Projecto de Lei n.º 296/VII, do PSD, e Projecto de Lei n.º 349/VII, do PS, sobre o alargamento da protecção da maternidade e da paternidade
Intervenção da deputada Luísa Mesquita
27 de Novembro de 1997

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:

Temos hoje para discussão três projectos de lei, cuja apresentação merece da nossa parte uma prévia reflexão, antes de nos pronunciarmos sobre o conteúdo de cada um em particular.

É frequente afirmar-se que possuímos um texto constitucional na área da Protecção da Maternidade e da Paternidade - que responde e corresponde ao real quadro da sociedade portuguesa.

Aí se reconhece que os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos; aí se consagra que a maternidade e paternidade constituem valores sociais eminentes e aí se afirma que as mulheres trabalhadoras têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto sem perda de quaisquer regalias.

No entanto, a diversa legislação publicada sobre a matéria têm sofrido, na generalidade, de uma timidez absurda, decorrendo daí o facto de transfigurar, algumas vezes, o texto constitucional, quando, naturalmente, o deveria verter de forma pragmática, actuante e realista.

Obviamente que não estamos perante o discurso do erro, na verdadeira acepção da palavra, mas sim, perante a disfunção do facto e do direito.

Quixote é rei de direito mas Sancho é rei de facto.

O percurso legislativo nesta matéria tem sido longo ou mais precisamente, demorado, mas nem por isso mais adequado.

O PCP apresentou na Assembleia da República, em 4 de Fevereiro de 1982, já lá vão 15 anos, um projecto de lei sobre Protecção e Defesa da Maternidade, e dizia-se no preâmbulo: "Na verdade, existem já no plano legal medidas que no fundamental procuram proteger e auxiliar as mães naquilo que de biológico e insubstituível a maternidade contém. Importa assegurar o seu cumprimento e realização prática. Em relação, porém, à dimensão social da maternidade e à sua articulação com o estatuto da mulher na perspectiva da sua integração social, urge aprovar e fazer aplicar legislação nova."

Entretanto, no artigo 10º deste projecto, consagrava-se o direito a uma licença por maternidade de 120 dias, independentemente do vínculo existente entre as trabalhadoras e as entidades empregadoras.

Mas apesar da justeza desta iniciativa, as mulheres portuguesas viram-na rejeitada.

E só em Abril de 1984, novamente através do Grupo Parlamentar do PCP, a Assembleia da República teve a oportunidade de debater um conjunto de medidas necessárias à efectivação do princípio constitucional relativo a esta matéria.

Daí decorreu a aprovação da Lei nº 4/84.

Votámo-la favoravelmente mas deixámos claro que ela se distanciava do nosso projecto.

Concretamente, propúnhamos uma licença por maternidade de 120 dias, enquanto o texto aprovado ficava, tão só, pelos 90 dias.

Mas também noutros aspectos o regime aprovado ficou aquém das nossas propostas. É disso exemplo o regime de faltas determinadas pela assistência à família, nas situações de doença.

Entretanto, foram precisos 11 anos para que, a propósito da transposição da Directiva 92/85 do Conselho Europeu, o Governo, então do PSD, trouxesse à Assembleia da República uma proposta de lei que daria origem à Lei nº 17/95 e que alteraria, mais uma vez, timidamente, a Lei nº 4/84, mantendo a proposta governamental, não só os aspectos mais gravosos da Lei nº 4/84, como por exemplo o regime de faltas por assistência à família, mas acrescentando-lhe também, em nome da Directiva, a supressão de direitos já adquiridos pelos trabalhadores.

É assim que se consagrou no artigo 1ºA, alínea d) a definição de trabalho nocturno como "aquele que é prestado entre as 0 e as 7 horas", revogando de forma fraudulenta o Decreto-Lei nº 409/71 que definiu, como nocturno, o trabalho entre as 20 e as 24 horas.

Hoje o PS e o PSD propõem-nos duas iniciativas legislativas para debate que se enquadram perfeitamente na disfunção textual com o texto constitucional.

O PS que levou uma década a considerar a hipótese de alargamento para 120 dias da licença por maternidade, tendo, concretamente em Janeiro de 1992, proposto este período, recua agora, em 1997, para um período de 110 dias até 1999 e só a partir de 1 de Janeiro de 1999 as mulheres portuguesas terão direito aos 120 dias.

Quando tarde se age, o povo exprime, de forma excelente, esse comportamento na máxima proverbial - Mais vale tarde que nunca.

Mas, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados, porquê este agora sim, agora não.

Não é situação única, bem sabemos. Têm-nos o PS habituado a esta forma de estar na política.

Afinal, foi assim também com a idade de reforma das mulheres; ora achavam justa a redução para os 62 anos, ora consideravam mais justo ainda o aumento para os 65 anos.

Propõe ainda o PS um novo número 2 ao artigo 9º que pretende alargar a licença por maternidade à situação específica dos nascimentos múltiplos; mas também esta adequação é diferida no tempo, aliás, como todo o conteúdo do artigo 9º.

Relativamente a artigo 14º, é no mínimo estranho e implica alguma clarificação. Quer o conteúdo do artigo 14º da Lei nº 4/84, quer as alterações nele introduzidas pela transposição para o ordenamento jurídico nacional das disposições constantes na Directiva de Outubro de 1992, já consagravam um regime De Licença Especial para Assistência a Filhos.

Consagrou-se em diploma legal que o pai ou a mãe trabalhadores têm direito a licença por um período até 6 meses, prorrogável com limite de 2 anos, para acompanhamento de filho, adoptado ou filho do cônjuge que com este resida, durante os primeiros 3 anos de vida.

Ora agora o PS mantém este texto e propõe um novo número que restringe este direito a um período de 60 dias, restringindo também o acompanhamento, exclusivamente, aos filhos e introduzindo ainda uma explicitação, no mínimo preocupante; este direito efectiva-se sem prejuízo das condições de regresso ao trabalho, asseguradas na licença por maternidade.

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados do PS, das duas uma: ou esta explicitação é desnecessária, porque o texto constitucional consagra de forma clara esta matéria; ou o enunciado explícito deste direito pretende deixar implícito que o conteúdo do actual número 1 do artigo 14º não assegura à trabalhadora e ao trabalhador as regalias adquiridas no local de trabalho.

Esta, é uma questão que gostávamos de ver justificada.

No que se refere à iniciativa apresentada pelo PSD, é um bom exemplo de como, especialmente, na área social, a iniciativa legislativa social democrata é não só tímida mas também contida.

Precisaram de 3 anos para transpor a Directiva e alargar de 90 para 98 dias a licença por maternidade; daí que, não fosse de esperar, que 2 anos depois, estivessem disponíveis para reconhecer a necessidade do alargamento para 120 dias.

Quanto às restantes alterações, consideramos que podem melhorar os diplomas legais actualmente em vigor e daí, a nossa total disponibilidade, para, em sede de especialidade, participarmos na formulação de um texto que efective de facto, direitos constitucionalmente consagrados.

Deixei para último lugar a apresentação do projecto de lei do PCP que - Cria uma licença especial para assistência a menores portadores de deficiência profunda - por duas razões: a primeira porque me pareceu importante evidenciar que permanecemos ainda muito aquém, na consecução de diplomas legais, que possam constituir verdadeiros sustentáculos na defesa de valores sociais eminentes como a maternidade e a paternidade.

A segunda razão justifica-se na medida em que a matéria do projecto de lei do PCP envolve alguma especificidade e objectiva uma área da sociedade portuguesa, ainda mais desprotegida do que aquela que temos vindo a analisar.

Estamos convictos que as Senhoras Deputadas e os Senhores Deputados estão disponíveis para consagrar um direito acrescido a todos os progenitores de menores portadores de deficiência profunda comprovada.

Todos sabemos que, uma criança nestas condições exige um acompanhamento constante por parte dos pais, o que implica uma necessária disponibilidade.

Todos sabemos também que a carência de instituições vocacionadas para o acolhimento destas crianças dificulta ainda mais a vida destas famílias.

Todos sabemos também que a maioria das famílias, onde existem crianças nestas condições, dificilmente comporta mais acréscimos de encargos àqueles que já são inerentes ao acompanhamento médico e medicamentoso que a situação exige.

Todos sabemos ainda que o primeiro ano de vida é determinante para que o agregado familiar estabeleça um padrão de vida e estruture a sua vivência e a personalidade de cada um dos seus elementos perante a deficiência que alterou o seu projecto de presente e de futuro.

Por tudo isto, consideramos que a criação de uma licença especial para assistência aos filhos com deficiência profunda, é um importante instrumento capaz de minimizar a delicada situação vivida pelas famílias e simultaneamente garantir a assistência que estas crianças exigem, em primeira instância, dos seus progenitores.

Consideramos também que o nosso projecto se adequa à diversidade da sociedade portuguesa, possibilitando o recurso das famílias a uma licença especial pelo período máximo de 2 anos, mas não deixando de implicar o Estado na sua obrigação constitucional de criar as respostas necessárias de apoio a estas crianças.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:

Pretendemos, com o nosso projecto, contribuir para ocupar o espaço lacunar que, nesta matéria, ainda subsiste e o vosso contributo para o seu aperfeiçoamento será bem-vindo, como já o afirmámos, quando das audições realizadas em Comissão.

Disse.