Direito de Menores (protecção das crianças e jovens em perigo)
Intervenção da deputada Odete Santos
20 de Maio de 1999
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Ministro da Justiça
Na hora da reforma do Direito de Menores, importará desmistificar a ideia,
que muitas vezes se avantaja, de que a delinquência juvenil está em acrescimento.
Não raro exemplos importados de outros países, através das Câmaras de Televisão,
servem de suporte a apelos para que a idade da inimputabilidade, seja diminuída,
se situe em idade inferior aos 16 anos.
Caso não exemplar é o do Reino Unido que na legislação mais recente - Crime
and Disorder Act- 1998- acabou com a presunção de inimputabilidade logo a partir
dos 10 anos de idade.
Caso muito menos exemplar é o de alguns Estados dos Estados Unidos da América
que executam sentenças de morte aplicadas a crimes praticados por menores, quando
estes atingem a maioridade.
Regressa-se nalguns países a um modelo que visa com as medidas aplicadas a menores,
objectivos de prevenção geral e especial, sobrepondo a segurança da sociedade,
ao interesse do Estado na ressocialização do menor.
É forçoso afirmar que, em Portugal, a delinquência juvenil não se encontra em
expansão. Bem pelo contrário.
O que se encontra em aumento é o número de menores em risco. Em crescimento
acentuado. O número de crianças em risco deu origem em 1989 a 1187 processos
(43%) e em 1996 a 1492 processos ( 51,3%).
O que se encontra em aumento, é ainda o número de menores vítimas de crimes.
A percentagem dos mesmos passou de 7,4% em 1984 para 27% em 1997. Enquanto os
menores agentes de infracção penal passaram de 50,3% em 1984 para 30,7% em 1997.
E os dados relativos às medidas aplicadas pela justiça Tutelar são elucidativos
acerca da gravidade, que é pequena, das infracções penais cometidas. Nos anos
de 1989 a 1996 entre 35 a 40 por cento dos processos foram arquivados sem aplicação
de qualquer medida. A medida predominantemente aplicada pêlos Tribunais é a
admoestação, logo seguida da entrega aos pais ou de medidas de apoio social.
Entretanto, as estatísticas também nos dizem que nas instituições destinadas
a internamentos convivem menores agentes de infracções penais e menores em risco.
E dizem-nos que tais instituições estão a rebentar pelas costuras com menores
a aguardar colocação.
A Proposta de lei do Governo relativa à acção tutelar educativa considera o
modelo de protecção como pai de todos os males. É o modelo de protecção que
tem culpa da sobrelotação das unidades de internamento. ÉR o modelo de protecção
que não dá resposta ás necessidades de prevenir a delinquência juvenil.
Mas será assim?
Não se recusa a necessidade de proceder a alterações no modelo existente, por
forma a introduzir o sistema de garantias exigido por instrumentos internacionais.
Que acentuam que o menor é um sujeito de direitos.
Mas o Governo erra na pontaria ao detectar as causas do bloqueamento do sistema.
Porque se os menores em risco convivem nas unidades de internamento com os menores
agentes da infracção penal, isso deve-se ao facto de não Ter sido dada resposta
à necessidade de criação de centros de acolhimento estritamente para os menores
em risco.
Porque se aumentam os menores em risco, tal se deve à desumanização da sociedade
causada pelo modelo neoliberal que também contribui para a desumanização das
famílias, mercê da ausência dos pais junto dos menores.
Porque se os menores em risco não têm as necessárias respostas, isso deve-se
à falta de meios do Instituto de Reinserção Social, bem conhecida de todos os
magistrados que desesperam na busca de soluções para as situações dramáticas
que se lhes deparam.
Citarei, pela intensidade dramática de quem vive com o coração, um breve excerto
de uma intervenção de um Juiz de Direito do Tribunal de Menores de Lisboa, proferida
em 1997:
" Saio deste Tribunal algo frustrado por tão pouco se poder fazer em prol destes
menores em risco ou em caminhadas vertiginosas para o crime adulto.. Recuso-me
a esperar por mais meses à espera que os Centros Regionais de Segurança Social
consigam encontrar uma cabal resposta para um singular problema de dois menores,a
eles confiados à luz do artigo 19º da OTM, a Marta e o Daniel( porque para mim
todos eles têm nomes de preferência próprios ) acorrentados em casa pêlos pais,
batidos selvaticamente por quem lhes deu fôlego de vida, torpedeados e titubeantes,
fugidos das escolas e vivendo no lixo mundano de uma metrópole que os não compreende...
Louvo aqui o hercúleo trabalho de um IRS pequeno de mais para tantas solicitações.
Louvo o trabalho dos curadores de menores que nos Tribunais das Andreias e dos
Ricardos, vão trabalhando horas sem fim, gerindo as urgências que todos os dias
nos tombam nas secretárias e nos faxes, tentando engolir em seco perante tanta
monstruosidade, tanta pomba assassinada nos olhos de água dos meninos da rua
e do lixo, tanto pai violador, tanta mãe abandónica e negligente, tanto rato
a roer os pés da Joana e do Ruben, tanto álcool corroendo famílias, tanta maldita
cocaína nas veias erradas, tanto cansaço certo em corpos errados, tanta criança
nascida da consciência e desamor"
É impossível atribuir as culpas de tudo isto ao modelo de protecção!
Não é antes a " modernidade" do Estado neoliberal que só conhece ficções jurídicas,
como a ficção jurídica de que o menor agente da infracção penal não é um menor
em risco, ideia que está subjacente à Segunda proposta de lei.?
Se estamos de acordo com o sistema de garantias que se introduz no processo
tutelar, já a solução global constante da Segunda proposta de lei, nos suscita
algumas reservas.
Bem como algumas das justificações constantes da sua exposição de motivos, onde
se confunde a revolta saudável contra padrões estabelecidos, ocorrida na década
de sessenta, com comportamentos antisociais.
A acção tutelar educativa, embora não consagrando o modelo de justiça puro,
não consegue esconder que a sorte do menor, o futuro da sua reinserção social,
está condicionado, e não veladamente, por interesses de prevenção geral e especial.
Desde logo a impossibilidade de o Ministério Público poder arquivar liminarmente
o processo em cr5imes de ofensas corporais simples ou de furtos simples, por
exemplo. Já que as penas aplicáveis a estes crimes vão até 3 anos de prisão.
E só poderá haver arquivamento liminar, pelo Juiz, se ao crime não couber pena
de prisão superior a 1 ano.
Esta previsão não tem mesmo em conta o desvalor das penas de prisão até 3 anos,
no figurino actual do Código Penal, já que as mesmas têm em regra a alternativa
de multa.
Por outro lado, também a proposta de lei chega a deixar transparecer, pelo menos
no que tange às medidas de internamento, a finalidade de interiorização (imposição)
de valores sociais dominantes (artigo 17º)
Uma breve análise da proposta de Lei, leva à conclusão de que apesar de alterações
introduzidas ás conclusões da Comissão de Refoma da Execução de Penas e das
medidas, apesar de não estarmos perante um modelo puro de justiça , não foge,
a Segunda das propostas de Lei, à crítica que tantas vezes se faz a um Direito
Penal e Processual Penal dos pequeninos!
Acompanhe-se par e passo esta proposta de lei com o Código Penal - parte geral,
e com o Código do Processo Penal, e verificar-se-á como se procedeu a uma adaptação
daqueles Códigos à Justiça Tutelar de Menores.
O que sobretudo, ressalta no papel que é atribuído ao Ministério Público, que
passa praticamente de Curador a Acusador. Se em relação aos adultos ele exerce
a acção penal,. Em relação aos menores exerce a acção tutelar educativa.
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
O modelo por que optou o Governo,acaba por constituir uma ficção jurídica. Ficciona-se
que com as medidas adoptadas, o menor será reeducado na base de uma maior responsabilização
individual pela aquisicão de valores da sociedade.
Mas as soluções a nada levarão se continuarmos a reconhecer a actualidade da
dedicatória de Soeiro Pereira Gomes:
Para os filhos dos homens que nunca foram meninos.
Disse.