Utilização da Base das Lages pelas Forças
Armadas dos Estados Unidos para a operação contra o Iraque
Intervenção do deputado João Amaral
2 de Abril de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados:
Apesar de os acontecimentos que justificaram este pedido de debate de urgência
já terem conhecido o seu desfecho há mais de um mês, o PCP entendeu manter o
debate que cinco razões:
Primeiro, porque é necessário que o Governo entenda, de uma vez por todas, que
não pode frustrar o direito constitucional dos grupos parlamentares aos debates
de urgência em tempo útil,. atrasando, como tem feito, a sua realização com
argumentos tirados da "agenda turística" dos membros do Governo.
Segundo, porque os acontecimentos puseram em evidência a questão das autorizações
concedidas aos Estados Unidos para a utilização da Base das Lages para operações
militares, e é necessário que, de uma vez por todas, fique definido o dever
político do Governo trazer os pedidos dos Estados Unidos à Assembleia antes
de ser decidido se a autorização é ou não dada.
Terceiro, porque os acontecimentos trazem à colação uma questão central da política
externa do Governo PS e que é a de saber se ela se pauta pela rigorosa e inalienável
defesa do interesse nacional e pelo critério de uma afirmação própria, ou se
navega nas águas de um seguidismo acrítico.
Quarto, porque na sequência, é necessário saber como está o Governo português
a defender os interesses de Portugal na zona do Próximo e Médio Oriente e concretamente
no Iraque.
Quinto, porque é necessário que seja explicada qual é a posição portuguesa acerca
da eficácia de um embargo que, até ver, sacrificou crianças e pessoas indefesas,
mas manteve intocado o regime iraquiano, e a ditadura pessoal de Saddam Hussein.
Comecemos pela questão dos debates de urgência. A revisão constitucional de
1997 aditou uma alínea ao artigo 180º, com a seguinte redacção: "Constituem
direitos dos grupos parlamentares (...) alínea c) Provocar, com a presença do
governo, o debate de questões de interesse público actual e urgente".
Isto não está na Constituição para depois o Governo, quando o debate é solicitado,
responder que tem os Ministros espalhados pelo mundo e sem disponibilidade para
vir aqui à Assembleia.
Se o Ministro Jaime Gama teve tempo para receber o funcionário americano que
veio a Lisboa trazer os recados do sr. Clinton e da sra. Albright (que não se
deu ao incómodo de fazer escala em Portugal), por que é que não teve tempo para
vir logo a seguir à Assembleia, mesmo sem ser preciso este pedido de debate
de urgência? E depois de este pedido feito, como justifica o Governo o atraso
na comparência?
Tem que ficar aqui claro que o Governo tem deveres constitucionais perante a
Assembleia da República e tem que os cumprir, com diligência e em tempo útil.
A minha primeira pergunta é a seguinte: vai o Governo respeitar a Assembleia
e cumprir os seus deveres constitucionais?
A segunda questão é a da intervenção da Assembleia nestes processos. Apresentamos
ontem na Mesa da Assembleia um projecto de resolução. A sua filosofia é a de
estabelecer a prática de que quando é aplicada a disposição do Tratado com os
Estados Unidos que permite a utilização da Base das Lages, o Governo venha antes
disso às 2ª e 3ª Comissões Parlamentares, de Negócios Estrangeiros e Defesa
Nacional.
Neste caso da operação americana contra o Iraque, nem era uma operação NATO,
nem havia resolução da ONU que lhe desse cobertura. Logo, nos termos do acordo,
era necessária autorização prévia.
A autorização envolve Portugal num potencial conflito armado, com decisões que,
no desenvolvimento do processo, não são da competência do Governo, mas sim do
Presidente da República, Assembleia da República e Conselho Superior de Defesa
Nacional.
O Governo não pode invocar o seu programa, em matéria que o transcende e que
não podia estar prevista na altura da sua passagem aqui na Assembleia. Não pode
dizer que, sendo a decisão da sua competência, a Assembleia lhe é estranha.
Por todas as razões constitucionais e políticas, o Governo tem o dever de informação
prévia à Assembleia sobre os pedidos de utilização.
A minha segunda pergunta, dirijo-a ao Governo e às diferentes bancadas, é se
acham ou não justa e adequada a resolução que propomos à aprovação?
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
Quanto ao fundo da questão, a autorização concedida aos Estados Unidos, a nossa
posição é a de que ela não se adequou às resoluções da ONU e ao direito internacional,
não defende os interesses nacionais e não contribuiu para uma afirmação própria
da política externa portuguesa.
Muitos países do Mundo se manifestarem contra a posição americana. Por exemplo,
a França e a Itália. E em Espanha, quando o Primeiro Ministro Aznar declarou
a intenção de ceder a base de Morón, o PSOE protestou vivamente. Também se opuseram
a Federação Russa, a China. Até a Turquia se opôs à cedência da base Incirlik.
E o Socialista Jack Lang, Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da
Assembleia Nacional Francesa declarou : "nenhum País, por mais poderoso
que seja, se pode arrogar o direito de decidir sanções sobre o Iraque".
Passadas cinco semanas desde o acordo assinado por Koffi Anan, pergunto ao sr.
Ministro dos Negócios Estrangeiros, e é a minha terceira pergunta: afinal, quantas
armas químicas, bacteriológicas ou nucleares foram encontradas no Iraque? Que
tenha sido dito, nem um pulverizador de DDT, que, como se sabe, está proibido.
Mas, eu sei onde há imensos arsenais de armas químicas, bacteriológicas e nucleares.
É nos Estados Unidos, sr. Ministro. Os Estados Unidos não foram um dos países
que se opuseram à assinatura de um Pacto para a Eliminação das Minas Antipessoais,
uma das armas mais repelentes da História?
Esta intervenção militar no Iraque, como os bombardeamentos de há dois anos,
ficam como a marca da arrogância e despudor da superpotência única, e que hoje
marcam o Mundo.
Foram os Estados Unidos que na guerra do Golfo quiseram que Saddam Hussein continuasse
no poder. E agora? Querem realmente derrubar o ditador? Ou queriam experimentar
a mais recente geração de armas inteligentes?
Portugal não se pode portar nesta situação como se não tivesse interesses próprios
e voz própria. O comportamento ligeiro e acrítico do Governo é totalmente inaceitável
para um país que, ainda por cima, é membro do Conselho de Segurança da ONU.
Faço aqui, no que respeita aos interesses de Portugal, uma outra pergunta ao
Governo. Países como França, Itália, Grécia, Espanha mantêm activas e empenhadas
as suas embaixadas no Iraque. Por exemplo, a embaixada italiana serve de plataforma
para empresas como a Telecom italiana e a AGIP dos petróleos. Até os Estados
Unidos, têm os interesses representados pela Polónia! E Portugal, é a minha
quarta pergunta: porque é que tem a embaixada paralisada? Porque é que foram
paralisados os contratos da Petrogal? O que é que o Governo acha? Não vê que
vão ser as empresas portuguesas - e muitas operaram na zona - que vão pagar
o alinhamento americano de Portugal?
Felizmente para o sr. Ministro, ele não teve de enfrentar uma plateia como fez
a sr. Albright, que exibiu ao mundo inteiro a cara de quem é apanhada em falta,
sem explicações e sem resposta. A realidade é que, tal como a opinião pública
portuguesa, também a americana não aceitava a lógica militar e intervencionista
das autoridades americanas.
A guerra no Iraque mantém-se latente ao longo destes anos, tal como os Estados
Unidos a quiseram.
O embargo que se vem arrastando não abalou um centímetro o regime iraquiano,
nem Saddam Hussein; não deu qualquer credibilidade à oposição, seja à pró-americana,
seja à fundamentalista, sejam aos movimentos curdos, seja à de esquerda e comunista.
Não mudou nada na zona. A única consequência do embargo, foi a miséria e a morte
dos mais desprotegidos: crianças, velhos e doentes. É um embargo que na prática
tem dizimado os inocentes, e que tem condenações de muito lado, incluindo da
Igreja católica.
A minha quinta pergunta ao Governo, é a seguinte: não acha que deve ser proposto
o termo do embargo, tanto mais que agora é a própria ONU a certificar com a
sua assinatura o cumprimento pelo Iraque das resoluções da ONU?
Não é altura de dizer basta?
A evolução deste caso trouxe uma novidade, cujo alcance estamos muito longe
de poder avaliar. Trata-se, de facto, de o processo militar do ataque americano
contra o Iraque ter sido paralisado por um acordo celebrado entre Koffi Annan
e Tarek Aziz, pelas Nações Unidas e pelo Iraque. As reacções de desagrado que
dirigentes americanos ainda tiveram não deixam margem para dúvida: os Estados
Unidos não queriam fiscalização, nem acordo, nem cumprimento de resoluções da
ONU, queriam guerra.
Se a não fizeram, isso deve-se à posição de vários países, à pressão de uma
relevante opinião pública mundial, até à oposição da opinião pública americana.
Fez mais contra a guerra aquele cidadão americana que interpelou frontalmente,
no debate no Ohio, a sra. Albright, de que todo o governo português.
Que este debate sirva para o Governo meter a mão na consciência e começar a
pensar na defesa dos interesses nacionais!
Disse.