Portugal Global, SGPS, S. A
Intervenção do Deputado António Filipe
20 de Outubro de 2000
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados
Vou fazer algumas considerações acerca desta proposta de apreciação parlamentar sobre a holding Portugal Global.
Começo por dizer que temos algumas preocupações, as quais, aliás, tivemos oportunidade de exprimir, na altura em que o Governo tomou a sua decisão, em intervenção no período de antes da ordem do dia. No entanto, as nossas preocupações não são exactamente aquelas que são colocadas pelos proponentes desta apreciação parlamentar.
Em primeiro lugar, a nossa preocupação não é a de que haja um problema de concentração de órgãos de comunicação social nas mãos do Estado. Em Portugal, existe um problema grave de concentração dos média, que é conhecido. Curiosamente, os proponentes não se preocupam com a concentração de grupos de multimédia em mãos privadas; o que os preocupa é que o Estado tenha uma holding com o controlo de três empresas de comunicação social, as quais, aliás, prestam um serviço público no sector da comunicação social onde se inserem.
Pelo contrário, existem milhares de páginas escritas, em todos os países, no sentido de que um forte sector público de comunicação social é um contraponto fundamental precisamente à concentração dos média, na medida em que o sector público possui mecanismos democráticos de fiscalização a que, infelizmente, grande parte dos meios de comunicação social privados, na prática, estão imunes.
Portanto, é fundamental que exista um forte sector público de comunicação social que sirva de contraponto à concentração dos média e que funcione, também, com uma programação de referência, o que é fundamental para qualquer país do mundo, que é reconhecido na generalidade dos países europeus e que em Portugal é importante que seja também defendido.
Neste sentido, não compartilhamos, nem com o PSD nem com o CDS-PP, essa ideia de combater, a todo o custo, o sector público da comunicação social e, se possível, distribuí-lo e privatizá-lo.
Posto isto, creio que há preocupações, que, aliás, exprimimos, relativamente à Portugal Global.
Em primeiro lugar, a Portugal Global foi uma operação financeira que foi anunciada como trazendo muito mais consigo, designadamente a reestruturação da RTP, mas efectivamente não trouxe. A única medida tomada de reestruturação da RTP foi precisamente a autonomização da produção, o que, aliás, já se falava há muitos anos. E foi acompanhada também pelo discurso das sinergias do Ministro Armando Vara, que ninguém percebeu muito bem o que era porque ele também não explicou, mas que criava o risco sério de contaminar a RDP e a Lusa com uma situação financeira gravíssima que a RTP atravessava.
Por outro lado, há uma preocupação que também deve ser expressa de que a Lusa, pelas suas características de agência noticiosa, tem de manter um estatuto editorial de absoluta independência relativamente a qualquer outro meio de comunicação social. Não é sustentável para uma agência que haja uma televisão e uma rádio que a tenham como clientes preferenciais. Assim, importa salvaguardar, efectivamente, a independência editorial da Lusa em relação a todo e qualquer órgão de comunicação social, pelo que, de facto, a sua inclusão numa holding poderia criar alguma confusão negativa, o que, aliás, importa antecipar.
Resta o discurso das sinergias. O problema é que, segundo o que pudemos ler hoje na imprensa, parece que o Governo já não adopta o discurso das sinergias. Portanto, antes que o Governo tivesse feito qualquer reestruturação na RTP, acabou por ser o próprio Governo a ser reestruturado primeiro.
O que verificamos é que parece que o actual Ministro responsável pela pasta já não tem as mesmas opções que tinha o ministro anterior. Neste sentido, seria interessante que o Governo nesta matéria, antes de estarmos a intervir, clarificasse a sua posição, porque, tendo em conta aquilo que lemos hoje na imprensa, já não sabemos se o Partido Socialista vai votar contra a proposta apresentada pelo CDS-PP ou se a vai viabilizar, de forma a que o Governo, tendo mudado a sua opção, possa consumar essa decisão.
Assim, era importante sabermos, aqui, o que é que o Governo pensa, afinal, relativamente à Portugal Global e o que é que quer fazer, se quer desfazê-la ou se quer prosseguir com ela.
E, já agora, o que é que pensa relativamente à reestruturação da RTP, porque, apesar de o Ministro Armando Vara ter tido muitas oportunidades para nos explicar, nunca o fez, e ainda não tivemos oportunidade de ouvir, da parte do Ministro Guilherme d'Oliveira Martins, quais são as suas opções relativamente à futura reestruturação da RTP, o que, de facto, é inequivocamente urgente.