Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
Queria começar por saudar os representantes da população de Barrancos que assistem
hoje aos nossos trabalhos e que esperam legitimamente que a Assembleia da República
lhes reconheça e faça justiça aos seus anseios e aspirações, que a Assembleia
da República reconheça que as festas anuais de Agosto, vivência colectiva de
toda a população se possam realizar em paz e tranquilidade em toda a sua expressão,
de usos e costumes nunca até aqui interrompidos.
Festas essas de cariz popular e religioso, pois são em honra da sua padroeira
Nossa Senhora da Conceição de Barrancos e que têm o seu ponto alto com uma corrida
de touros à espanhola levada a efeito na praça central da Vila, que serve de
praça de touros (nesta ocasião), e que culmina com a morte do touro na arena.
A praça central da vila de Barrancos é desde sempre o local das festas colectivas
de Barrancos, é ali que decorre o Natal Comunitário, passado à volta de uma
enorme fogueira, onde a população se diverte, confraterniza, convive e compartilha
das mesmas tradições seculares bem enraizadas no povo e que são o seu maior
património.
Têm também património edificado e que pretendem a todo o tempo, através da sua
autarquia, defender.
O Castelo de Noudar é um desses monumentos que se perde na memória dos tempos,
e que só a força e determinação da população e da sua autarquia, tem feito com
que se preserve. Está em vias de ser recuperado, para fruição de toda a sua
gente e aos que quiserem ali demandar.
É um património, é um legado de gerações, que se não quer perder e que se tenta
a todo o custo recuperar, como também não se quer perder tudo aquilo que se
traduz na sua memória colectiva, como povo, de gentes de paz e de bem.
Barrancos é uma vila alentejana com raízes profundas do seu povo, mas é também
uma vila próxima, eu diria mesmo vizinha de Espanha.
É que a sua vivência, as suas raízes bebem também nas tradições espanholas.
É natural.
Que povo, que conviveu com outros povos, não teve aculturação? O povo português
é rico nessa aculturação. Deu da sua cultura a outros povos e bebeu da suas
culturas, e, também por isso mesmo, somos um povo rico de tradições, de usos
e costumes que não devemos nem podemos malbaratar.
Barrancos é exemplo disso, sofreu as influências da cultura espanhola e por
isso as suas festas tradicionais levadas a efeito em Agosto, culminam com uma
tourada, como de resto um pouco por todo o Alentejo, com particular destaque
para a morte do touro na arena, em que os toureiros contratados são oriundos
da vizinha Espanha ou da América Latina.
É assim uma tradição que se perde na memória dos tempos, e que de forma ininterrupta
se realiza pelo menos desde que foram proibidas touradas com touros de morte
em Portugal, ou seja, pelo menos desde 1928.
Barrancos é uma vila pequena com poucos habitantes, mas com homens e mulheres
de fortes sentimentos e gentes de paz.
Viveu durante muitos e muitos anos no mais perfeito anonimato, para os meios
de comunicação social, nunca ninguém se lembrou de Barrancos e das suas gentes,
quando acolheram no seu seio refugiados da guerra civil espanhola e lhe prestaram
a sua solidariedade.
Nunca, ou poucas vezes, se lembraram da população barranquenha, quando muitos
deles tiveram que emigrar para fora ou dentro do seu próprio País, quando ali
não existia trabalho que sustentasse a família.
A população de Barrancos não é como se pretende fazer crer, com alguns anúncios
despropositados mas seguramente bem financiados, um povo que não tem sensibilidade,
e cujas tradições advêm de costumes bárbaros.
O povo de Barrancos é um povo cuja cultura assenta numa profunda relação humana
de solidariedade, de partilha e de amizade. Barrancos tornou-se notícia nos
media nacionais quando uma providência cautelar, entregue num tribunal
de Lisboa, pretendeu por cidadãos que nada têm a ver com a região, nem com os
seus usos e costumes impedir as festas em honra da sua padroeira com a tradicional
corrida de touros à espanhola.
A lei nº 15.355 de 1928 caiu em desuso em Barrancos porque nunca chegou efectivamente
a ser aplicada.
Conhecendo essa realidade, mas igualmente conscientes que pendiam sobre eles
a decisão da providência cautelar, a Comissão de Festas, a Comissão de Defesa
das Tradições Barranquenhas e a Câmara Municipal de Barrancos fizeram chegar
ao Grupo Parlamentar do PCP e a outros grupos parlamentares a sua posição sobre
estas matérias e a forma de ser encontrada uma solução legislativa que garantisse
o que desde há muito é uma realidade.
Foi neste contexto que o PCP apresentou o projecto de lei que hoje aqui apreciamos,
e na exposição de motivos afirmamos que, apesar da disposição do Decreto-Lei
15.355 de 1928, proibir touradas com touros de morte, durante todo o período
da ditadura e posteriormente até hoje, elas foram levadas a efeito praticamente
sem interrupção em determinados e circunscritos pontos do território nacional.
Por outro lado, e por analogia, referimos que a lei francesa acolhe já as touradas
na forma que assumam a tradição local, no artigo 521-1 do Código Penal, através
de um dispositivo legal inserido através da Lei 653 de 1994, cujo critério relevante
é a invocação de tradição ininterrupta.
Acresce salientar que no Agravo do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a providência
cautelar é o próprio juiz relator que reconheça razão à Comissão de Festas e
ao povo de Barrancos quanto ao futuro ao afirmar e passo a citar: "Sem necessidade
de se determinar se, presentemente, tais touradas são proibidas por lei,
mas mesmo admitindo que o sejam, certo é que o legislador que parece não ter
grande reacção contra elas, não se pronunciando com toda a clareza para pôr
termo a dúvidas que ainda existam, pode pretender autorizá-los em determinadas
circunstâncias excepcionais nomeadamente em alteração à vontade de alguma população."
Senhor Presidente, Senhores Deputados:
O projecto de lei do PCP propõe-se assim criar um dispositivo legal que acolha
a tradição local, e onde esta se tenha mantido desde 1928, como é o caso de
Barrancos.
Que fique claro, que o Projecto de Lei do PCP não propõe a alteração da proibição
dos touros de morte em Portugal.
O que se pretende é que a Assembleia da República reconheça e legitime os usos
e costumes de uma população, ancorados na cultura e vivência de um povo e que
faz parte integrante do seu património colectivo.
O que se pretende é que, no respeito por outras sensibilidades, se acolha a
diversidade da nossa cultura não querendo uniformizar o que não é uniformizável.
Disse.