Sobre a situação política e social
e a ofensiva contra o sector público
Nota da Comissão Política do PCP
2 de Junho de 1997
A Comissão Política do CC do PCP na sua reunião de hoje apreciou os recentes desenvolvimentos da situação política e social, em particular a ofensiva contra o sector público que o governo PS está a levar a cabo.
1. O Governo do PS, confrontado com dificuldades crescentes na aplicação de uma política contra os interesses nacionais e os direitos dos trabalhadores e do povo português, procura com um misto de "bluf" e chantagem em torno das finanças locais, fugir à discussão dos grandes problemas do país, do desemprego, do trabalho precário, da situação do aparelho produtivo do escandaloso processo de privatizações e camuflar o desencanto e o descontentamento que a sua política está a provocar.
Demonstrando um evidente autismo, o Governo do PS em vez de extrair as lições decorrentes dos resultados da aplicação de uma política a que é preciso pôr fim, demonstra sinais crescente de arrogância em que a operação da lei das finanças locais se insere.
A Comissão Política do PCP chama a atenção que este encenado conflito entre o PS e o PSD pretende também esconder a convergência de fundo destes dois partidos nas opções da mesma política e no objectivo comum de fazer esquecer posições recentes.
O PSD procura fazer esquecer que quando no governo não cumpriu a lei das finanças locais, esbulhando as autarquias de centenas de milhões de contos.
O PS procura fazer esquecer que quando na oposição, prometeu duplicar as receitas do FEF para as autarquias locais, compromisso a que agora procura fugir.
O PCP intervém nesta questão na base da seriedade e do rigor e condena que outros recorram a ela com o propósito de chicana política ou de impor encargos incomportáveis sem recursos, num processo de que o poder local sairia enfraquecido.
O PCP reafirma a exigência de cumprimento da lei das finanças locais e a importância do seu projecto de reforço dos meios das autarquias, que é essencial para a resolução dos problemas das populações.
Ao PS, impõe-se dizer-lhe ainda que assuma as suas responsabilidades e cumpra as promessas eleitorais que fez. Pela sua parte o PCP não aceita, nem teme chantagens quaisquer que elas sejam.
2. A Comissão Política do PCP, chama à atenção para o significado particularmente grave e qualitativamente novo que assume neste momento a ofensiva privatizadora do governo PS que, na continuação da política do PSD, está a conduzir à reconstituição do capitalismo monopolista e à subordinação da economia nacional aos interesses das multinacionais, com profundas consequências para o presente e o futuro de Portugal.
Trata-se de eliminar o sector empresarial do Estado que resultou das nacionalizações e paralelamente de privatizar sectores até agora integrantes da Administração Pública Central e da Administração Local, pondo em causa funções sociais do Estado e atingindo áreas ligadas às próprias Forças Armadas.
A este processo ditado pelas opções de fundo do PS, está associado o objectivo da entrada na moeda única. Vale tudo para promover o encaixe de dinheiro, para reduzir a dívida pública, mesmo o recurso à venda do património e de alavancas essenciais para o desenvolvimento do país.
Estamos numa fase crucial com o PS no governo a procurar de alguma forma completar a ofensiva que iniciou em 1976/77.
Durante o ano de 1996, no âmbito da intervenção do Governo PS, foram privatizadas importantes empresas.
Para 1997 o governo anunciou e tem em marcha, além da "venda" da Setenave ao grupo Mello no âmbito do negócio da Lisnave, um pacote de empresas de grande importância. Decidiu para 16 de Junho a privatização de 30% a 49% da EDP, prevê para Outubro/Novembro a 3ª fase da privatização da Portugal Telecom (com a redução do capital do Estado de 51% para 26%) e fala ainda na possibilidade de privatizações na Transgás, na Quimigal, na Portucel Industrial, no BFE (os 3,5% do capital do Estado que restam), na Brisa ( cerca de 30% do capital), na Petrogal (30% a 35% do capital em negociações com a Saudy Aramco). Paralelamente prossegue a preparação e andamento de acções privatizadoras em sectores da Administração Pública Central em áreas da responsabilidade da Administração Local como as águas e o saneamento e na área dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas.
Do plano de privatizações anunciado pelo governo até 1999 constam ainda muitas outras empresas e sectores.
Entretanto o PS procura consagrar as suas opções no plano constitucional e legislativo. No acordo de revisão constitucional que estabeleceu com o PSD aponta para a eliminação do sector público da Constituição da República, propósitos que está a concretizar com novos entendimentos na Comissão de Revisão Constitucional. Ao mesmo tempo o governo PS aprovou uma proposta de revogação da lei de delimitação dos sectores que liquida na prática a possibilidade de qualquer sector reserv ado ao Estado, proposta cuja discussão está agendada para dia 5 de Junho na Assembleia da República. Independentemente da sua importância estratégica e da sua relevância social tudo é aberto ao grande capital, tudo é submetido à lógica do lucro e novos passos são dados na privatização de operadores públicos existentes.
Deixa de haver a limitação a 49% do capital privado nas empresas que garantem o serviço público das telecomunicações, abrindo o caminho para o seu domínio pelo capital estrangeiro.
O serviço de Correios é aberto e mesmo a parte considerada como serviço público pode ser concessionado a privados, perspectivando uma real degradação e encarecimento dos serviços postais.
As indústrias de defesa, incluindo a indústria do armamento é também aberta ao capital privado.
O governo PS procura justificar este caminho com falsos argumentos e campanhas de propaganda, quando na verdade está a delapidar o património do país, entregando-o ao grande capital, às multinacionais.
O governo diz que as privatizações favorecem o país. No entanto a verdade é outra. As privatizações traduzem-se no domínio do poder político pelo poder económico e em ameaças à soberania e à independência nacional, com importantes centros de decisão cada vez mais transferidos para o exterior.
O governo diz que as privatizações contribuem para a redução da dívida pública libertando verbas para as despesas sociais. No entanto a verdade é outra. Só a EDP e a Portugal Telecom nos últimos três anos deram em conjunto 306 milhões de contos de lucro e pagaram ao Estado mais 240 milhões de contos de impostos (que muitas empresas privadas não pagam). Entre lucros e impostos são mais de 540 milhões de contos só em três anos, possibilidades de receitas que, com as privatizações, o Governo abandona a troco do encaixe imediato de verbas que nem de perto compensam os recursos perdidos.
Há empresas subavaliadas, vendidas por menos de metade do que realmente valem, beneficiando grandes grupos económicos em centenas de milhões de contos.
Há milhões de contos gastos em propaganda e em outros aspectos das operações de privatização, só na operação da segunda fase da privatização da Portugal Telecom foram gastos 4,2 milhões de contos e na propaganda da privatização da EDP está a ser gasto cerca de um milhão de contos.
O Governo fala nas vantagens da disseminação do capital, na passagem de clientes a accionistas. No entanto a verdade é outra.
Em documento de balanço realizado em 1996, constata-se que 99% dos accionistas dispõem de menos de 1% do capital social das empresas privatizadas.
Particularmente significativo é o processo de privatização da EDP. Tratando-se de uma empresa estratégica, lucrativa, subavaliada no seu valor, objecto de uma campanha de propaganda nunca vista, não espanta que um número significativo de pessoas se tenha inscrito para a compra de acções.
A Comissão Política do PCP, salienta que tal facto não significa a prazo uma disseminação do capital como todas as experiências demonstram, perspectivando-se o seu evidente domínio por grandes grupos, pelo capital estrangeiro. Se dúvidas houvesse, o interesse de empresas de electricidade alemãs e espanholas e a inscrição de pequenos subscritores para adquirir acções a favor dos bancos, práticas à qual o Ministério das Finanças se associou com a inqualificável divulgação da propaganda de um banco (BCI), aí estão a comprová-lo.
A Comissão Política do PCP, chama a atenção que a febre em torno da bolsa na expectativa de ganhos imediatos, como já aconteceu no passado, se assemelha a uma "dona branca" que, quando os interesses que comandam a bolsa entenderem, pode levar a graves prejuízos para os pequenos subscritores.
O governo PS diz que os trabalhadores serão beneficiados. No entanto a verdade é outra, e está à vista de toda a gente com o encerramento de empresas, a liquidação e muitos milhares de postos de trabalho, a precarização dos vínculos laborais, o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores, o agravamento da exploração. Na EDP foram reduzidos os postos de trabalho de 23000 para 15000 e é anunciada a redução de mais 5000 que seraficamente o presidente da administração vem dizer serem "apenas" 2500, entretanto passou a haver milhares de trabalhadores a recibo verde. Entre muitos outros exemplos destacam-se também: a redução de 7000 postos de trabalho em apenas oito bancos; de 4800 na Portucel e de 3300 na Siderurgia Nacional.
O governo diz que os portugueses ficarão a ganhar. No entanto a verdade é outra. As privatizações com a subordinação do desenvolvimento do país e de serviços essenciais ao critério do lucro, com o abandono do que não dá lucro a ser suportado pelo Orçamento do Estado, com a degradação e o encarecimento de serviços principalmente nas regiões menos desenvolvidas, prejudicam o desenvolvimento económico e social do país.
Na Inglaterra as privatizações conduziram ao aumento brutal das tarifas, à redução dos padrões de qualidade do serviço e à redução das despesas, dessas empresas em investigação e desenvolvimento. Em particular a privatização da electricidade levou ao aumento das tarifas em 40%, à desigualdade de tratamento dos consumidores, ao fim da tarifa única, a menos piquetes de assistência e emergência, à redução de facto da obrigação da "alimentação" a uma obrigação de "ligação". As privatizações têm significado e significam em Portugal e em outros países: eliminação de carreiras rodoviárias; chamadas telefónicas mais caras; aumento dos custos dos serviços postais; eliminação de postos de correio; fim da distribuição diária e ao domicílio do correio em zonas com menos habitantes; manutenção de elevadas e injustificadas tarifas de electricidade nos consumidores domésticos; aumento das tarifas da água; redução dos piquetes de emergência e assistência.
A prova está feita, passada a propaganda, com as privatizações perdem os trabalhadores e a população, perde o país e ganham de facto, os grandes grupos económicos.
O desenvolvimento do país, não se consegue com a economia e a vida nacional submetida, como no passado, aos interesses de um grupo reduzido de grandes grupos económicos associados e dominados pelas multinacionais.
Um elevado número de portugueses, interroga-se cada vez mais sobre as consequências deste caminho para o país.
É necessário interromper este processo.
O PCP acompanha a crescente preocupação dos portugueses com esta grave orientação e solidariza-se com a luta dos trabalhadores e da população.
O PCP aponta outro caminho.
O PCP defende uma economia mista, com a articulação dos vários sectores económicos, em que o sector privado e o sector cooperativo têm um importante papel e em que no quadro da internacionalização dos processos produtivos se aproveitem e potencializem as possibilidades de cooperação.
O PCP considera simultaneamente que o desenvolvimento de Portugal, a elevação da qualidade de vida dos portugueses, uma política de emprego e de garantia dos direitos dos trabalhadores, a qualidade e acessibilidade dos serviços públicos, uma democracia económica, política, social e cultural, a soberania nacional só são possíveis com um forte e eficaz sector público.