Declaração Política sobre a actividade
cultural
Intervenção da Deputada Luísa Mesquita
24 de Julho de 2003
Exmo. Senhor Presidente
Senhores Deputados
Depois dos enormes cortes orçamentais no Ministério da Cultura é difícil identificar, mesmo que meros indícios, qualquer política cultural que não se resuma à atitude economicista da fusão, da extinção ou do encerramento.
O Governo decretou o empobrecimento da actividade cultural do país e dos portugueses.
Os deveres do Estado consagrados na Constituição são letra morta no que à Cultura diz respeito.
Cultura e Educação, para esta maioria, não são prioridades. O Governo está mais preocupado com a sua presença no Iraque.
O cenário é caricato.
O Governo que considera o turismo como actividade económica importante , é o mesmo que impede os turistas de visitarem os museus por falta de recursos humanos e financeiros.
Por isso, a matéria que aqui trazemos hoje é mais um mau exemplo a juntar a tantos outros.
Em nome de uma contenção financeira “cega e surda” o Governo está a pôr em causa a criação cultural nas áreas do teatro e da música.
De acordo com o texto constitucional “o Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural …”, incumbindo ainda ao Estado entre outros, o dever de “Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade”.
É deprimente, que ano após ano, os criadores que se substituem ao Estado nas suas obrigações culturais, precisem de colocar na praça pública a ausência de rigor, a ausência de transparência e mesmo até o desprestígio que decorre da apreciação formulada pela tutela das suas propostas de trabalho.
Este ano não constitui excepção.
As entidades candidataram-se, como habitualmente, ao apoio a que têm direito, através de projectos apresentados ao Instituto Português das Artes do Espectáculo e as consequências são, de facto, inaceitáveis.
Relativamente às actividades teatrais de carácter profissional e de iniciativa não governamental, o Júri do IPAE pronunciou-se em Fevereiro de 2003 no que se refere à selecção de candidaturas, alvo de concessão de apoios financeiros.
Ouvidos em audiência, os interessados de algumas das candidaturas não seleccionadas, fundamentaram as suas razões de discordância e solicitaram inúmeros esclarecimentos.
Cinco meses decorridos e as respostas ainda não chegaram.
A matéria em causa, exige, por parte dos responsáveis, clarificação. Segundo os candidatos, o Júri introduziu novos dados no decurso do processo de avaliação, utilizou regras que desvirtuam a Portaria e o respectivo Regulamento e não cumpriu os procedimentos administrativos inerentes a um concurso público.
Um outro facto referido pelos candidatos é a suspeição relativamente à independência do Júri perante todas as candidaturas apresentadas.
No que se refere às candidaturas que obtiveram apoio financeiro o cenário não é menos preocupante.
A decisão foi dada a conhecer também no passado mês de Fevereiro e até hoje, apesar de todos os esforços, os responsáveis pelas candidaturas seleccionadas nada mais sabem.
De Fevereiro a Julho aguardam a homologação da tutela e naturalmente a atribuição dos respectivos apoios financeiros.
Entretanto, os programas anuais, os festivais, os projectos pontuais aprovados estão em causa.
Como é público há já profissionais que abdicaram das suas remunerações em prol da realização de algumas actividades, porque querem honrar compromissos assumidos. Há criadores a recorrer a empréstimos bancários. E o Governo permanece em silêncio, sem nenhuma explicação, como se não tivesse responsabilidades em todo este processo.
Finalmente, também na área da música a situação não é diferente.
Projectos existiram que obtiveram a pontuação requerida para terem acesso a apoio financeiro, no entanto não o vão ter e não sabem porquê.
Mas quando os interessados pretenderam recorrer das decisões por as considerarem injustas e despropositadas, a falta de transparência e rigor foi notória.
Não existiu uma grelha padrão de classificação dos projectos. O conjunto de critérios e parâmetros não estavam quantificados.
Um dos interessados foi informado que deveria centrar o seu recurso na apreciação dos projectos dos outros concorrentes, ou seja, para defender o seu projecto, deveria destruir os restantes.
E acrescenta “O que é de pasmar é que o júri que avalia os recursos seja o mesmo que apreciara as candidaturas. Isto equivale a, num tribunal, ao ser-se sentenciado por um colectivo de juízes e recorrendo da sentença, ser o mesmo colectivo que vai apreciar o recurso”.
Perante tão graves denúncias, é urgente que o Governo quebre o silêncio e encontre respostas, por exemplo, para explicar porque não foram homologadas as candidaturas aprovadas pelo IPAE em Fevereiro último.
Quando pretende, se pretende, proceder à homologação e efectivar os apoios financeiros em dívida.
Como justifica o Governo que em Julho de 2003 ainda estejam a ser entregues apoios financeiros relativos às candidaturas do ano de 2002.
Quantas candidaturas e quais foram apresentadas na área do teatro e da música e dessas quantas foram objecto de apoio financeiro.
Foram ou não aditadas regras, no decurso do processo de avaliação, desconhecidas dos concorrentes.
Foram ou não utilizados mecanismos que questionam a Portaria, o respectivo Regulamento e os procedimentos administrativos inerentes a um concurso público.
Foi ou não assegurada de forma rigorosa, a independência do Júri relativamente às candidaturas apresentadas, quer na área do teatro, quer na área da música.
Naturalmente que os senhores Deputados do PSD e do CDS-PP estão em condições de esclarecer toda esta confusão.
Como justifica o Governo a ausência de instrumentos objectivos de avaliação, nomeadamente a grelha de classificação dos projectos e quantificação dos critérios e parâmetros, imprescindíveis ao rigor e à transparência de um concurso público.
Sendo sobretudo o Governo o responsável pelas dificuldades financeiras
que enfrentam os criadores, particularmente os que tiveram direito a apoio,
é indispensável tomar medidas para minimizar as graves consequências
provocadas pelo atraso da administração central.
Finalmente, como se podem criar expectativas, proceder a avaliações,
informar os candidatos que obtiveram a pontuação requerida e depois
negar-lhes o apoio financeiro.
E quando os interessados exercem, legitimamente os seus direitos, recorrendo da apreciação e da decisão, o Governo garante-lhes a imparcialidade da apreciação do recurso, assegurando-lhes que a entidade que decidiu da matéria que é objecto de recurso é a mesma que agora avaliará o recurso.
É de facto inaceitável.
E se não fosse verdade, poderia ser uma anedota.