Lei da Televisão
(recurso sobre a admissibilidade da proposta de lei)
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
23 de Maio de 2002
Sr. Presidente,
O nosso entendimento sobre esta matéria é o seguinte: o que faz sentido, face à leitura do preceito regimental, o artigo 139.º, designadamente, o seu n.º 3, é que, quando o recurso é interposto, se sigam os procedimentos que aqui estão previstos, expressamente e sem outra opção, a não ser a que está aqui expressamente prevista.
Nem outra coisa tem lógica, Sr. Presidente! É porque do que se trata é de recorrer de uma decisão que o Sr. Presidente da Assembleia já tomou ao apreciar no momento de admitir ou não determinada proposta de lei, neste caso, admitindo-a. Não faz, portanto, sentido que se impeça um recurso sobre uma decisão que o Sr. Presidente já tomou e que, agora, teria de tomar novamente, a vingar esta interpretação.
O que faz sentido é que a avaliação desta primeira decisão, de admitir a proposta de lei, seja feita noutra sede. E é por isso que o Regimento prevê que o recurso baixe automaticamente à comissão para ser analisado. Quando não, teremos duas decisões idênticas do Sr. Presidente da Assembleia, ambas admitindo o recurso, a proposta, eventualmente, quando do que se trata é de questionar a decisão já tomada.
Mas há uma outra questão, Sr. Presidente: é que esta proposta de lei deu entrada, foi admitida, na sexta-feira passada, perto da hora do almoço. Ora, se o Regimento estatui que o recurso deve ser feito até ao termo da reunião subsequente, pergunto ao Sr. Presidente, se não é neste momento que ele pode ser apresentado, qual é o momento em que pode haver recurso da admissão desta proposta de lei.
Na interpretação que o Sr. Presidente nos expõe não haverá momento algum em que a admissão desta proposta de lei possa ser posta em causa. Ora, isto significa que, mesmo perante a inconstitucionalidade, mesmo perante qualquer outro vício que impedisse a sua admissão, não tem este Plenário a capacidade, nesta situação concreta, para avaliar essa matéria porque não houve mais nenhuma reunião depois da admissão da proposta de lei e, portanto, é este o primeiro e único momento em que este recurso tem de ser interposto.
Se o Sr. Presidente e a Mesa impedirem que ele seja interposto neste momento e que seja discutido neste momento, o que estamos a dizer é que o Plenário, nesta matéria, não pode avaliar da legitimidade da admissão ou não da proposta de lei que foi apresentada pelo Governo.
(...)
Sr. Presidente,
Pretendo fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos para perguntar ao Sr. Presidente, no caso concreto da proposta de lei cuja admissão está em causa neste momento, quando é que um Deputado desta Casa, no pleno exercício das suas funções, pode recorrer da sua admissibilidade. Quero, pois, saber, em relação a esta proposta de lei em concreto, qual é o momento em que um Deputado pode recorrer da sua admissibilidade.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Penso que é legítimo que tenhamos fundadas dúvidas quer sobre a questão da constitucionalidade no que diz respeito ao conteúdo da proposta que nos é apresentada, quer no que diz respeito à constitucionalidade do processo da aprovação da proposta.
E tendo em conta, até, exemplos anteriores de validade ou não do pronunciamento de órgãos de soberania em função de determinadas propostas, penso que, nesta matéria, a Assembleia da República tem de ter todas as cautelas e tem de ter todos os cuidados.
É isso, Sr. Presidente, que temos de assegurar neste momento - neste momento e para o futuro.
De resto, Sr. Presidente, para além disto, será inaceitável que se desvende ao Governo a forma de fazer precludir direitos regimentais como o de recorrer da admissão de propostas no caso de pedir prioridade para determinadas iniciativas legislativas. Não é aceitável que isto aconteça porque isso não está no fundamento da prioridade concedida nem do direito de pedir prioridade para determinadas iniciativas legislativas e porque isso esvazia os direitos dos Deputados legítimos e de o Plenário se pronunciar quer sobre a questão da admissão quer sobre as decisões do Sr. Presidente.
É porque instituir um regime em que algumas decisões do Sr. Presidente da Assembleia da República não podem ser «sindicadas» pelo Plenário da Assembleia não é o equilíbrio que temos no nosso Regimento nem nas nossas normas constitucionais.
Termino, Sr. Presidente, apelando a V. Ex.ª para que este processo possa resolver-se com consciência, com serenidade - porque é incompreensível esta sangria desatada que não tem a ver, neste momento, com a discussão política das propostas que nos são apresentadas, mas com este procedimento atabalhoado e à pressa que nos querem impingir.
Pergunto ao Sr. Presidente: o que perde a Assembleia da República em promover, dentro do que está estabelecido nas normas regimentais, o debate sério e sereno sobre as diferentes opções políticas nesta matéria?
(...)
Sr. Presidente,
Consideramos que não há razões para ser atribuída, conforme fez o Sr. Presidente, prioridade à proposta do Governo.
De resto, quero deixar também registado que, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Telmo Correia, já expressámos oposição a esse entendimento na Conferência de Líderes onde esta matéria foi abordada. Consideramos que não deve haver prioridade nesta proposta de lei, porque não se vislumbra qualquer razão lógica ou plausível para que ela não possa ser integrada nos agenciamentos normais que certamente faremos na próxima Conferência de Líderes.
Sr. Presidente,
Consideramos que em nada ficaria prejudicada a iniciativa do Governo se esta matéria fosse agendada no decurso normal dos nossos trabalhos, o que significaria que o Governo a podia propor para agendamento logo para a primeira sessão que ainda não está agendada, que será certamente na primeira semana de Junho. Portanto, isto significaria uma dilação de 12, 15 dias, que, julgo, não prejudicaria a intenção política do Governo nesta matéria.
Sr. Presidente,
Do que se trata, em função da proposta de lei que o Governo nos apresenta, é de alterar a configuração legislativa que existe a propósito do Conselho de Administração da RTP a meio de um processo em que o próprio Governo já participou e para o qual já deu um impulso, designadamente, através da indicação dos membros que propunha para o referido Conselho de Administração. E é este Governo, que deu origem a este processo nestes termos, que, agora, a meio, porque não está satisfeito com a sua condução e com o seu desenlace, quer alterar as regras que foram estabelecidas por lei da Assembleia da República e que não lhe convêm neste preciso momento para as suas interpretações políticas.
Do que se trata aqui é de alterar a meio as regras do jogo, um jogo que o Governo iniciou e em que ele próprio teve responsabilidades, designadamente propondo os nomes para o Conselho de Administração.
Mas a verdade, Sr. Presidente, é que, ao contrário do que se refere na «Exposição de motivos» da proposta de lei, não estamos aqui perante qualquer situação de impasse; trata-se de aplicar a legislação que está em vigor. Não há qualquer impasse pelo facto de o Conselho de Opinião da RTP ter decidido não dar o parecer positivo aos nomes que lhe eram indicados, já que isso é o puro exercício da sua legitimidade e das suas competências.
Não se trata de um impasse! O Governo pode propor outros nomes, pode fazer outra proposta, pode reunir com o Conselho de Opinião, pode ter as mais diversas iniciativas, pelo que não estamos num impasse; estamos, antes, perante o curso normal do que está previsto na legislação.
Trata-se, isso sim, de uma guerra que o Governo quer fazer contra o serviço público de televisão e de rádio e contra o Conselho de Opinião da RTP, cuja decisão não quer respeitar.
Mas o que a Assembleia da República não pode ser, Sr. Presidente, é a «tropa de choque» deste Governo nesta guerra.
O que a Assembleia da República não pode ser é o instrumento que este Governo utiliza para alterar, a meio do jogo, regras que estão estabelecidas por Lei da República, por lei aprovada nesta Assembleia da República.
Discordamos, portanto, da decisão de prioridade que o Sr. Presidente deu a esta proposta de lei, porque ela não dignifica a Assembleia da República, porque, em vez de a fazer palco do debate e da decisão política, faz dela um instrumento para um processo lamentável da forma como o Governo o está a conduzir.
(...)
Sr. Presidente,
Sobre esta matéria já dissemos na Conferência de Líderes que não é correcto nem admissível impedir o agendamento por «arrasto» de projectos de lei que têm em si normas sobre a proposta de lei que está presente neste momento, porque isso significa que só a exacta similitude das matérias abordadas em cada iniciativa legislativa permitiria o agendamento por «arrasto».
Mas devo dizer-lhe, Sr. Presidente, que colocámos na Conferência de Líderes uma outra questão a que V. Ex.ª também não deu assentimento. Refiro-me à possibilidade de, sendo apresentadas iniciativas que versem exclusivamente sobre a matéria das competências do Conselho de Opinião da RTP, matéria sobre a qual versa a proposta de lei, se permitir que pelo menos essas iniciativas sejam agendadas por «arrasto». Ora, em relação a essa matéria, o Sr. Presidente também decidiu que não poderiam ser agendadas outras iniciativas, mesmo que versassem exactamente e só sobre as competências do Conselho de Opinião da RTP.
Como tal, não estamos de acordo com esta decisão que empobrece a pluralidade da discussão desta matéria no Plenário da Assembleia da República e consideramos que não é sucedânea da iniciativa legislativa a possibilidade de poder apresentar propostas de alteração ou de substituição à proposta de lei.