Petição nº 50/VII, a propósito do programa da RTP parodiando a "Última Ceia
de Cristo"
Intervenção do deputado António Filipe
10 de Novembro de 1999
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira consideração que gostaria de fazer
diz respeito não só a esta petição como a outras.
Esta petição deu entrada na Assembleia, em Julho de 1996. Estamos em Outubro de 1999 e tal deveria constituir um elemento de reflexão. É que os cidadãos que, por qualquer razão, entendem dever dirigir-se à Assembleia da República, usando o direito de petição, esperariam, legitimamente, que a Assembleia da República se pronunciasse com mais celeridade sobre as suas reivindicações ou pretensões.
Ora, estando nós no início de uma legislatura, creio que é a altura adequada para reflectirmos sobre a forma como esta Assembleia tem respondido a estas solicitações dos cidadãos e para corrigirmos esta prática no sentido de fazer um esforço para que a Assembleia se pronuncie de forma mais célere sobre as petições que lhe são apresentadas pelos cidadãos. Pela nossa parte, manifestamos total disponibilidade para tomar iniciativas e discutir esta questão muito seriamente, por forma a corrigir a actual prática.
Estamos perante o direito, legítimo, de petição exercido por numerosos cidadãos que, segundo dizem, se sentem ofendidos nas suas convicções religiosas e protestam por esse facto junto da Assembleia da República, chamando, também, a atenção para o facto de que outros símbolos podem ser ofendidos por práticas semelhantes, designadamente a Pátria, as Forças Armadas, os próprios órgãos de soberania. Pedem à Assembleia da República que reflicta e tome medidas relativamente a esta situação, mas não propõem qualquer medida em concreto, deixando isso à nossa reflexão.
Importa dizer, antes de mais, que não está em causa a liberdade de religião e de culto. Nada há que seja apontado como constituindo violação a tais liberdades nem à liberdade de consciência. O que está em causa é uma eventual ofensa a sentimentos religiosos de alguns cidadãos; o que está em causa é não só a liberdade de expressão, através da comunicação social, mas também a liberdade de criação artística e a possibilidade da sua expressão.
Há que dizer, com frontalidade, isto: não peçam a nossa contribuição para estabelecer limitações por via legislativa à liberdade de expressão, através da comunicação social, ou à liberdade de criação cultural. Desde logo, porque essas limitações legislativas seriam evidente e flagrantemente inconstitucionais, mas também porque limitações desse tipo por via legal remeter-nos-ia para um passado a que nós não queremos, de maneira nenhuma, regressar.
Dir-se-á: então, não há limites para o exercício desses direitos quando exercidos
através da comunicação social? Evidentemente que há. Há limites e eles são,
desde logo, a violação de outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados,
particularmente se estiver em causa a prática de qualquer ilícito criminal.
O Sr. José Saraiva (PS): — Não é o caso!
O Orador: — Mas há, no nosso regime democrático, formas de reagir legitimamente
a essa eventualidade: há uma entidade reguladora para o sector da comunicação
social e há os tribunais aos quais incumbe tutelar os direitos fundamentais
dos cidadãos e reagir perante qualquer situação de ilícito criminal.
Os peticionários, tanto quanto nos é dado saber, não recorreram a essas instâncias certamente por entenderem que esta matéria não tinha relevância criminal. Os peticionários não recorreram aos tribunais, não o invocaram, solicitaram-nos uma reflexão, e é o que estamos a fazer.
Para terminar, quero dizer que estivemos presentes na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias onde foi discutido o relatório elaborado pelo Sr. Deputado António Reis, votámo-lo favoravelmente e queremos reafirmar que, do nosso ponto de vista, o relatório está muito bem elaborado, pelo que felicitamos o relator por isso e compartilhamos as considerações que nele são feitas.