Estatuto do Mecenato Científico
Intervenção de Luísa Mesquita
15 de Abril de 2004
Senhor Presidente
Senhora Ministra
Senhoras e Senhores Deputados
Pela terceira vez, no espaço de três meses, e agora finalmente com um texto, vem a Sr.ª. Ministra falar do Mecenato Cientifico.
E o que é isto do Mecenato da Ciência.
Que implicações terá no cada vez mais fragilizado sistema científico nacional
As novidades previstas na proposta de lei do governo, os chamados incentivos não fiscais, são sobretudo “incentivos morais”.
O texto consagra a atribuição de uma medalha, ou melhor de uma certificação ao Mecenas, assegura ao Mecenas a presença nominal numa rede, on-line, do Mecenato, exceptuando desta visibilidade pública os Mecenas que optarem pelo anonimato e atribui ao Mecenas, “anualmente, em cerimónia pública, promovida pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, os Prémios Mecenas”.
Quanto aos incentivos fiscais nada de significativo se acresce relativamente ao decreto-lei nº 74 de 1999.
Retocam-se alguns números e retira-se o mecenato científico e tecnológico de um diploma e produz-se um texto próprio para esta área.
Se de textos próprios, de medalhas e de cerimónias mediáticas vivesse a ciência e a tecnologia no nosso país, talvez esta decisão pudesse ser entendida como uma medida.
Mas não é de declarações de intenções – escritas ou orais – em Óbidos ou na Assembleia da República que o sistema nacional necessita.
Antes, pelo contrário, anseia sim, com urgência, um conjunto de medidas que resolvam os graves problemas que definham e estrangulam, nesta área, como em outras, o país.
No entanto, o governo e naturalmente a Sr.ª Ministra consideram que esta proposta é um antídoto determinante para a maioria das maleitas do sistema científico.
E a Sr.ª Ministra acrescenta que “A razão é simples: a União Europeia definiu como objectivo aumentar o esforço europeu de investigação e desenvolvimento para 3% do PIB da União até 2010” e o Mecenato Cientifico é a resposta.
De facto a situação em Portugal é de penúria nesta área, porque não andaremos longe de um total de 0,8% do PIB relativamente às despesas de I&D de 0,2% a 0,25% para o sector das empresas.
Ora, neste sentido e com o objectivo de melhorar estes dados, a Comissão Europeia propõe que seja aumentada a percentagem da despesa com actividades de investigação e desenvolvimento executadas nas empresas e financiadas pelas empresas.
Como é fácil de verificar isto não é uma questão de mecenato, nem se resolve com o fomento de mecenas.
Neste caso, dos mecenas, estamos a falar de contribuições financeiras para custear actividades de I&D executadas por outrem que não aquele que disponibiliza o bem em espécie.
Não se entende por isso como é que este instrumento pretende ajudar a alcançar a meta definida pela Comissão Europeia.
Convém ainda referir que, na maioria dos países, os governos têm vindo a financiar alguma investigação nas empresas exactamente com o objectivo de fomentaram essas actividades de investigação e desenvolvimento no seio das empresas.
Por exemplo, na União Europeia, o valor médio da despesa com a I&D executada pelo sector privado era, em 2001, de 65,3% da despesa total e o esforço das empresas ficava-se apenas pelos 56,3%.
De facto o que está em causa na proposta da Comissão Europeia é o aumento do respectivo investimento em actividades de investigação e desenvolvimento executadas nas próprias empresas e não o financiamento pelas empresas destas actividades em qualquer outro sector, nomeadamente no sector público.
A não ser que o que o governo pretenda seja, exclusivamente, poupar dinheiro, levando o sector privado a pagar projectos que o sector público executaria, subordinando os interesses nacionais às necessidades do mundo empresarial.
Pensamos que o caminho é outro.
Deve ser mantido um forte sector público de I&D, propiciando uma permanente e sustentada inovação nas actividades de investigação e simultaneamente disponibilizando-as para as empresas.
Senhor Presidente
Senhora Ministra
Senhoras e Senhores Deputados
Os problemas do sistema científico e tecnológico são reais e a ausência de medidas adequadas às necessidades continuará a determinar o nosso atraso.
Mais importante que a exibição mediática das intenções e o irrealismo de algumas afirmações seria a solução dos problemas e esses são muitos.
Os Laboratórios de Estado estão financeiramente estrangulados, porque o Governo decidiu sentenciar-lhes o fim da autonomia e o decréscimo dos orçamentos.
Os bolseiros de investigação são hoje trabalhadores precários, sem direitos, que dão respostas permanentes ao sistema mas com uma bolsa não actualizada desde 2002.
As parcas condições de trabalho são denunciadas por diversos responsáveis quer de Laboratórios, quer de Centros de Investigação Universitária.
Senhora Ministra, a comunidade científica está atenta.
O Governo não pode distribuir adornos em vez de medidas, senão sujeita-se a ouvir o que afirmou o astrónomo holandês do Observatório Astronómico de Lisboa a propósito da fuga para o estrangeiro dos investigadores portugueses e do complemento financeiro para os investigadores com 100 artigos científicos publicados em revistas internacionais.
Diz o investigador:
“Quem tem 100 artigos, ou não faz mais nada na vida, ou já está no fim da carreira, e tem emprego fixo.
A aposta passa por fixar em Portugal os jovens formados lá fora que têm 30 a 40 anos e não têm 100 artigos publicados.
Não podemos viver de bolsas que são temporárias. O problema é colocar as pessoas em estruturas institucionais a sério, com contrato.”
E quanto à medida considera-a “uma piada de mau gosto”.
Disse.