Declaração política sobre a situação
dos militares portugueses no Kosovo
Intervenção do Deputado João Amaral
3 de Janeiro de 2001
Sr. Presidente,
Srs. Deputados
Afinal, como muitos por todo o Mundo avisaram e denunciaram (incluindo aqui
em Portugal e até aqui nesta Assembleia da República), a guerra
da NATO contra a Jugoslávia não foi cirúrgica, não
foi humanitária, não preveniu as consequências danosas sobre
as populações civis, nem sequer (por cúmulo!) consegue,
nem neste momento ainda, afirmar uma inequívoca garantia de que essas
consequências danosas não recaíram também sobre os
militares da força da NATO invasora do território jugoslavo, incluindo
sobre os militares portugueses que o Governo para lá enviou.
O caso do uso do urânio empobrecido não foi um caso isolado no
uso de material bélico cujas consequências danosas para o Ser Humano
(e já agora, para o meio ambiente) não estão devidamente
identificadas. Por exemplo: o que é que o Governo português aqui
pode dizer (mas com rigor, meus Senhores!) sobre as consequências das
bombas de grafite? E o que é que o Governo português sabe realmente
sobre as doenças verificadas em militares americanos que participaram
na Guerra do Golfo em acções no terreno?
O exercício de cinismo e hipocrisia que rodeou a guerra movida pelos
países da NATO (particularmente pelos Estados Unidos) contra a Jugoslávia
está agora mais à vista.
Há uma coisa que o Governo português já não consegue
apagar. Diga agora o que disser, o Governo já provou que não tem
meios para garantir à opinião pública nacional que o uso
militar do urânio empobrecido não pode provocar situações
de doença e lesões capazes de inclusivamente causar a morte.
Se o Governo não o conseguiu fazer sequer em relação à
situação que se vive hoje nas áreas bombardeadas com o
urânio empobrecido, como é que o pode fazer em relação
à situação encontrada no terreno no momento em que as tropas
portuguesas entraram no Kosovo?
Se o Governo não conseguiu responder aos angustiados apelos da família
do malogrado Cabo Hugo Paulino, como é que o conseguirá fazer
quando a opinião pública perguntar quais as consequências
desse material bélico radioactivo sobre a população kosovar,
seja a de origem sérvia ou de origem albanesa, sejam militares/combatentes
ou população civil, incluindo mulheres, idosos ou crianças?
Das duas, uma. Ou o Governo sabia destes riscos, e então incorreu numa
gravíssima responsabilidade que terá de pagar por inteiro (incluindo
por não ter informado esta Assembleia e o país e, pior ainda,
por não ter informado os militares que mandou para o Kosovo); ou a NATO
reservou essa informação e então cabe perguntar que Organização,
e que triste papel faz então nela um país como Portugal, que se
queira soberano e digno de respeito!
No processo que se abriu no país com o falecimento do Cabo Paulino, as
responsabilidades fulcrais são do poder político, a começar
pelo Governo, continuando pelo Conselho Superior de Defesa Nacional presidido
pelo Presidente da República e terminando em todas as forças políticas
que deram um cheque em branco para que Portugal interviesse naquela guerra.
O Sr. Chefe do Estado Maior do Exército resolveu meter-se na questão
com afirmações inadequadas e inaceitáveis que o põem
em cheque.(Embora deva dizer-se que é de assinalar que o Senhor General
venha lembrar os mecanismos de guerra psicológica e comunicacional, foi
precisamente com esses meios que foi preparada, montada, justificada e executada
pela NATO e pela CNN e orgãos congéneres a guerra contra a Jugoslávia)
Mas, depois das declarações que fez, a família e o país
não entenderiam que um alta figura militar, com os preconceitos e ideias
feitas que o Sr. General Martins Barrento demonstrou, pudesse continuar a manter
as altas responsabilidades que detém incluindo na condução
do processo relativo à análise da situação dos militares
portugueses no Kosovo.
Mas, haja modos! A responsabilidade política é do Governo, particularmente
do Primeiro Ministro e do Ministro da Defesa Nacional. Não pensem transformar
o Chefe do Estado Maior do Exército no bode expiatório das suas
próprias culpas!
Foi o Dr. Castro Caldas quem disse respondendo ao pai do Cabo Paulino que não
havia nada, isto é, não havia aquilo que agora manda investigar.
Foi preciso que viessem os alertas da Bélgica e da Itália para
o Ministro que nos calhou ter finalmente um baque de alma. Foi preciso a Espanha
ter mandado fazer o rastreio da situação de todos os militares
espanhóis para que o Governo percebesse que não podia adiar isso
mais tempo.
Ao alertas sobre o urânio empobrecido (que por ser "pobre" não
deixa de ser radioactivo) foram dados há muito tempo, não são
de agora. Vieram nos jornais e foram objecto de vivas chamadas de atenção
da parte de associações de militares. Que fez o Governo? Nada!
Mas houve quem fizesse. É ou não um facto que os militares holandeses
tinham protecção contra radioactividade? Perante essa informação,
que fez o Governo: ignorou-a ou escondeu-a? Qual é a real responsabilidade
do Governo na ausência de medidas de protecção das tropas
portuguesas contra estes riscos, mesmo que eles sejam só de concretização
eventual?
O espectáculo que os órgãos do Estado dão sobre
a questão da demissão do General Barrento é um espectáculo
degradante e desprestigiante para o visado e para as Forças Armadas.
O Ministro das Forças Armadas tem o desplante de usar à saída
do máximo órgão da estrutura político-militar uma
frase do baixo jargão anti-militarista. Tenta entalar o Presidente da
República naquilo que são as responsabilidades dele, Ministro.
Já se esqueceram das alterações governamentalizadoras que
fizeram ao processo de nomeação das chefias militares para recolherem
para o Governo o poder de porpositura retirando-o às Forças Armadas?
O decoro, o interesse nacional, a defesa da saúde dos militares portugueses
e a resposta devida ao pai do Cabo Paulino exigem que acabe esta indigna discussão
pública e este vergonhosos esquemas de passa-culpas.
Verdadeiramente essenciais e urgentes são duas medidas:
Primeira, o completo apuramento por entidades independentes
de tudo o que se passa com as munições de urânio enriquecido
e suas consequências imediatas e a médio e longo prazo, bem como
o conhecimento de tudo o que se passou no terreno, não só agora
mas desde o início dos bombardeamentos e desde o momento em que o s portugueses
entraram no Kosovo;
Segunda, a saída imediata dos militares portugueses do Kosovo, não
só por posição ao conteúdo político dessa
presença e ao papel da NATO, mas como medida de precaução
insubstituível para garantia de que não haverá mais danos
para a sus saúde para além daqueles que já sofreram.
E, se há quem deva ser demitido, que se comece pelo Ministro da Defesa
Nacional, porque não cumpriu o que se exige de um Ministro de um Governo
de Portugal.
Disse.