Investigação científica e desenvolvimento tecnológico
Intervenção da deputada Luísa Mesquita
18 de Junho de 1999
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Os Decretos-Lei 124/99 e 125/99 relativos ao Estatuto da Carreira de Investigação
Científica e ao quadro normativo aplicável às instituições que se dedicam à
investigação científica e desenvolvimento tecnológico foram objecto de pedido
de apreciação parlamentar pelo PCP por duas razões fundamentais:
Consideramos que sem transparência e sem diálogo e sem a efectiva participação
dos trabalhadores do sector, investigadores e Técnicos, não é possível revitalizar
o sector da investigação.
Os dois diplomas que hoje nos propomos analisar ignoram a efectiva participação
dos trabalhadores do sector e não tem como objectivo a revitalização do sector
público do Estado.
Estes dois decretos-lei foram repetidamente anunciados, sucessivamente protelados
e agora, sem discussão e à pressa, foram aprovados em Conselho de Ministros.
Negando à comunidade científica, aos laboratórios e às Universidades e às próprias
organizações sindicais representativas dos trabalhadores do sector, um mínimo
de tempo para poderem debatê-los e pronunciarem-se sobre eles.
O panorama do sector científico e tecnológico nacional é preocupante e exige
medidas urgentes e não reformas virtuais no papel como aquelas que hoje temos
aqui para apreciação.
A despesa per capita de investigador em Portugal corresponde a 37,5% da
média europeia.
A situação dos grandes laboratórios de estado é hoje pior do que era quando
o actual governo tomou posse e assim continuará se nada for feito para a alterar
no domínio do financiamento.
Há laboratórios com défices acumulados de muitas centenas de milhar de contos.
Há impedimentos de recrutamento de novos técnicos e investigadores.
Há impossibilidade de substituir técnicos e investigadores que atingem a idade
de reforma.
Há património em risco por incúria e irresponsabilidade, apesar da boa vontade
de quem trabalha nas instituições.
As avaliações feitas são claras. Vejamos algumas das recomendações formuladas
em 1997 pelo Comité Internacional de Aconselhamento que avaliou durante um ano
os Laboratórios do Estado.
"Recomenda-se que as autoridade portuguesas considerem as actividades de I e
D (...) como um investimento para a nação e procedam, o mais rapidamente possível,
a um "descongelamento" da admissão de pessoal qualificada de I e D."
"Na maioria dos casos, os laboratórios do Estado estão subfinanciados. as autoridades
portuguesas deveriam disponibilizar mais fundos".
"Em particular, é preciso:
- evitar a concorrência desleal com as instituições privadas, separando claramente as funções de arbitragem e de desempenho no terreno da investigação."
- "recomenda-se que as autoridades portuguesas deveriam introduzir maior flexibilidade nas actividades dos Laboratórios do Estado, adoptando estruturas diferentes para cada Laboratório e adaptando melhor a organização às suas missões específicas;"
- "O Comité recomenda às autoridades portuguesas que tomem a iniciativa de promover urgentemente uma consulta apropriada, com base na qual o Governo poderá tomar decisões."
No entanto e apesar dos compromissos assumidos publicamente pelo Governo, só dois anos depois da avaliação e no fim da Legislatura, aparece um pacote legislativo sobre matérias fundamentais do sistema científico e tecnológico.
No entanto e apesar das avaliações e do atraso, os diplomas são desadequados, não só porque ignoram a situação do sector, como ignoram a sua importância estratégica para o futuro do país.
Relativamente às recomendações feitas, pós processo de avaliação, poder-se-ia concluir que o Governo avaliou os laboratórios do Estado, não para os viabilizar mas para saber exactamente o que deveria ser feito para os destruir.
Só assim se entende que os diplomas que sujeitamos a apreciação parlamentar, se estruturem em pressupostos exactamente contrários àqueles que a avaliação e a realidade exigem.
No que se refere ao decreto-lei, relativo às instituições de cariz científico e tecnológico, o Governo optou pela concorrência desleal entre o sector público e privado, confundindo intencionalmente os dois sectores.
Teria sido uma matéria, relativamente à qual haveria todo o interesse em vê-la debatida na Assembleia da República.
Aliás, era esse o entendimento que o próprio Governo tinha há dois anos quando informou a Assembleia de que no ano seguinte iria propor a revisão da Lei nº 91/88 sobre Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico e apresentar uma proposta de lei sobre Laboratórios do Estado.
No entanto, o que temos hoje é um decreto-lei uniformizador do ponto de vista organizativo, juridicamente esquemático e continuando em vigor, transformar-se-á, a curto prazo, numa autêntica camisa de forças.
As instituições públicas de investigação e as instituições particulares são colocadas no mesmo plano de igualdade, viabilizando-se o financiamento público das actividades de investigação desenvolvidas no domínio privado.
Não se ignora que entre as instituições particulares há muitas que possuem de facto natureza pública.
Mas quando seria lícito esperar uma política de clarificação da situação e de assumpção das responsabilidades do Estado, assiste-se a um processo de sentido inverso, ou seja, de consolidação de uma situação que nasceu no essencial como uma solução de recurso para contornar dificuldades resultantes da má gestão do sistema, e que deu origem a uma erupção de entidades para-públicas.
Por isso defendemos, ao contrário do que faz o decreto-lei, a necessidade de clarificação do que é público e do que não é, e de ser regulado o que é público, consagrando-o com a vocação e o destino que esse carácter público lhe confere.
Por isso propomos a imediata cessação de vigência deste decreto-lei.
No que se refere à carreira de investigação, formulada pelo DL nº 124/99, apresentamos um conjunto de propostas que pretendem repor, minimamente, as opiniões da comunidade científica que se viu impedida de participar na construção do seu próprio estatuto de carreira.
O decreto-lei tem erros de concepção e enferma de deficiências que poderão agravar as dificuldades sentidas nas instituições de investigação, fundamentalmente, por ignorar a natureza dos objectivos, missões e necessidades de funcionamento das unidades de investigação.
Algumas das alterações de fundo defraudam as legítimas expectativas dos investigadores e não correspondem a necessidades das instituições.
Dado o pouco tempo de que dispomos, referiremos somente alguns aspectos.
O diploma suprime as categorias de formação da carreira - de estagiário e de assistente de investigação.
As medidas transitórias e os processos de recrutamento propostos configuram uma situação de dois regimes - um para quem já se encontra na carreira e outro para quem chega de novo.
A não consagração de quadros circulares com dotações globais e não por categorias, representa um retrocesso em relação ao que já é praticado em algumas instituições.
Quando os órgãos de gestão da instituição tomam a decisão de abrir um concurso para recrutamento de investigadores, começam por formar o júri e só depois se define a substância do concurso; isto é, o conteúdo funcional do posto de trabalho e o perfil dos candidatos, sendo o júri formado por uma maioria de membros estranhos à instituição.
Portanto, os órgãos de gestão ficarão ausentes da definição das características do lugar e do perfil dos candidatos escolhidos.
Muitos outros são os aspectos merecedores de alteração urgente, mas o tempo não nos permite enunciá-los todos.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:
Esperamos que a comunidade científica portuguesa possa contar com esta Assembleia.
Disse.