Constituição de um grupo de trabalho para o diagnóstico da situação actual dos maus tratos infantis em Portugal
Intervenção de Odete Santos
30 de Setembro de 2005
Sr. Presidente
A intervenção da Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, nomeadamente no que concerne à referência ao estudo científico elaborado sobre a situação dos maustratos, que está publicado em dois volumes e que foi encomendado pela Assembleia da República, poupa alguns minutos à minha intervenção, que incidirá sobre dois pontos.
Creio que, de facto, é importante rever o regime das comissões de protecção de crianças em risco, porque como os problemas estão detectados não demora nem três meses. Nesse aspecto não demora! Vou referir-me aos três meses mas noutros aspectos.
Relativamente à ideia de fazer a alteração do regime dessas comissões creio que quando se aprovou a Lei da Protecção de Crianças e Jovens em Perigo já podiam ter sido tomado medidas para que as comissões funcionassem como deve ser.
É que não se tomaram medidas! Nesse aspecto lançaram-se as comissões «às feras», para agora virem, muitas vezes, assacar culpas às comissões, que as não têm, porque o volume de processos, desde 2002 até 2004 — e isto é uma coisa inaudita —, passou de quinze mil e tal para 45 000. E não há meios, nem sequer técnicos, que dêem resposta a esta situação. Como tal, e porque pensamos que é urgente fazer qualquer coisa, o PCP apresentou um projecto de lei sobre esta matéria.
A outra questão que quero aqui levantar — e para isso três meses são insuficientes — é a seguinte: até agora ouvi aqui digladiarem-se argumentos formais, mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há uma questão de fundo, que até está devidamente provada, mesmo em organismos internacionais, que leva ao facto de as crianças serem vítimas de maus tratos em Portugal. Trata-se da falta de medidas económicas e sociais para se diminuirem os índices de pobreza infantil.
A UNICEF elaborou um relatório sobre a situação da pobreza infantil nos países mais ricos — não é nos países mais pobres ou em vias de desenvolvimento! — que nos envergonha, onde diz que Portugal tem uma taxa excepcionalmente exagerada (18,1%) de pobreza infantil. É um relatório deste ano! E a Finlândia, que tantas vezes tem sido apresentada como um modelo económico, aproxima-se de nós, pois também tem uma taxa de pobreza infantil de 16,4%. Só que, depois, ficamos desacompanhados, porque enquanto a Finlândia baixa esta taxa para 3%, através de intervenção governamental e de medidas no campo económico e social, em Portugal, segundo o mesmo relatório, não há nenhuma mudança, não há nenhuma intervenção, porque o Estado demite-se de funções sociais, degradando-se as condições em que vivem os pobres.
Esta é que é a questão de fundo! É assim que se pode, realmente, restituir às crianças o seu direito à dignidade?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, além desses indicadores, estudos elaborados pela Organização Mundial e Saúde diz que os pobres são as principais vítimas em termos de saúde mental. Ora, o problema da saúde mental é um circulo vicioso: ocorre principalmente com os mais pobres e, por sua vez, a saúde mental que os afecta causa pobreza.
Se for assim, não teremos dificuldade em perceber por que é que acontecem coisas tão horríveis em relação às crianças em Portugal, como também não é difícil perceber as medidas que têm de ser tomadas.
A minha grande dúvida é se os anteriores governos quiseram e se este Governo quer tomar essas medidas.
A minha última frase, Sr. Presidente, é a seguinte: a situação das crianças em Portugal é um desafio para a política.