PCP analisa situação política e social
Conferência de Imprensa com Jerónimo de Sousa
25 de Julho de 2003

Na análise da situação política e social a Comissão Política do PCP considerou que para além do impacto dos factos e notícias mediáticas é de máxima relevância e actualidade recolocar no centro das atenções a realidade social e o seu desenvolvimento e a urgência de dar combate a medidas e a políticas que agora, e mais à frente tenderão ao agravamento dos problemas existentes.

Ainda assim, uma consideração breve sobre os processos e as questões da justiça que estão na ordem do dia.

Estamos hoje em dia confrontados com mediáticos processos em investigação, nomeadamente de criminalidade e económica, corrupção e pedofilia. Reafirmamos que é imperioso que todos estes processos sejam investigados até às ultimas consequências. E neste quadro exige-se a justiça que seja imune a todas as pressões e afirme a sua independência tendo sempre como matriz incontornável o respeito pela lei e pelos princípios constitucionais.

A ser verdade o que tem sido tornado público em relação a alguns procedimentos processuais em matéria de escutas telefónicas como fundamento de prisão preventiva e falta de esclarecimento não ajudam a prestigiar a justiça.

Lembramos que está agendado por unanimidade uma audição parlamentar para aprofundar desapaixonadamente estas questões.

O PCP continua a identificar-se com o projecto constitucional de justiça não fechando a sua disponibilidade para melhorar os instrumentos processuais que impeçam interpretações autoritárias em matéria de escutas telefónicas e prisão preventiva, e dos mecanismos que garantam a eficácia do segredo de justiça.

O processo ainda inacabado do pacote laboral, a dita reforma da Administração Pública o nível do desemprego só aparentemente estagnado pela época sazonal, as falências e o encerramento de empresas que podem aumentar no final do período de férias, conduzirão a que o último semestre deste ano seja um tempo de confronto e conflitualidade social a cuja responsabilidade o Governo não se pode eximir. Esgotam-se e banalizam-se as cenas de propaganda e o permanente sacar de culpas a outros, enquanto se mantêm e agravam os problemas nacionais e da maioria do povo português.

A Comissão Política do PCP sublinha o facto deste Governo ter cometido, como nenhum outro, tantas inconstitucionalidades em tão pouco tempo. Nas alterações em matéria de televisão, do rendimento mínimo garantido, nas regras do domínio hídrico na Madeira, nas regras sobre aposentações na Função Pública, na Lei dos Partidos Políticos e no Código do Trabalho o Governo mais do que trapalhão ou apressado teimou no confronto com a Lei Fundamental considerando-a um obstáculo. Ela não é, como o Governo e os sectores mais retrógados e conservadores do patronato afirmam, um entrave à modernidade e aos avanços da nossa sociedade mas antes um entrave à sua política direitista e às propostas de regressão social cujo exemplo se expressa na Lei do Código do Trabalho.

Neste processo ainda inacabado o PSD e o CDS-PP, perante o Acórdão do Tribunal Constitucional não permitiram a correcção das poucas normas declaradas inconstitucionais. Como que as “varreu para baixo do tapete”.

O diploma continua a conter flagrantes inconstitucionalidades designadamente na área da Contratação Colectiva já que nas alterações produzidas se acrescentou a limitação clara à liberdade sindical do trabalhador.

Certamente no futuro vamos ter muitas fiscalizações concretas de constitucionalidade resultantes do que está e da regulamentação de 46 matérias que ainda está por fazer, algumas das quais, tudo indica, em que o Governo se prepara para processar uma operação de contrabando legislativo usando a Concertação Social como instrumento e à revelia da Assembleia da República.

O PCP entende que os grupos parlamentares que contestaram a constitucionalidade de muitas das normas deste Código deveriam utilizar as prerrogativas que assistem aos deputados em matéria de fiscalização sucessiva abstracta da constittucioalidade. Por nós há a disponibilidade para avançar nesse sentido, convocando o mínimo de 23 deputados necessários para o efeito.

Independentemente das questões jurídico-constitucionais, para o PCP o código do trabalho continua a ser política e socialmente inaceitável sendo determinante que em cada empresa e sector os trabalhadores reajam e lutem contra os seus conteúdos mais nefastos e as interpretações mais abusivas que já se começam a verificar nalgumas empresas, designadamente na Cimpor, transformada em laboratório por um dos autores da proposta e agora premiado como advogado de causa patronal.

A Comissão Política do PCP analisou com profunda preocupação os possíveis desenvolvimentos e consequências desta desastrosa política económica que insiste em desvalorizar o aparelho produtivo e a produção nacional e persiste em manter e agravar o modelo de baixos salários e de precaridade.

No sector da metalomecânica pesada designadamente na ex-Sorefame a multinacional prepara-se para desactivar esta prestigiada unidade de produção, no sector naval a Lisnave-Gestenave tem o futuro ameaçado tal como o sector dos estabelecimentos fabris das forças armadas. As O.G.M.A.S são alvo de privatização com entrega ao capital estrangeiro das suas fontes mais rentáveis.

A nível das pequenas e médias empresas o número de falências e encerramentos, particularmente no comércio, tendem a aumentar sendo previsível que muitas delas não reabram no período pós-férias, em sectores estratégicos como correios, comunicações e os transportes perspectiva-se como solução a saída precoce e massiva de milhares de trabalhadores. No sector da comunicação social a insegurança e a precariedade fazem lei em praticamente todas as empresas públicas e privadas.

Com a chamada reforma da Administração Pública o Governo tem como objectivo principal não a desburocracia, a transparência, a qualidade dos serviços mas atingir o vínculo do emprego público e criar uma nova geração de trabalhadores amputados de direitos.

Recorrendo cada vez mais ao orçamento da Segurança Social para pôr em prática medidas pontuais que adiam mas não resolvem os problemas estruturais do emprego e do desemprego, o Governo está a criar condições para mais à frente exercitar a insustentabilidade do sistema da Segurança Social e avançar com a sua concepção privatizadora.

Uma política que em relação a outras executadas por governos anteriores se diferencia tão só pela agressividade contra direitos sociais e laborais conduz inevitavelmente a somar crise a crise.

Recusando a ideia que estamos perante uma fatalidade o PCP considera que, com a transformação do descontentamento em protesto e luta, com a convergência das forças sociais e políticas que não se conformam com este estado de coisas, é possível obrigar este Governo a arrepiar caminho e a começar a construir um outro rumo para a política nacional.

Os trabalhadores e a sua luta tal como doutras classes e camadas sociais fustigadas pelo executivo PSD-CDS PP serão o mais sólido alicerce dessa construção.