Declaração Política sobre política de
Defesa Nacional
Intervenção do deputado João Amaral
3 Março de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Quando o PCP decidiu trazer ao plenário da Assembleia da República as questões
da Política de Defesa Nacional fê-lo, por dois factos recentes, que, com valor
desigual, exigiam a intervenção e debate deste órgão de soberania. Tratava-se
do incidente em que foi envolvido o Presidente da República e Comandante Supremo
das Forças Armadas a propósito do processo de nomeação do Chefe de Estado da
Força Aérea e em segundo lugar dos critérios que presidiram à organização pelo
Instituto de Defesa Nacional de um Seminário sobre Segurança, Defesa e Profissionalização
das Forças Armadas.
Quanto à primeira questão, já há uma semana que veio nos jornais que o Chefe
do Estado Maior General das Forças Armadas entendendo que deveria ser ouvido
directamente pelo Presidente da República sobre a nomeação do Chefe Maior da
Força Aérea, e depois de duas insistências junto da Presidência da República,
cujo entendimento era de que essa audição era legalmente feita ao nível do Governo,
resolveu escrever uma carta directamente ao Presidente da República, o que levou
o Presidente a decidir devolvê-la à procedência, dando do facto conhecimento
ao Primeiro Ministro.
Esta situação era tão obviamente grave que é inacreditável que o Governo tenha
demorado dois meses para reagir. Pergunto: a atitude do Presidente da República
não tinha evidentes e óbvias consequências no plano da confiança do Presidente
no Chefe do Estado Maior General ? Então o Presidente da República devolve uma
carta a uma entidade como o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas,
dá disso conhecimento ao Governo, e este deixa andar ?
Esta era uma situação inaceitável, como inaceitáveis foram os comentários que
o Ministro da Defesa Nacional fez sobre o assunto já depois deter vindo a público
toda a história.
Como vem transcrito no JN ( e não foi desmentido) disse o Ministro que o "
assunto está encerrado" e que o CEMGFA tem a confiança de todo o poder
político", isto é, do Governo e do Presidente da República, que são os
órgãos de soberania de cuja confiança o CEMGA depende.
É inaceitável que o Ministro da Defesa se tenha arrogado o direito de falar
em nome do Presidente da República. Se a Presidência, no comunicado que emitiu
sobre a notícia do JN, não diz que o assunto está encerrado, e não se pronuncia
sobre a questão da confiança, como poderia o Ministro fazê-lo? E como poderia
fazê-lo sabendo de todos os contornos do incidente?
Será que o Ministro da Defesa não conhece a Constituição da República e a repartição
de poderes que ela define? Parece que faz uma leitura anacrónica da Constituição
...
Recordo a proposta feita à Comissão Parlamentar de Defesa Nacional para esta
integrar, com elementos do Ministério da Defesa Nacional, um grupo de trabalho
que analisasse e elaborasse um livro sobre questões de defesa nacional, proposta
que punha a Comissão Parlamentar ao nível das assessorias do Ministro.
Recordo também, a notícia sobre a surpresa que causou na Presidência da República
o estar a ser publicamente veiculado que o Presidente da República iria assinar
o diploma de recondução do Chefe do Estado Maior da Força Aérea, isto quando
nem a proposta governamental tinha ainda dado entrada nos serviços da Presidência.
O Presidente da República tem os seus poderes claramente definidos na Constituição
e não é aceitável que qualquer Ministro, ainda por cima o de uma pasta como
a da Defesa Nacional, ignore esses poderes. Os tempos mudaram: o Presidente
da República da Constituição de 1976 não é um corta-fitas, nem uma espécie de
Américo Thomaz!
Perante um comportamento como o que teve o actual Ministro num caso como este,
O Primeiro Ministro não pode permanecer indiferente.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
A realidade é que o sector da defesa nacional está doente, profundamente doente,
e, pelo que se viu ao longo destes dois anos e meio, não se vislumbram melhoras
possíveis.
A política de defesa nacional e as Forças Armadas é verdadeiramente
um fiasco.
Olhando para o Programa do Governo, pode afirmar-se que nada de significativo
foi cumprido. É a política dos seis zeros. Zero
na revisão do conceito estratégico de defesa nacional, onde, apesar das mudanças
dos últimos anos, incluindo a Declaração de Madrid da OTAN sobre a segurança
e cooperação euro-atlântica, continua em vigor o CEDN aprovado pelo Ministro
Fernando Nogueira; zero na reestruturação das Forças Armadas,
onde tudo está na mesma, salvo a cada vez maior penúria; zero
na revisão da legislação, incluindo a revisão da lei de Defesa, a nova legislação
sobre justiça e disciplina, a legislação sobre condição militar e direitos dos
militares; zero em matéria de grandes opções de reequipamento,
com a terceira lei de programação militar atrasada, com indecisões contínuas,
anulações e recuos de toda a ordem; zero na revisão e dignificação
das carreiras militares, expressamente prometida no programa do Governo; zero
na reestruturação do sistema de Autoridade Marítima, peça fundamental para o
controlo e gestão das áreas marítimas que integram a nossa soberania e onde
temos interesse exclusivo.
O que é que tem feito o Ministério da Defesa Nacional durante os dois anos do
ex-Ministro António Vitorino e nestes meses do Ministro Veiga Simão ? Reflexão,
debate, livro branco, comunicado de imprensa e novamente reflexão. Em vez de
iniciativa, reforma e decisão, o Ministro, este como o anterior, faz visitas
e declarações para a imprensa.
O caso do Sistema de Autoridade Marítima é exemplar. Em Novembro de 1996, foi
criado um grupo de trabalho para estudar a reformulação e reestruturação do
SAM. Está no Diário da República!
O grupo de trabalho tinha quatro meses para apresentar o seu trabalho. Pois
catorze meses depois, na mediática reunião do Governo sobre os mares, lá está
outra vez a decisão de encarregar o mesmo grupo de trabalho de apresentar as
mesmas propostas. Conversa não falta!
Hoje mesmo será apresentado à Comissão de Defesa mais um papel - um livro branco.
Lá estaremos na Comissão, como é nosso direito como partido político representado
na Assembleia da República.
O mesmo não sucederá no Seminário ( mais um Seminário !) que estes dias o Instituto
de Defesa Nacional organiza sobre o tema "Segurança, Defesa e Profissionalização
das Forças Armadas". Pela simples razão de que essa instituição dependente
do Sr. Ministro da Defesa Nacional entendeu discriminar o PCP do painel de oradores
e moderadores.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional não tem esse direito, de discriminar qualquer
das forças políticas representadas na Assembleia da República.
Mas nós temos o direito de dizer daqui ao Primeiro Ministro que é sua responsabilidade
que um sector como este da Defesa Nacional, um sector que deve congregar todos
os portugueses esteja a ser gerido sem respeito pelas competências dos outros
órgãos de soberania, sem verdadeiramente uma política em execução, e com a discriminação
de forças políticas representadas na Assembleia.
A responsabilidade é sua, Sr. Primeiro Ministro, dizem que da sua lista pessoal
de telefones, e, inquestionavelmente, da sua decisão política.