Protecção dos animais
Intervenção do deputado António Filipe
17 de Março de 1999
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Quando em 1995, aqui debatemos nesta Assembleia o projecto de lei que deu origem
à actual Lei n.º 92/95 de 12 de Setembro, sobre protecção aos animais, foi afirmado,
em nome do Grupo Parlamentar do PCP, que entendemos ser importante produzir
legislação sobre esta matéria.
E afirmámos: " Não vivemos numa sociedade sem regras e sem princípios. Existe
entre todos nós, de uma forma muito alargada, a consciência de que os animais
não devem ser maltratados. Todos nós temos filhos que prezam, na forma como
estão nas escolas, esse valor de não maltratar os animais; todos nós temos o
cuidado e o gosto, na forma como os educamos, de lhes ensinar exactamente isso,
mas isso pode não chegar para situações extremas e, portanto, é necessário uma
legislação, sem nos esquecermos de uma questão essencial: As leis devem abrir
caminho às transformações mas têm de se basear no património cultural de um
determinado povo, não podem ser alienistas, não podem ser estranhas aos próprios
sentimentos."
É exactamente com essa postura que hoje aqui nos apresentamos. A de procurar
contribuir, com toda a seriedade, sem demagogias e sem qualquer sombra de hipocrisia,
para aperfeiçoar os dispositivos legais relativos à protecção dos animais.
Se comecei por me referir à nossa intervenção em 1995, fi-lo propositadamente
para lembrar que este debate não parte do zero. Existe em Portugal uma lei sobre
a protecção dos animais aprovada há três anos e meio, por unanimidade. Tem insuficiências
por todos reconhecidas que importa superar, designadamente quanto à inexistência
de sanções para a sua violação. Mas a sua existência não permite sustentar o
discurso, que com relativa frequência se ouve, de que não existe em Portugal
qualquer legislação que defenda os animais.
Tal como aconteceu certamente com todos os senhores deputados, recebemos mensagens
de muitos cidadãos apelando à aprovação de uma lei de defesa dos animais. Tomamos
em devida conta todos esses apelos e congratulamo-nos com a atenção com que
a opinião pública segue este debate. Mas também entendemos que não se valoriza
este debate, desvalorizando o que a Assembleia da República já legislou e os
passos que já foram dados em matéria de protecção aos animais.
Entendemos também que num debate sobre esta matéria, pouco adianta ao esclarecimento
público do que está verdadeiramente em causa, se todos nos ficarmos por meras
proclamações da nossa convicção de que é necessário proteger os animais. Se
perguntar-mos a cada um dos nossos concidadãos, se considera ou não importante
a aprovação de uma lei que proteja os animais, seguramente que só encontraremos
respostas positivas.
Só que o processo legislativo em que estamos empenhados exige respostas que
não se compadecem com tamanha simplicidade. Temos para apreciação três iniciativas
legislativas diferentes. Todas assumem o propósito da protecção aos animais,
e são de saudar por isso. Mas o que a Assembleia da República é chamada a decidir
não são apenas propósitos vagos, mas projectos concretos. E é sobre o conteúdo
concreto de cada projecto que teremos de tomar posição.
Tal como em 1995, pensamos que a legislação sobre a protecção dos animais não
deve ser um instrumento de divisão dos portugueses, mas deve antes corresponder
ao consenso que seja possível encontrar na sociedade portuguesa, tendo em conta
a diversidade de tradições culturais que nos identificam enquanto povo. Queremos
uma legislação socialmente aceite, não queremos um instrumento legal que uns
portugueses possam arremessar contra os outros.
Constitui para nós uma evidência que a legislação de 1995 carece de ser actualizada.
Desde logo através da adopção de um real regime sancionatório face à sua eventual
violação. A legislação vigente deixou essa questão dependente de legislação
especial que nunca foi feita, mas que pode e deve ser feita, agora. De nada
nos serve voltar a dizer que esta questão fica para regulamentação ou que lhe
deve ser aplicado o regime do ilícito de mera ordenação social, porque para
que tal regime seja aplicado é necessário que as coimas aplicáveis sejam concretamente
fixadas.
Por outro lado, importa transpor para a legislação nacional o que foi entretanto
adquirido a nível comunitário e o que é já objecto de convenções internacionais.
E que não é pouco. O preâmbulo de alguns projectos de lei e os relatórios hoje
aprovados na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
referem designadamente as Convenções Europeias para protecção de animais de
abate, para a protecção de animais em locais de criação, para a protecção de
animais em transporte internacional, para a protecção de animais de companhias
e para a protecção de animais vertebrados utilizados para fins instrumentais
e outros fins científicos. Bem como as directivas comunitárias sobre protecção
dos animais em transportes internacionais, sobre protecção dos animais durante
o transporte, sobre o atordoamento de animais de produção, sobre a protecção
de animais no abate e ocisão e sobre a protecção de animais utilizados para
fins experimentais e outros fins científicos.
Como se afirma no preâmbulo do projecto de lei apresentado pelo grupo parlamentar
do PEV, é evidente a urgência da aprovação de uma lei que crie as bases para
a regulamentação das variadíssimos aspectos que esta problemática envolve, servindo
ao mesmo tempo como estímulo para a modificação dos nossos comportamentos individuais
e colectivos, que são muitas vezes causa de injustificados sofrimentos às outras
espécies que connosco asseguram a continuidade da vida.
Mas é para nós fundamental que fique claro que não estamos neste processo animados
de qualquer espírito proibicionista em relação a manifestações culturais ancestrais
que, na sua diversidade, nos identificam como povo, ligadas quer à prática da
caça, quer a diversas festividades e espectáculos que envolvem animais.
Pela nossa parte tudo faremos para que o debate a realizar em Comissão, em torno
destas iniciativas legislativas, decorra com seriedade, proceda ao necessário
aprofundamento de todas as questões suscitadas, ouvindo todas as entidades que
tenham contributos sérios a dar, e equacione os problemas sem fundamentalismos
de qualquer natureza.
Estamos certos que em matéria de protecção dos animais é possível e necessário
progredir e melhorar a legislação existente, desde que esse debate seja feito
com sensatez. É este o apelo que fazemos. Se todos os grupos parlamentares encararem
este debate com este espírito, podem seguramente contar connosco. E haverá,
nesse caso, razões para confiar que esta legislatura trará um novo progresso
em matéria de protecção aos animais.
Disse.