empenhamento desproporcionado na doutrina e nas acções das alianças militares ou da PESC, subalternizando ou condicionando fortemente as estratégias estabelecidas para outros factores (por vezes mais decisivos) e podendo pôr em causa a própria independência nacional.

A política de defesa nacional - ou seja, "o conjunto coerente de princípios, objectivos, orientações e medidas adoptadas para assegurar a defesa nacional" (artº. 4º, 1 da LDNFA) - é definida e posta em prática pelos orgãos de soberania competentes e deve estar de acordo e consubstanciar a dedução dos interesses gerais, objectivos gerais e objectivos permanentes da defesa nacional, atrás enunciados, sem o que as directrizes constitucionais serão prejudicadas.

Finalmente a política de defesa nacional caracteriza-se por ser (artº. 5º e 6º da LDNFA):

a) Nacional (artº. 5º);
b) Permanente (artº. 6º, 1);
c) Global, isto é, abrangendo uma componente militar e componente não militar (artº. 6º, 2):
d) De âmbito interministerial (artº. 6º, 3);
e) Objecto de informação pública, constante e actualizada (artº. 6º, 4).


A política de defesa nacional - ou seja, "o conjunto coerente de princípios, objectivos, orientações e medidas adoptadas para assegurar a defesa nacional" (artº. 4º, 1 da LDNFA) - é definida e posta em prática pelos orgãos de soberania competentes e deve estar de acordo e consubstanciar a dedução dos interesses gerais, objectivos gerais e objectivos permanentes da defesa nacional, atrás enunciados, sem o que as directrizes constitucionais serão prejudicadas.

Os normativos citados deixam clara a distinção constitucionalmente estabelecida entre a política de defesa (que se refere à agressão ou ameaças externas) e a política de segurança interna, bem como entre as missões das Forças Armadas (a quem incumbe a defesa militar da República) e as das Forças de Segurança.

II

Situação nacional: visão global
das potencialidades e vulnerabilidades

Composto de uma parte continental e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, com uma área territorial pequena entre os países europeus principais, o nosso País dispõe de uma extensa ZEE, tem solos de estruturas variadas e subsolo rico em alguns minérios estratégicos. Margina com um só país, caso único na parte continental europeia.

Do ponto de vista militar clássico, o território português caracteriza-se por algumas vulnerabilidades: é estreito, descontínuo e não dispõe de redutos naturais. Não permite, assim, condições naturais de resistência senão escassos dias a uma invasão armada poderosa. Os principais centros urbanos estão muito acessíveis.

Dispondo de algumas potencialidades económicas (minérios, florestas, pescado, algumas indústrias transformadoras, certos produtos agrícolas e pecuários, serviços), políticas económicas inadequadas e erradas fazem-no manter-se num grande atraso em relação aos países europeus. Da mesma forma, vulnerabilidades essenciais existentes, tais como as referentes à área da energia, à produção de certos bens de consumo essenciais e de equipamento, aos transportes marítimos do Estado, praticamente inexistentes, à frota pesqueira, destroçada, não têm sido superadas, antes se vêm agravando, mesmo no novo quadro da UE.

Financeiramente, Portugal tem-se mantido, nos últimos 15 anos, mercê de avultados subsídios e comparticipações recebidas da CEE (actual UE), da privatização do melhor do sector empresarial do Estado, das políticas de contenção salarial e de redução relativa das despesas sociais, da outorga de concessões de exploração de serviços públicos, com ou sem obras prévias.

A adesão ao euro, com perda de controle sobre a política monetária e cambial, a volatização das cotações das bolsas de valores e a circulação desregulada de capitais criam grandes incógnitas quanto à gestão financeira do futuro próximo.

Entregam-se sectores inteiros da economia portuguesa, que passam a ter centros de decisão no exterior. A única hipótese de ter uma garantia de que esses sectores continuam em mãos nacionais é Portugal ter uma dominante posição pública.

Portugal é um Estado unitário, um Estado-Nação sem problemas fronteiriços, nem dificuldades linguísticas ou étnicas.

A estrutura política nacional comporta a existência de duas regiões político-administrativas (com estatuto especial e dotadas de orgãos de governo próprio e de poder legislativo) nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Correspondendo às aspirações das populações locais, a autonomia regional constituiu a resposta do regime constitucional à situação dos arquipélagos.

Portugal conta, globalmente falando, com um regime democrático formalmente estabilizado. Mas subsistem grandes atrasos no desenvolvimento e crescem as limitações aos direitos políticos, económicos, sociais e culturais.

Existem relações diplomáticas a nível variado, e nalguns casos insuficientes, com todos os países, incluindo, agora, a Indonésia. Portugal faz parte das principais organizações internacionais, políticas, económicas, financeiras e sociais. Com a devolução de Macau à R.P.China e a extinção do papel de potência administrante de Timor-Leste, as relações diplomáticas clarificaram-se.

A integração na então CEE, apesar de auxílios comunitários subtanciais (nem sempre bem negociados e aplicados) não tem contribuido, por falta de uma política verdadeiramente nacional integrada, para que Portugal atinga os níveis desejáveis e esperados de bem-estar e desenvolvimento. Os processos de integração na UE, para um país pequeno e de economia periférica e dependente como é Portugal, comportam perigos acrescidos, que nem sempre foram acautelados, para a defesa da independência e da soberania nacionais. A manutenção dos critérios de convergência tem vindo a exigir sacrifícios à maioria dos portugueses e o alargamento esperado da UE perspectiva uma redução de apoios e uma maior competitividade.

Nos últimos anos, os processos de desmantelamento das barreiras à entrada de capitais estrangeiros e as privatizações têm conduzido a preocupantes situações de domínio de sectores e empresas portuguesas por capitais estrangeiros. Portugal não pode aceitar ser conduzido ao estatuto de uma mera região da Europa, um território ou um mercado ao serviço das multinacionais. Portugal não pode prescindir e, pelo contrário, tem de afirmar a sua soberania e a exigência de um verdadeiros projecto de defesa nacional.

Portugal, com os seus 10 milhões de habitantes, está longe dos países mais populosos da Europa mas, com o desmembramento da URSS e da Jugoslávia, subiu muito no ranking demográfico. Principalmente devido a motivos económicos, existem importantes núcleos de emigrantes portugueses na França, Suíça, Alemanha, Brasil, Luxemburgo, EUA, Canadá, RAS, Venezuela e noutros países, os quais, por um lado carecem de apoio mas, por outro, podem constituir uma alavanca na difusão da língua e cultura portuguesas e são um importante elemento da presença de Portugal no Mundo. No seu conjunto, atingem alguns milhões de cidadãos portugueses cuja solidariedade activa e passiva deve ser preservada.

Continua a existir um processo crescente de desertificação do interior e de fluxo dos meios rurais para os centros urbanos, resultante da ausência de uma adequada política de desenvolvimento regional, do desmantelamento de algumas indústrias e das restrições devidas à PAC.

Embora portador de forte identidade cultural, de antigas e cimentadas raizes históricas - o que são potencialidades - Portugal continua a manter índices de carácter social, tecnológico e de investigação muito baixos, em termos de padrões europeus, apesar de decorridos 15 anos de adesão.

Globalmente, o nível de vida é muito reduzido, a repartição do rendimeno cada vez mais injusta e criando a acentuação das desigualdades sociais, o que faz esmorecer a coesão nacional. Actualmente asiste-se mesmo a um grande desinteresse pelas questões cívicas e políticas e ao crescimento do racismo e da xenofobia.

As debilidades sociais revelam-se principalmente na falta e instabilidade de emprego, na habitação, no ensino, na saúde, na justiça, nas perspectivas de futuro para a juventude, na discriminação da mulher e na protecção à terceira idade. A taxa de analfabetismo é a maior da UE, bem como os índices de iliteracia.

O povo português assume os valores da paz, da independência nacional, da liberdade e da justiça social e tem lutado por eles com grande vontade nacional, mostrando-se disponível e solidário para o seu reforço. Mesmo em casos como o de Timor-Leste - terra longínqua, esquecida, pobre e sacrificada - revelou recentemente a sua afeição àqueles valores.

Nos meios da informação restringe-se, inaceitavelmente, a transparência e o esclarecimento da opinião pública, ampliam-se, sem ponderar, as sínteses das centrais internacionais de notícias, cultiva-se o frívolo, o anúncio e o fait-divers.

Do ponto de vista militar, ainda existe um grande desfasamento entre as necessidades coerentemente estabelecidas e a existência de meios adequados, designadamente, ao nível do pessoal, das infra-estruturas, do armamento, da própria organização e adequação às novas tecnologias para as missões estabelecidas.

Portugal tem sido suscitado a contribuir com esforço militar nas "crises" da Bósnia, do Kosovo, na normalização de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, no processo de transição de Timor-Leste, acções que evidenciaram os erros e omissões da política para as FA's, muito principalmente: a desconstitucionalização e redução drástica do SMO; a aquisição de fragatas antisubmarinas em vez de corvetas multifunções; a aquisição de F16 em vez de helicópteros, C-130 e aviões de combate menores e de reconhecimento da costa; a manutenção do artº. 31º da LDNFA, tratando os militares como cidadãos de 2ª classe; a degradação salarial; contratados e voluntários em déficit, como era de esperar.

O Exército vive momentos de grande incerteza a necessitar de medidas adequadas ao seu fortalecimento e capacidade.

A prossecução de uma política seguidista na NATO reduz a capacidade de decisão autónoma para os caminhos do desarmamento sustentado, da eliminação da lógica de blocos e da cooperação e da paz.

A igual resultado conduz a aceitação, pelo Governo português, das utilizações que os EUA pretendem fazer de parte do território nacional para os seus objectivos estratégicos. A arregimentação para a integração em forças militares do flanco sul (Euroforce e Euromarforce) poderá tornar-se perversa se utilizada, designadamente, no mundo árabe. E a projectada criação de uma força militar europeia até 2003 e a institucionalização e funcionamento de quatro novos orgãos político-militares, na perspectiva da PSDC, cria novos e preocupantes compromissos.

Do que atrás se diz, pode concluir-se que embora existam algumas vulnerabilidades (média riqueza do solo e subsolo, dependência energética e em bens essenciais, estreiteza do território, atraso económico e social, crescente influência do capital estrangeiro, reestruturação atrasada nas FA's), as potencialidades (vasta ZEE, situação estratégica global, densidade populacional, condições democráticas, vontade nacional, condições para aumentar a produção de alimentos se necessário, larga comunidade linguística), carecendo de ser persistente e coerentemente desenvolvidas, superam as vulnerabilidades e podem constituir - se devidamente aproveitadas e se forem alteradas as políticas - uma base credível de desenvolvimento integrado.

Portugal não enfrenta, como certos países europeus, condicionalismos territoriais, populacionais, político-constitucionais, geográficos ou outros, que possam constituir-se, à partida, em fatalismo de vir a perder a independência ou de ter de se integrar forçosamente numa ou várias organizações internacionais para poder sobreviver como nação soberana. Portugal é viável e, com uma política integrada e adequada de defesa nacional, não correrá o risco de vir a colocar-se na posição de país exíguo. Num mundo em que aumentam as interdependências, Portugal tem - e pode aumentar - capacidade de intervenção, de autonomia de estratégia e de decisão (excluído que seja a forma obsoleta de nacionalismo autárcico). Portugal carece de desenvolver uma estratégia permanente, esforçada e coerente de redução das vulnerabilidades e de reforço das potencialidades, no quadro do primado dos interesses nacionais.

III

Situação internacional

O exame da situação internacional abrange preferencialmente as zonas mais directamente relevantes para efeito da elaboração do CEDN.

Essas zonas são aquelas em que Portugal se insere directamente, com as quais tem proximidade, para as quais apareça com alegado valor estratégico e aquelas com as quais desenvolve laços específicos de cooperação e amizade. Estão no primeiro caso a Europa e, em particular, a Península Ibérica; no segundo caso, o Magrebe e, em geral, o Mundo Árabe; no terceiro caso, os Estados Unidos; e, no quarto caso, os países de língua oficial portuguesa. Nalgumas dessas zonas, o exame conhece dificuldades decorrentes de processos em curso com rumo e desenlaces incertos.

A Europa mudou radicalmente. A uma Europa dividida em dois blocos (NATO e Pacto Varsóvia) sucedeu uma outra, onde um dos blocos (o PV) se extinguiu (política e militarmente) e o principal país que o integrava (a URSS) se desagregou.

Não foi por acaso que, logo imediatamente, começaram a surgir as chamadas "crises de média intensidade", com intervenções armadas poderosas e sofisticadas (Golfo, Bósnia, Kosovo, Tchetchénia, etc.), deslocações massiças de populações, chacinas, propaganda despudorada, ultrajes ao direito internacional.

Na Alemanha, a RFA anexou a RDA e, através de acordos múltiplos fez cessar completamente o estatuto que lhe decorria da II Grande Guerra. A Alemanha aparece, hoje, no Centro da Europa, como uma grande potência (económica, financeira, populacional) e já participa com tropas em acções externas (Kosovo). A sua influência, nestes ultimos 15 anos, estendeu-se e abrange hoje a Áustria, a República Checa, a Eslováquia, a Croácia, a Eslovénia, o Montenegro, a Macedónia, o Kosovo, a parte da Bósnia, a parte da Suíça, a Voivodina e mantém relações objectivas com descendentes de alemães que vivem nas regiões que pertenciam ao III Reich e que, pela derrota deste, couberam à Polónia.

Com as adesões em curso, o estatuto de neutralidade e não-alinhamento de vários países (Áustria, Suécia, Finlândia, Suíça) tende a ser apagado, em benefício da política de blocos e, como tal, a perder mais um factor de estabilidade.

A NATO (onde os EUA exercem uma hegemonia esmagadora) reforça-se em vez de diminuir o seu papel face ao desaparecimento do outro bloco e aparece com uma estratégia ofensiva, procurando arvorar-se não só em polícia da "paz interna" (substituindo as funções dos sistemas de segurança) como em sistema de "defesa" contra ameaças externas, vindas agora, não do Leste, mas de qualquer azimute (reformulação doutrinária). O Norte da Itália já não constitui a chamada "fronteira oriental da NATO". Agora, transfigurada que foi a Albânia em autêntica base dos EUA e quase-protectorado deste país, a influência da NATO estende-se em direcção ao Cáucaso e ao Mar Negro.

Para este novo papel da NATO contribuiu poderosamente a situação de guerra no Golfo, conduzida pelos EUA, que demonstraram capacidade de pressionar e de pôr ao seu serviço não só FA's europeias e de outros países do mundo, como instituições de segurança, como a ONU. E conseguiram um objectivo estratégico que há mais de quarenta anos os ingleses e franceses procuravam e que a Liga Árabe sempre impedia: ter uma base militar dominando os poços de petróleo (Arábia Saudita).

Os exemplos da Bósnia e do Kosovo são paradigmas da doutrina americana pós-reunião de Washington (24/4/99). Ficou claro, com o novo conceito estratégico da NATO, que os EUA se arrogam no direito de fazer a guerra lá onde os seus interesses vitais o exigirem, com a ONU, sem esta ou mesmo contra esta organização de segurança, através da NATO ou sozinhos.

Neste quadro, a própria OSCE corre grave risco, já que está a ser hegemonizada pelos EUA, Reino Unido e Canadá.

Teóricos, políticos e opinion-makers tentam defender a necessidade da legalização de um "direito-dever de ingerência humanitária", o qual, aproveitando-se de quadros dramáticos (mas normalmente confusos e até forjados), poderia conduzir à autorização de intervenção de Forças de Interposição ou mesmo de Imposição pelo Conselho de Segurança, sem a solicitação ou autorização de país soberano.

O processo de desarmamento, através do tratado INF, do tratado CFE e do tratado START, tem tido muitos recuos e alguns desvios e avanços; paradoxalmente a França, os EUA, a China e a Índia reactivaram as experiências com bombas nucleares subterrâneas; os EUA relançaram, em força, a IDE (mesmo ao arrepio de 138 nações que, em Novembro passado, reafirmaram o Tratado Espacial de 1967, entre elas várias da NATO) e aumentam substancialmente o orçamento militar.

Tudo, pois, factores de instabilidade e de retrocesso.

A criação da UE, tal como resultou dos Tratados de Maastrich e de Amesterdão e as decisões tomadas na Cimeira de Nice, levanta novos e complexos desafios a Portugal. A UE está a conduzir um país como Portugal à subordinação dos seus interesses aos dos grandes países do centro da Europa, nomeadamente através da recente alteração do peso relativo dos votos de cada país.

A criação de uma PSDC, provida de FA's e de comandos comuns centralizados, acelerando a militarização da UE e visando torná-la numa superpotência dotada de poder ofensivo táctico (FIR) e estratégico, representa um esforço de integração de países neutrais ou em polígonos de geometria variável, num projecto subordinado aos interesses da NATO e dos EUA. É óbvio que tal implementação contraria o desejável processo de construção de um sistema de segurança europeu global.

Também nas componentes económicas e financeiras, a UE levanta graves problemas de soberania, traduzidos na criação do Banco Central e na transferência das entidades supranacionais do poder de emissão de moeda, factores que limitam fortemente a capacidade de definição nacional das políticas orçamental, financeira e económica e, consequentemente, das outras políticas.

Quanto às componentes de segurança interna e de direitos, a UE tende claramente à limitação da soberania, quer pela criação de uma União Europeia de Polícia (EUROPOL), quer pela instituição de políticas comuns de vistos, direito de asilo e entrada e expulsão de estrangeiros, quer pela criação de sistemas e serviços de informação a nível comunitário, quer por formas de cooperação policial que permitem a actuação em Portugal de polícias estrangeiras (espanhola). É neste quadro que funcionam os Acordos de Schengen e a Convenção de Dublin.

A evolução política ocorrida na Europa Central, nos Balcãs e no Cáucaso e, particularmente, na Jugoslávia e na ex-URSS, trouxeram a primeiro plano problemas e questões resultantes da emergência de reclamações nacionalistas, que têm sido causa de profunda instabilidade e conflitos nessas zonas (acrescentando-se ao que já sucedia no Ulster, no País Basco, na Córsega e em Chipre).

No quadro europeu, as relações com a Espanha não podem deixar de assumir uma grande relevância. Portugal e Espanha têm hoje particulares condições de cooperação.

Sendo parceiros na UE, na NATO, na OSCE e na ainda UEO, as relações bilaterais sofreram grande incremento. No comércio externo português, a Espanha representa um valor cada vez mais desnivelado. Cresce também o investimento directo espanhol em Portugal, principalmente nos sectores bancário e de seguros, na energia e na distribuição.

No plano da NATO, a Espanha considera ter interesses estratégicos em toda a área peninsular e mares circundantes, o que conduziu a uma complicada afectação de comandos navais e terrestres aos dois países peninsulares.

A integração conjunta no Euroforce e no Euromarforce, para defender o flanco sul da NATO, no Mediterrâneo, abriu caminhos para uma crescente importância da Espanha na PESC, cujo Alto Representante, Javier Solana, é disso prova.

Questões ambientais e de partilha da água dos rios podem criar problemas vitais.

Entretanto, a Espanha não tem uma situação inteiramente estabilizada, não só devido às reclamações independentistas designadamente no País Basco, como pela presença britânica na Península (Gibraltar) e pela manutenção de duas cidades em Marrocos (Ceuta e Melila) sob administração e com presença militar espanhola.

Razões da história e da geografia ligam Portugal ao Mar Mediterrâneo e ao mundo árabe, particularmente ao Magrebe. Portugal, apesar da ocupação realizada no séc. XV, não permaneceu na zona para além do séc. XVI e não pertence por isso ao leque das suas potências coloniais (Espanha, França e Itália). Sem contenciosos históricos, geograficamente próximos, Portugal não desenvolveu relações económicas intensas com esses países, aparecendo alguns deles como concorrentes de Portugal nalguns produtos (conservas, turismo, etc.). Na evolução da zona, importa assinalar o retraído mas preocupante fenómeno fundamentalista, com o aparecimento de partidos religiosos e o forte aumento populacional que provoca o agravamento dos problemas económicos.

Produtor de petróleo, gás natural, fosfatos e dispondo de águas atlânticas ricas em pescado, o Magrebe árabe tende a suscitar no seio das instituições europeias (e em particular da UE) um crescente interesse.

O empreendimento de fornecimento de gás natural, por gasoduto, assenta na Argélia.

Portugal continua, ainda que em menor escala, a aparecer, face aos Estados Unidos, como um território (no Continente e nos Arquipélagos) dotado de valor estratégico, designadamente para controlo do Atlântico Norte e ponto de passagem (ou reabastecimento) para operações militares destinadas à Europa Central e do Sul, à África do Norte e ao Próximo e Médio Oriente.

O acordo militar Portugal-Estados Unidos tem permitido aos EUA a utilização de bases e outras infra-estruturas portuguesas (particularmente da Base das Lajes) para operações no Médio Oriente.

O reforço da hegemonia mundial que os EUA evidenciam - se necessário contra a ONU quando interesses vitais estiverem em causa - tornarão, ainda mais, de uma forma ou de outra aquelas utilizações contrárias aos interesses nacionais e susceptíveis de tremendas contradições na política externa nacional.

Nas relações de Portugal com os países africanos de língua portuguesa foram pesando, ao longo do tempo, irregularidades e dificuldades que não permitiram o seu desenvolvimento como teria sido possível e desejável.

As relações económicas e culturais de Portugal com os países de língua oficial portuguesa (os 5 africanos e o Brasil) são ainda de expressão muito insuficiente (entretanto Moçambique já aderiu à Commonwelth e a Guiné-Bissau pode aspirar a integrar-se na Francofonia) e sem correspondência real às potencialidades, haja em vista a presença comercial de outros países.

De sublinhar também o facto de Portugal pertencer a numerosas organizações internacionais de cariz muito diferenciado. Para além de ser membro da UE (desde 1986), da NATO (desde 1949), da UEO (desde 1990), e do Conselho da Europa (desde 1977), Portugal é membro da ONU e das suas organizações especializadas, da OSCE, da OMS, da OIT, do FMI e da OCDE, e é subscritor da OMC (ex-GATT). Sendo em todas estas organizações membro de pleno direito, Portugal neles dispõe de espaços adequados ao desenvolvimento e afirmação dos seus pontos de vista e de procura de maiorias que defendam os seus interesses vitais. Registe-se, a propósito, haver exemplos de países que deixaram alguns destes organismos (por exemplo - EUA, da Unesco, da OMS, da OIT; Grécia suspendeu a presença na NATO durante a crise de Chipre; a França e a Espanha durante anos só pertenciam à vertente política da NATO, etc.).

IV

Linhas de acção e prioridades relativas

Dos princípios e dos interesses ou objectivos gerais já anunciados, e tendo em conta a situação nacional e internacional atrás descrita, deduzem-se as actividades necessárias e as prioridades relativas da estratégia de defesa nacional no que respeita às áreas político-diplomática, social, cultural, económico-financeira, psicológica e militar.

Portugal tem interesse em privilegiar e angariar aliados para a vida político-diplomática visando garantir a sua segurança externa. Deve por isso empenhar-se na solução dos conflitos internacionais por via pacífica e justa. Portugal deve empenhar-se na recondução da OSCE à sua matriz inicial e no desenvolvimento, com outros países, da procura de caminhos tendentes a encontrar soluções pacíficas, quer na NATO, na UE, na ONU e, assim, estabelecer uma nova cultura de paz baseada em critérios de igualdade, respeito mútuo e não ingerência.

Tanto à ONU como quanto à OSCE, Portugal deve empenhar-se activamente para combater a sua hegemonização ou instrumentalização pelos EUA e outras potências militares da NATO. Portugal deve rejeitar desvirtuamentos do direito internacional como o recentemente invocado "direito-dever de ingerência humanitária", através do qual os EUA e outras potências liderantes da NATO procuram usar a ONU e a NATO para violar o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados invocando necessidades humanitárias. De resto, este "dever-direito" foi difícil de "aplicar" em Timor-Leste, mesmo depois de um referendo aceite e controlado pela ONU.

A segunda ordem de prioridades liga-se à integração europeia e à necessidade de Portugal, como pequena potência periférica, estimular de forma muito activa os factores de coesão e identificação nacional. Portugal tem interesse em reforçar a sua identidade cultural e a presença da sua cultura e língua no mundo, em diversificar as suas relações externas, em reforçar a coesão do povo português (o que implica privilegiar as políticas de bem-estar e justiça e desenvolvimento harmonioso, incluindo na componente regional), em assegurar o controle dos comandos económicos e financeiros estratégicos do país, em garantir a formação das reservas estratégicas necessárias, em contrariar uma política externa de defesa em que Portugal fosse subalternizado, quando não mesmo diluído, e o país atrelado em iniciativas contrárias aos seus próprios comandos constitucionais. (De facto, o que é bom para a NATO ou para a UE pode ser péssimo para Portugal).

No quadro político-diplomático, Portugal deve desenvolver relações externas diversificadas, pautadas pelos princípios da cooperação, vantagens mútuas e não ingerência. Portugal deve ser particularmente expedito no aproveitamento da potencialidade que constitui a sua particularidade histórica e geográfica e alguma projecção internacional que, entretanto, adquiriu.

Na Europa, é prioritária a participação activa nas estruturas da OSCE, tendo em vista a institucionalização duradoura de um sistema de segurança colectivo e de cooperação na Europa, que supere definitivamente a lógica dos blocos político-militares e conduza ao seu total desaparecimento. Neste quadro, Portugal deverá desvincular-se da estrutura militar da NATO.

Ainda no quadro europeu, entretanto, Portugal deve garantir a defesa da soberania nacional nos processos evolutivos da UE, não aceitando a participação em qualquer espécie de bloco político-militar europeu, ou qualquer outra forma de tentar transformar a UE numa potência militar, expansionista ou punitiva.

Não constitui necessidade, nem é do interesse de Portugal, uma integração militar sob a égide da Europa (ou dos EUA), estrategicamente apontada para a intervenção em outras regiões do globo. Pelo contrário, o rumo a seguir é o reforço da ONU e a disponibilização de apoios ao Conselho de Segurança, quando for discutida, aprovada e solicitada a colaboração portuguesa em acções de paz e de natureza humanitária.

Noutro plano, será estimulada a participação nos esforços conducentes à criação de sistemas de segurança colectiva e de cooperação regionais, sem prejuízo da ONU. A valorização do combate às diversas formas de terrorismo (incluindo o terrorismo de Estado), ao narcotráfico, ao genocídio, aos atentados, sistemáticos e comprovados, dos direitos humanos, à rapina de riquezas, à desestabilização ou interferência na vida interna de outros povos ou à livre escolha do sistema político em que desejem viver, deve ser prosseguida sem desvios.

As relações com os países de língua portuguesa devem ser fortemente estimuladas e desenvolvidas. As relações, de cooperação e amizade, devem privilegiar as áreas ligadas ao desenvolvimento económico e social, à cultura, à defesa da língua comum, à colaboração técnico-militar.

Quanto aos acordos bilaterais, deve ser estimulada a sua diversificação. Mas quanto aos acordos militares com os EUA, os interesses estratégicos nacionais e o quadro evolutivo da situação internacional impõem a sua revisão radical.

Quanto às instâncias internacionais, deve ser estimulada e reforçada a participação portuguesa. Portugal tem aí oportunidade para o desenvolvimento e afirmação dos seus pontos de vista, podendo, enquanto pequeno país, facilitar negociações e consensos, apresentar propostas exploratórias, ajudar a criar maiorias em prol da paz, da justiça, da cooperação, da autodeterminação dos povos, combatendo tendências para a hegemonização e para a subsistência da política de blocos, seguindo as traves mestras inscritas no artº. 7º da CRP.

Particular atenção devem merecer os governos e instituições que permitam a instauração de uma nova ordem política internacional de paz e respeito mútuo e de uma nova ordem económica internacional que contribuam para a liberdade e progresso social dos povos. É do interesse nacional que Portugal apareça e esteja particularmente empenhado nestas acções. A recém reforçada OMC, propugnando a liberdade de comércio "para os outros" e os protestos de Seattle e Davos mostram que há forças crescentes na luta por relações de troca justas e de interesse mútuo.

A preservação do meio ambiente ibérico e das águas territoriais é uma linha de acção prioritária.

No plano social, a política deve prosseguir os objectivos de reforçar a coesão nacional, desenvolver as potencialidades dos cidadãos e assegurar o seu bem-estar. A elevação do nível de vida; a eliminação das manchas de pobreza e outras chagas sociais; a segurança no emprego; a protecção das camadas mais desfavorecidas; o combate às discriminações; a integração e defesa dos direitos dos imigrantes; a protecção da juventude e garantia dos seus direitos; o desenvolvimento da saúde pública e do combate à toxicodependência; o fomento da habitação social; a defesa e preservação do meio ambiente - são, entre outros, programas imprescindíveis para congregar as vontades dos portugueses, de forma solidária e empenhada, na prossecução dos objectivos nacionais.

Também as políticas nos domínios da educação e cultura devem merecer particular atenção, com objectivo de robustecer a identificação do todo nacional através da elevação do nível educacional e cultural do povo e da promoção da actividade e acção cultural. A defesa da língua portuguesa e o fortalecimento dos laços culturais com os países, territórios e núcleos de emigrantes que falam a nossa língua, assim como o conhecimento e divulgação da nossa história devem constituir prioridade.

O apoio às actividades de I&D é também particularmente relevante. Portugal é o penúltimo país da UE em despesa com I&D e gasta cinco vezes menos que a Suécia. Portugal deve procurar ter acesso às tecnologias fundamentais e não somente "embascar-se" com a Internet. A formação técnica actualizada é a base do desenvolvimento.

Particular atenção deve merecer a política dirigida às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. A política para os emigrantes deve ter carácter integrado, deve visar em primeiro lugar fornecer todo o apoio aos emigrantes enquanto cidadãos portugueses, deve tender a fortalecer as ligações das comunidades, no seu interior, com as outras comunidades e com a Pátria. Especial atenção deve ser posta ao ensino da língua, aos aspectos culturais, ao apoio consular. Os jovens filhos de emigrantes devem ser objecto de programas específicos. Abrir escolas de apoio a emigrantes nacionais envolvendo outros emigrantes dos PALOP, mediante programa negociado, pode ser gratificante.

As políticas no domínio da informação devem ser coerentes com os objectivos. A actividade do Estado deve ser transparente, aberta, incluindo no plano diplomático, e fomentadora de uma informação actual e isenta.

Os portugueses devem ser informados com verdade da situação do país, dos seus problemas, perspectivas e orientações. Dado o envolvimento crescente de Portugal no exterior, a informação de carácter internacional deve ser compaginada com diversas fontes, ser pluralista e isenta. O Estado deve manter estações próprias.

Em face do citado empenhamento exterior justifica-se a existência de um SIEDM eficaz, fiscalizado e sem complexos retrógrados.

Quanto às políticas da área económica e financeira, constituiem prioridade garantir a suficiente capacidade nacional de decisão, implicando o controlo nacional dos comandos económico-financeiros estratégicos do país; promover a regionalização, o crescimento e o desenvolvimento económicos, combatendo as desigualdades sociais e regionais e a desertificação; promover o desenvolvimento das actividades em áreas estratégicas (incluindo nos campos dos transportes marítimos e aéreo, energia, comunicações, etc.); garantir a formação das reservas estratégicas necessárias.

A existência de uma indústria nacional de defesa deve constituir também uma prioridade. Neste quadro, devem ser desenvolvidos os Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (EFFAS), como importantes instrumentos de suporte logístico. Deve ser desenvolvida a indústria de armamento de base, bem como indústrias que apliquem novas tecnologias, especialmente no campo do software e das comunicações, casos em que já existe alguma credibilidade internacional.

As forças armadas, caracterizadas por um propósito eminentemente defensivo, devem garantir a defesa da integridade territorial e contribuir para o reforço da vontade colectiva de defesa contra qualquer ameaça ou agressão externas, no estrito cumprimento da CRP.

As FA devem possuir uma capacidade militar autónoma, credível, dissuasora e que garanta uma capacidade de reforço e intervenção rápida em qualquer área do território nacional.

Os três ramos devem actuar de forma coordenada e complementar, tendo em conta as suas específidades, de forma a garantir a rentabilização do binómio custo/eficácia.

Em tempo de paz, a estruturação e a atribuição de meios e actividades das FA devem ser condizentes com os objectivos e missões centrais que lhe estão confiadas.

Isto significa que devem dispor de um Sistema de Forças Permanente (SFP) capaz de crescer por mobilização, em situação de crise ou agressão iminente. Devem dispor, designadamente, de forças com elevado grau de prontidão, de eficazes sistemas de instrução, logístico, administrativo e de um sistema de mobilização e requisição, no quadro constitucionalmente previsto.

Deverá ser preocupação fundamental a promoção e o desenvolvimento de mecanismos de entrosamento das FA com a juventude e, no quadro da lei, prover, por via do SEN, necessidades das FA.

As FA devem assegurar eficazmente a fiscalização do Espaço Interterritorial, nomeadamente a ZEE. Devem ainda desenvolver actividades complementares de interesse publico que sejam possibilitadas pelos meios de que disponham, nomeadamente em ligação com as estruturas do Planeamento Civil de Emergência e da Protecção Civil.

Em estado de guerra ou de conflito iminente o SFP deverá crescer, por mobilização, para o nível exigido por essa situação.

Neste quadro, o vector militar tornar-se-á prioritário e as FA terão o papel acrescido que lhe for conferido pelas Leis de estado de excepção garantindo, nomeadamente, a liberdade de acção dos orgãos de soberania.

É óbvio que este processo de crescimento tem de partir de uma base suficiente, precisa de dispor de infraestruturas, reservas devidas, de equipamentos, transportes e de ser testado periodicamente.

A colaboração internacional militar portuguesa derivada de compromissos existentes, deve baixar progressivamente de empenhamento, através da reconsideração, do reexame ou da renegociação desses acordos.

Quanto a compromissos militares que possam ser tomados em sistemas de segurança colectiva (ONU e OSCE), eles deverão ser ponderados à luz do rigoroso respeito do direito internacional e dos limites de actuação de qualquer sistema de segurança. Em qualquer caso, esses compromissos não deverão exceder a prestação de facilidades e de apoio logístico-administrativo, a menos que, por motivos excepcionalmente ponderosos, examinados pelo conjunto dos órgãos de soberania competentes, caso a caso e esgotados todos os meios de solução pacífica, seja imprescindível e requerida a participação de forças portuguesas. Nesta eventual situação torna-se imperioso, todavia, acautelar o nível essencial do dispositivo de defesa do território nacional, é necessário preservar o comando directo das forças e salvaguardar a participação nacional nos Estados-Maiores conjuntos, porventura constituídos.

Em tal situação, o acompanhamento político-militar das operações carece de ser estreito, permanente e divulgado à opinião pública.

Idêntica atitude se torna necessário assumir perante eventuais solicitações da ONU, conducentes à manutenção de paz, a apoio humanitário, e dentro do seu quadro exclusivo, caso não haja lugar a forças policiais.

No âmbito dos acordos de cooperação militar com os PALOP, as FA devem colaborar em todas as acções de apoio, integradas na política de cooperação, nomeadamente, a formação, o treino e o apoio ao desenvolvimento da indústria de defesa.


Nota final

A estratégia global do Estado tal como é configurada nas Grandes Opções do CEDN que o PCP apresenta, põe em relevo seis traços que importa agora resumir:

Primeiro, é uma estratégia de matriz nacional, que privilegia os interesses nacionais e os meios nacionais de os prosseguir.

Segundo, é uma estratégia de coesão e solidariedade, que privilegia o fortalecimento da vontade popular por uma maior justiça social e um maior empenhamento cultural.

Terceiro, é uma estratégia de progresso, que privilegia a afirmação de Portugal no Mundo como uma nação em processo de desenvolvimento económico, com uma voz própria nos grandes processos estruturais, tendentes à criação de uma Nova Ordem Económica Internacional.

Quarto, é uma estratégia de amizade, paz e cooperação com todos os povos, que privilegia a solução negociada de conflitos, o diálogo, a acção nas instâncias internacionais, o respeito pelo direito internacional, a caminho da instauração de um novo relacionamento político planetário.

Quinto, Portugal deve aparecer aos olhos do Mundo como uma nação empenhada em defender, de forma coesa e eficaz, a sua soberania e independência nacionais perante qualquer ameaça e agressão externas.

Por isso, é o sexto traço, a estratégia do Estado é uma estratégia de participação de todo o povo, uma estratégia democrática que empenha todos os portugueses na defesa de Portugal.