Sobre a Cimeira de Amsterdão
Declaração de Agostinho Lopes, da Comissão Política do Comité Central do PCP
18 de Junho de 1997

 

Analisando os resultados da Cimeira Intergovernamental de Amsterdão e, pese embora não haver ainda um conhecimento total do aprovado, consideramos que as informações disponíveis permitem, desde já, destacar três traços:

1. O emprego e o social - realidades e ficções

Repetindo pela enésima vez generalidades sobre o emprego e sobre soluções para o desemprego a Cimeira não avançou um milímetro na concretização de efectivas respostas ao flagelo social que atinge 20 milhões de trabalhadores nos países da Comunidade!

A ficção é a inclusão no Tratado da União Europeia de capítulos sobre o emprego e a política social, sem medidas financeiras que os sustentem.

A realidade são as promessas de uns dinheiros, que virão dos restos que sobrarem do aumento do capital social que o Banco Europeu de Investimento (BEI) irá realizar, com vista ao alargamento, e do que sobejar dos respectivos fundos, aquando da extinção da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em 2002.

A realidade é a satisfação do ministro alemão das Finanças, Weigel, com o acordo sobre o emprego: «não pressupõe mais dinheiro».

A ficção é a esperança de que tudo se resolverá na próxima Cimeira, no Luxemburgo, em Outubro. A realidade é que, sobre tal Cimeira, o primeiro-ministro holandês, Wim Kok, diz que não se deve esperar que faça «milagres», e o primeiro-ministro e ministro das Finanças do Luxemburgo diz que «não deve suscitar expectativas exageradas».

A ficção são as sucessivas declarações solenes, preocupações (hipócritas) e propostas de pactos para o crescimento e o emprego, a que se juntam «a confiança», «a competitividade», «a estabilidade», de sucessivas e repetitivas cimeiras.

A realidade é que o desemprego global trepou de 12,2 milhões em 1990, para cerca de 19/20 milhões nos dias de hoje. Cabe lembrar que o célebre Livro Branco, de Delors, em 1992, prometia criar 17 milhões de empregos até 2000 e hoje, a dois anos desta data, o que há são mais 5 milhões de desempregados.

A realidade é que, nas duas resoluções sobre estabilidade, crescimento e emprego adoptadas pelo Conselho de Amsterdão, ficou estabelecida a «competitividade europeia com um pré-requisito ao crescimento e ao emprego». Ficou escrito que a «União Europeia pode complementar as medidas nacionais, pelo exame sistemático de todas as relevantes políticas comuns, incluindo as redes transeuropeias e os programas de I&D, para gerar a criação de mais empregos e do crescimento económico, respeitando entretanto as perspectivas financeiras e o acordo inter-institucional».

A brutal realidade são, entre muitos outros exemplos, os anúncios recentes da Electrolux e da ABB (Asea Brown Boveri), do Grupo Wallenberg, o grupo financeiro mais poderoso da Suécia, e provavelmente da Europa, de que vão despedir mais 50 mil trabalhadores.

A inclusão da situação especial das regiões ultraperiféricas no Tratado, sendo positiva, não deve iludir igualmente a ausência de indicações sobre a forma como vai garantir-se a sustentabilidade financeira dessa decisão. Recorde-se, entretanto, o prosseguimento de projectos de alteração das rganizações Comuns de Mercado (COM) da banana e do leite, que poderão afectar gravemente a situação económica das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, respectivamente, e de que para o emprego e outras decisões, a Alemanha terá conseguido que, num protocolo adicional, ficasse bem estipulado que todas as despesas serão feitas no actual quadro dos fundos existentes.

Refira-se ainda a incerteza que paira na Europa quanto aos direitos de autor sobre a inclusão do emprego e do social no Tratado. Em nota de imprensa da Direcção Geral III (da União Europeia), surgem reclamando a paternidade a Itália, a Grécia, a Suécia e a Dinamarca. Lamentavelmente esqueceram-se do eng. António Guterres.

2. A brutal realidade do Pacto de Estabilidade
e o avanço do federalismo

O que não deixou de ficar bem estabelecido, sem uma vírgula a menos, foi o Pacto de Estabilidade negociado em Dublin. O que, recordamos passa a condicionar, para todo o sempre, a política orçamental de cada um dos países soberanos da União Europeia. Ficou determinado, em declaração solene da Cimeira, o compromisso «de todas as partes, nomeadamente os Estados-membros, o Conselho e a Comissão, de cumprir o Pacto de Crescimento e Estabilidade de maneira estrita e pontual»!

Recorda-se que, segundo esse pacto, o «valor de referência» para os défices orçamentais mantém-se em 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas este valor deve ser considerado como um tecto, em circunstâncias normais. As políticas orçamentais nacionais devem criar uma margem de manobra para se adaptarem às perturbações, excepcionais e conjunturais, sempre evitando os défices excessivos. Pelo que, o objectivo orçamental a médio prazo deve ser «próximo do equilíbrio ou excedentário»: efectivamente um orçamento equilibrado para o conjunto do ciclo económico».

E lembra-se que, por exemplo, um país como Portugal, com a adesão à moeda única, num ano de PIB igual a 15 mil milhões de contos, com um défice orçamental de 4%, pagará uma multa de 45 milhões de contos!

É a reafirmação integral do caminho, da lógica e do calendário para a moeda única, enquadrados pelas políticas monetárias fundamentalistas inscritas no Pacto, completamente inconciliáveis com o emprego e uma política social que respondam às exigências e necessidades do trabalhadores e dos povos.

Só por demagogia pode afirmar-se como possível a quadratura do círculo: Emprego/Pacto de Estabilidade. Os dirigentes políticos da União Europeia ganharam, sem dúvida, na Cimeira, uma candidatura ao próximo prémio Nobel da Economia. Ao separarem a direcção e gestão da política monetária e da moeda única (entregue aos funcionários do independente Banco Central Europeu), da direcção e gestão da política económica (entregue a um nebuloso governo económico), descobriram a economia sem moeda, e a moeda ET, a moeda sem economia!

Não se tendo verificado os avanços institucionais que os federalistas ferrenhos desejariam, não é de subestimar o desenhar de uma alteração na ponderação dos votos que, reforçando o peso da população, reduzem o peso dos Estados e alguma progressão no 2º e 3º pilares na comunitarização da política externa, de Shengen, reforçando a concepção de uma Europa, potência militar e fortaleza.

Os federalistas mais avisados sabem bem, entretanto, que, implícito na moeda única e no Pacto de Estabilidade, o federalismo assentou arraiais.

No balanço da Cimeira não é despiciendo sublinhar que, apesar de concessões para que alguns salvem a face, se reafirmou e consolidou o comando da construção comunitária pelas grandes potências e, em particular, a Alemanha, ao serviço e no sentido do desejado pelo capital transnacional.

3. Uma luta a prosseguir: por uma Europa
dos trabalhadores e dos povos

As grandes movimentações sociais verificadas na Europa, que provocaram já alterações eleitorais e políticas em diversos países (eleições em que se votou contra e derrotou quem aplicou as políticas de Maastricht, seja da direita, seja da social democracia), tiveram uma significativa vitória nesta Cimeira: impuseram que os interesses dos trabalhadores e dos povos assumissem na Conferência e na comunicação social um lugar central. Ainda em Maio, António Guterres (e muitos documentos dos órgãos comunitários) garantia que a Cimeira não abordaria a moeda única e o Pacto de Estabilidade e, já em Junho, ele e os seus parceiros, são forçados a confrontar os problemas do desemprego e do social com a União Económica e Monetária, que passam a primeiro ponto da ordem de trabalhos, e a condicionar todos os trabalhos da Cimeira.

Há que prosseguir esta luta. No plano nacional e na cooperação internacional das forças progressistas e de esquerda, das forças do trabalho, por uma outra Europa.

Continuar a luta contra o desemprego, a precariedade e as exclusões sociais, lema das marchas europeias que culminaram na manifestação de 50 mil europeus em Amsterdão, na véspera do início da Cimeira.

Continuar a luta para se sejam os povos a decidir democraticamente sobre o futuro da União Europeia e da Europa, com a exigência de referendo sobre o Tratado de Maastricht reformado e sobre a moeda única.

Continuar a luta por uma Europa de cooperação entre países e povos independentes e soberanos, uma Europa de emprego, de democracia e paz.