Debate de urgência sobre "Porto 2001 Capital da Cultura"
Intervenção do deputado João Amaral
18 de Novembro de 1999

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro da Cultura:

Este debate devia ocorrer permitindo em condições de igualdade ouvir o Dr. Artur Santos Silva e o Presidente da Câmara do Porto - e outras entidades. O modelo certo deve, por isso, ser o da audição parlamentar, pública como é evidente, audição que o PCP já solicitou e que é urgente concretizar.

Aqui, nesta iniciativa do PP, temos a figura solitária do sr. Ministro da Cultura e é só com ele que teremos de realizar este debate.

E há um outro grande ausente, ausente aqui e em toda esta crise. Esse outro ausente chama-se António Guterres e é o Primeiro Ministro, responsável pelo Governo, e portanto responsável superior pelas medidas necessárias à viabilização do processo do Porto 2001. É absolutamente inaceitável que o Primeiro Ministro não tenha dado a cara, não tenha tido uma palavra de apreço pelo Dr. Artur Santos Silva e pela sua equipa e não tenha assumido uma quota de responsabilidade, quanto mais não fosse na resposta a esta grave situação de crise. Será que já não temos Primeiro Ministro?

O que está em questão e em perigo não é de somenos. É uma relevante realização de interesse nacional e de particular interesse para o Porto. O Porto 2001 é um acontecimento com várias vertentes (incluindo as vertentes de organização de um conjunto coerente de eventos culturais, de mobilização da população para a cultura, de requalificação urbana e de dinamização económica das zonas históricas e ribeirinha, de promoção global da cidade e do País, todas vertentes indissociáveis no modelo definido no quadro do lançamento da Sociedade 2001, e que os parceiros e os accionistas, Governo e Município, assumiram como tal.

Com a demissão do Dr. Artur Santos Silva e dos membros da Comissão Executiva, incluindo a Dra. Manuela de Melo, além de vários membros do Conselho, como António Barreto, Miguel Veiga, Valente de Oliveira e Rui Vilar, e face ao conhecimento público das razões da crise, o problema central, neste debate com o Ministro da Cultura, não é o de fazer um debate de acusações personalizadas. A importância do Porto 2001 exige outro plano para o debate.

A questão é saber se este Ministro da Cultura provou nestes meses oferecer garantias de efectivo apoio ao projecto tal como ele está desenhado. Mais precisamente, se com a sua subsistência como Ministro da Cultura o processo tem condições para prosseguir com êxito.

A que é que assistimos? Sublinho quatro notas.

Este crise mostra um autoritarismo e uma veia dirigista, tanto mais surpreendente quando vindas de um Governo que tanto se reclama do diálogo com a chamada “sociedade civil”. Onde está afinal a capacidade para apoiar o trabalho independente, de personalidade de reconhecido mérito? Se não reconhecia mérito ao Dr. Santos Silva nem concordava com as suas propostas, incluindo método de trabalho, então por que o nomeou o Governo para estas funções? Por que encarregou da tutela uma personalidade assumidamente discordante? Esta é uma responsabilidade do Governo. Mas é uma responsabilidade especial do Ministro, que aceitou o encargo da tutela.

É bom que o PS diga: as personalidades da “sociedade civil” só lhes é possível trabalharem na linha da dependência hierárquica e na submissão aos altíssimos chefes? É esta a nova cultura da maioria? É esta a cultura do Ministro da Cultura?

Outra questão é o relacionamento com o Porto como cidade e sociedade. O que é a tutela da Sociedade Porto 2001? É a rédea curta? Não pode ser. Mas tudo mostra que é isso que o Ministro da Cultura entende e quer. O Porto como cidade e sociedade já está na idade adulta, sr. Ministro da Cultura!

O Ministro, o Governo, tem responsabilidades no processo, mas a forma de as exercer é o quadro de uma tutela de apoio e não de ingerência. Alguém aceitaria que nos seus anos de governo, o dr. Santana Lopes tivesse para com o dr. Vítor Constâncio e com Lisboa o comportamento que o actual Ministro da Cultura teve como o Dr. Artur Santos Silva e com o Porto?

A terceira questão é a da lealdade institucional. É sabido que há quem discorde das opções feitas pela Sociedade 2001. É um direito. Agora o Ministro da Cultura não pode fazer grupinho com as vozes discordantes, por muita qualidade que tenham, porque isso representa um atropelo à realidade institucional, tal como foi formada. Pode fazê-lo com a coluna jornalística do dr. Eduardo Prado Coelho, mas não com instituições radicadas no Porto, procurando atirar uma contra outras.

O Ministro poderá concordar com Ricardo Pais, que pessoalmente conheço há muitos anos e por quem tenho consideração. Mas, como Ministro, não pode colocar considerações pessoais acima dos deveres institucionais e tinha para com a Sociedade Porto 2001. Não pode ser o poder de Governo, que o Ministro representa, a ser a causa do desgoverno dos compromissos assumidos. Porque é que o senhor não apoia decididamente a requalificação da cidade como projecto de cultura, nos moldes em que está concebido? Porque é que não foram cumpridos os compromissos quanto à devolução do IVA? Porque é que não há um quadro claros dos apoios financeiros? Porque é que foram desviadas para outras instituições verbas que era compromisso serem entregues à Sociedade 2001?

Porque é que vem com a velha cantilena de que já há dinheiro a mais para o Porto? Acha mesmo isso, sr. Ministro da Cultura do Governo de Portugal?

A quarta questão é a das responsabilidades. Espantosamente, o Ministro decidiu endereçar à Câmara Municipal do Porto a inteira e exclusiva responsabilidade de indicar o nome de substituição do Dr. Artur Santos Silva. A solução para estas situação não é a municipalização do processo. O Ministro demitiu-se de responsabilidades, por isso agora deveria demitir-se do cargo de Ministro.

Por todos os contenciosos e erros acumulados, a melhor saída para garantir condições de sucesso ao Porto 2001 seria a saída do Ministro da Cultura.

Disse.