Sobre a reunião do Comité Central
Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
24 de Agosto de 2004

 

Esta reunião teve lugar a poucos dias da Festa do Avante! onde o Partido fará uma intervenção mais global sobre a actual situação política.

Mas é uma evidência que o actual governo é a continuação do governo anterior, um governo remodelado que inclui o Primeiro-ministro, apesar deste se procurar diferenciar para efeitos propagandísticos e para se libertar de uma imagem desgastada e desacreditada da política de direita que as eleições para o Parlamento Europeu evidenciaram e confirmaram.

É nesse sentido por exemplo, que Bagão Félix nos informa que afinal a situação das finanças públicas – é pior do que até à data era revelado – para a opinião pública por parte da anterior ministra. Esta revelação visa também criar as condições psicológicas para continuar a política de “aperto do cinto” às massas populares.

É também nesse sentido que o actual governo se desculpa com a anterior equipa da Educação em relação ao acidentado processo de colocação dos professores e às legítimas preocupações manifestadas por muitos sobre a abertura do novo ano escolar.

Não tendo nada para oferecer ao povo e ao país dada a sua política de concentração da riqueza, a grande preocupação deste governo é o marketing político, a propaganda, a imagem do Primeiro-ministro, os assessores de imprensa. Vender ilusões, promessas e futuros risonhos!

A manutenção e acentuação das políticas de direita vai continuar a travar a recuperação económica e agravar a situação social do país. Sem um forte impulso no investimento público e privado, sem o alargamento do mercado interno através de uma melhoria na distribuição do Rendimento Nacional e o aumento das exportações não haverá retoma firme e sustentada, nem melhoria das condições sociais. Entre os países da “coesão” da União Europeia, Portugal é o país em que o poder de compra menos progrediu desde 1995. Entre 1995 e 2003 o poder de compra dos portugueses passou de 73% para 75%, enquanto em Espanha passou de 87% para 95%! E isto são médias o que significa que em Portugal milhares de portugueses viram o seu poder de compra regredir.

O combate ao desemprego, à pobreza e à acentuação das desigualdades não se faz com propaganda nem com medidas populistas. Mas com uma nova política.

O euro e a sua valorização, a institucionalização dos critérios de convergência no pacto de Estabilidade e a sua aceitação seguidista, a subserviência em relação às orientações políticas e económicas da União Europeia, Política Agrícola Comum (PAC), Política Comum de Pescas (PEC), continuam a ampliar os problemas e fragilidades da economia nacional e acentuam a sua dependência e os seus défices estruturais.

O combate a esta política é um imperativo nacional.

A reunião do Comité Central debateu e aprovou também as Teses/projecto de Resolução Política – a serem agora debatidas em todo o Partido e que constituem um documento simultaneamente de desenvolvida análise da evolução verificada nos últimos quatro anos e de definição de orientações para o futuro próximo e através do qual o Comité Central efectuou também perante o Partido uma detalhada prestação de contas sobre a actividade desenvolvida. O Comité Central aprovou ainda alterações pontuais aos Estatutos que se referem no essencial, à consideração da Comissão de Controlo como órgão de jurisdição, à explicação de funções do Secretariado em matéria de administração de património e dos recursos financeiros, ao estabelecimento de um prazo para recurso e à indicação dos sítios internet e edições electrónicas como imprensa do Partido.

A estrutura das Teses desenvolve-se em quatro capítulos a saber: situação internacional; situação nacional; luta de massas e intervenção do Partido, condições para uma alternativa; o Partido.

Na situação internacional considera-se que o XVII Congresso do PCP se realiza no contexto de uma violenta e generalizada ofensiva do imperialismo – designadamente da Administração Bush – em que a instabilidade e a incerteza dominam as relações internacionais, com tempos de grandes recuos e perigos de retrocesso histórico, mas também de forte resistência e potencialidades revolucionárias.

As consequências negativas da globalização capitalista, as guerras ditas preventivas (Iraque), o agravamento da exploração do militarismo e da guerra encontra também pela frente a diversificada resistência e a luta das forças progressistas dos trabalhadores e dos povos. O movimento «antiglobalização» contra o neoliberalismo e a guerra, apesar do seu carácter social e politicamente heterogéneo tem objectivamente um conteúdo anti-imperialista e anti-capitalista que é necessário desenvolver.

Quanto à frente anti-imperialista, muito ampla e muito diversificada, apresenta um grau de dispersão de objectivos e formas de intervenção que é importante superar.

Acentua-se também a contradição entre os extraordinários avanços científicos e técnicos e o agravamento das chagas sociais e dos problemas ambientais.

O capitalismo não se revela apenas incapaz de dar solução aos problemas dos trabalhadores e dos povos está sim, a agravá-los numa escala sem precedentes.

Na situação nacional, o projecto de Resolução Política conclui que os últimos quatro anos ficam marcados pelo prosseguimento, com graus e aprofundamentos diversos, da política de direita, pela derrota do governo e pela criação de um novo quadro político determinado pela formação de governo de coligação PSD/CDS-PP dispondo de uma maioria absoluta de deputados na Assembleia da República.

É um facto evidente que o êxito eleitoral dos partidos de direita está indissociavelmente ligado à política de direita nas questões mais essenciais levada a cabo pelos governos do PS e que o resultado obtido por aqueles partidos, mais do que qualquer genuíno processo de adesão popular às suas propostas, traduziu essencialmente uma capitalização do descontentamento por essa política.

A formação e entrada em actividade do governo PSD/CDS-PP representou uma evolução muito negativa na vida política nacional, com consequências muito gravosas para o povo e para o país

É neste quadro que se devem compreender as ideias económicas dominantes para «vender» como inevitáveis as políticas de contenção da despesa pública e de favorecimento dos grupos económicos e interesses privados; a teoria do menos Estado para justificar a redução das responsabilidades sociais e da garantia de direitos essenciais à vida; a imposição do conceito de poluidor-pagador em áreas de prestação de serviços básicos como o da água e saneamento, convertendo-os em direitos de propriedade comerciáveis e objecto de exploração lucrativa; a apresentação de direitos universais (direito à reforma, ao subsídio de doença e desemprego ou a outras prestações de apoio familiares) como benesses ou regalias indevidas que devem ser eliminadas para melhor retribuir os pobres e necessitados; a contraposição do conceito de trabalho ao de emprego considerando este, compreendido como estável, obsoleto e inadequado às actuais exigências económicas; o incentivo à contraposição entre os que têm emprego e os que o não têm, entre os que têm vínculos e os que engrossam o contingente do trabalho precário.

Na actual situação o PCP reafirma também que no quadro da União Europeia a defesa da soberania nacional constitui um valor fundamental e vector estratégico para a defesa dos interesses nacionais, na construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, aberta ao mundo, de paz e solidariedade.

O PCP defende e continuará a bater-se por um outro rumo para a União Europeia.

Uma Europa como livre união de Estados soberanos, iguais em direitos, empenhados na convergência económica e no progresso social, na promoção da paz e de uma cooperação exemplar com todos os povos do mundo.

Em relação à situação social é uma evidência que o nível de vida, já hoje manifestamente baixo quando comparado com outros países europeus, designadamente em matéria de rendimentos, valor de salários e protecção social, conheceu novas restrições e agravamentos com o governo de direita.

O aumento do desemprego verificado nos últimos dois anos, que ascende segundo dados recentes a mais de meio milhão, e o alargamento do número de desempregados de longa duração atingem particularmente os jovens e as mulheres.

O endividamento das famílias portuguesas, estimulado pelos interesses das instituições financeiras, pela especulação bolsista, pela ausência de uma política de habitação alternativa à aquisição de habitação própria e pelo fomento irresponsável a um consumo com recurso a dinheiro fácil, atinge níveis preocupantes, hipotecando em muitos casos o futuro e a estabilidade financeira de centenas de milhar de famílias.

A pobreza, um flagelo social encontra nas políticas de direita e distribuição do Rendimento Nacional a favor do capital um factor para a sua persistência e agravamento.

Não é possível olhar para a questão da pobreza sem deixar de observar que os salários, pensões e reformas constituem a principal fonte e meio de vida para cerca de 76,4% dos portugueses com mais de 15 anos, dos quais 52,6% dependendo do rendimento de trabalho, 23,8% de pensões e reformas, 17,7% de apoio familiar e de 3,7% de subsídios de desemprego, de acidentes de trabalho, doenças profissionais, rendimento de inserção social e outros apoios de natureza social.

A política necessária que o Partido defende de acordo com o seu Programa, implica a ruptura com as políticas de direita e exige a realização de uma política que tenha como grandes objectivos estratégicos resolver os principais problemas do país, responder aos anseios e aspirações da maioria dos portugueses e aprofundar o regime democrático.

A luta de massas, com destaque para a luta dos trabalhadores, em que novas camadas de assalariados se têm vindo a incorporar, dando maior dimensão e mais força à luta, constituiu um factor determinante no combate à política de direita e um elemento insubstituível na defesa dos direitos dos trabalhadores e na elevação da sua consciência social e política.

Tendo como perspectiva e referência o seu projecto e a sua proposta programática de uma democracia avançada e pelo socialismo, a luta por uma alternativa política pela qual o PCP se bate é indissociável da luta por uma política alternativa à política de direita que cíclica e continuadamente tem vindo a ser desenvolvida por sucessivos governos.

Reafirmando a sua disponibilidade para o diálogo político e na perspectiva da construção e concretização de uma alternativa no quadro das instituições democráticas e do regime constitucional, o PCP assume o seu papel como força portadora de uma verdadeira alternativa com capacidade e aptidão para o exercício de responsabilidades governativas, mantendo uma linha de iniciativa e proposta tanto no plano das políticas como de soluções governativas que considere necessárias e que sejam do interesse dos trabalhadores, do povo e do país.

Quanto ao reforço da iniciativa política do partido e da sua intervenção as Teses salientam também que é necessário alargar a compreensão de que a militância, a participação de cada militante, é o elemento decisivo da força do Partido e que é necessário assegurar que um maior número de membros do Partido assuma tarefas regulares ou permanentes por pequenas que sejam, aproveitando as disponibilidades e capacidades de cada militante e encorajando a sua iniciativa. A Festa do Avante! é um bom exemplo de uma importante iniciativa impossível de concretizar sem a militância e a contribuição de milhares de militantes.

Intensificar o recrutamento de novos militantes, garantindo a sua integração e responsabilização é da máxima importância. Assim como a necessidade de se promover uma melhor integração dos membros do Partido em organismos, assegurar formas que facilitem a participação regular, com prioridade para o enquadramento daqueles que têm acção militante, reforçar as estruturas (de contacto, distribuição da imprensa partidária, recebimento de quotização, etc.) e alargar o recurso a outras formas que permitam uma maior ligação ou contacto com o conjunto dos membros do Partido (correio, telemóvel — SMS, correio electrónico).

As Teses/projecto de PCP serão publicadas como suplemento no Avante! de dia 2 e serão objecto de debate, alterações e emendas até ao Congresso que depois soberanamente o apreciará.