Sobre a reunião do Comité Central
Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-geral
do PCP
14 de Fevereiro de 2004
1.
Portugal está perante uma grave e perigosa ofensiva do Governo PSD/CDS, que visa atingir a matriz fundamental do próprio regime democrático e enfraquecer a democracia nas suas diversas vertentes. A maioria PSD/CDS, na continuidade de decisões e medidas das políticas de direita de outros governos, tem vindo a atacar sistematicamente pilares fundamentais da democracia conquistados com a Revolução dos cravos, procurando limitar direitos essenciais dos trabalhadores e do povo português, num verdadeiro ajuste de contas com o 25 de Abril, a que se junta frequentemente um discurso impregnado de referências saudosistas e de extrema-direita.
O Comité Central alerta para a descarada submissão do poder político ao poder económico no nosso País, como se constata no acolhimento na política do Governo das exigências dos grandes grupos económicos, em especial no ataque aos direitos dos trabalhadores e na privatização de funções e áreas de interesse público.
Também o ataque à Administração Pública e o insulto aos seus trabalhadores encetado pelo Governo, a que se junta a continuação do programa de privatizações, tem por objectivo uma profunda limitação, designadamente, das funções sociais do Estado (saúde, ensino, segurança social), restringindo severamente o seu papel como instrumento para a promoção da igualdade real entre os portugueses, para a efectivação dos seus direitos e para a melhoria das condições de vida. A ofensiva contra a Administração Pública, assente na profunda degradação do estatuto dos seus trabalhadores, na diminuição consecutiva dos seus salários e na privatização de funções e serviços públicos fundamentais, especialmente nos sectores sociais, acarretará, não a modernização e uma maior eficiência, mas sim o compadrio, a partidarização e um sério empobrecimento democrático, desguarnecendo direitos fundamentais dos portugueses.
2.
O agravamento da situação nacional como resultado das medidas do Governo PSD/CDS-PP, provoca o crescente descontentamento, o desenvolvimento da resistência e da luta envolvendo amplos sectores e camadas sociais, conduzindo a um maior isolamento e fragilização social do Executivo de direita.
Exemplo flagrante da natureza da política governamental foi o facto de, na sequência do congelamento e diminuição em termos reais, dos vencimentos da Administração Pública e, no próprio dia em que foi decidido, mais um aumento dos preços nos transportes (o dobro da taxa de inflação oficial), os bancos terem anunciado lucros de milhões de euros em 2003.
O PCP, no quadro da sua intervenção e iniciativas políticas, não só se empenhará no esclarecimento, na mobilização e na luta dos trabalhadores, como coloca na ordem do dia a necessidade de uma política alternativa e uma alternativa política de esquerda que rompa com o mero rotativismo, com a opção da «alternância» entre a direita e o PS. Alternância não é alternativa.
3.
O Comité Central do PCP chama a atenção dos portugueses para o significado político e ideológico dos apelos para «pactos» e «compromissos» em torno das finanças públicas (gestão plurianual do Orçamento do Estado / cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento) ou de um «novo modelo económico» a serem subscritos pelos partidos políticos, estruturas patronais e outras entidades que agora tiveram um mediático remate com o «Encontro do Convento do Beato», de uma dita nova geração de empresários, economistas, boys do PSD e alguns dirigentes partidários que, pelas medidas rançosas que apresentaram, são o espelho fiel das razões pelas quais o país com estas ditas elites e com as políticas de direita se encontra nesta situação, o mais atrasado da União Europeia.
Os apelos feitos pelos representantes do grande capital nacional e por alguns dos responsáveis pelas políticas económicas dos últimos anos nos governos PSD e PS, assumem na actual situação de recessão económica do País e de agravamento brutal das condições de vida da generalidade dos portugueses, um triplo papel: a tentativa de absolver a política de direita de sucessivos governos, e em particular as suas políticas económicas, pelo estado em que o País se encontra; procurar garantir, no actual contexto de crise, que os seus custos continuem a sobrecarregar os trabalhadores, reformados, pequenos empresários, mantendo chorudos lucros para o capital financeiro e especulativo; e a intenção de assegurar para um horizonte de médio prazo e ao abrigo de sobressaltos eleitorais, a continuidade das políticas de direita e enraizamento da ideologia neoliberal, na configuração de um modelo socioeconómico para o País, à revelia da Constituição da República. O que é muito visível em requentadas propostas do dito «Compromisso Portugal» tais como: liberalização total dos despedimentos; uma ainda maior flexibilidade, da continuação da moderação salarial durante mais três anos; aprofundamento do princípio do cidadão consumidor-pagador na saúde e na educação, e outras pérolas.
A este respeito, o Comité Central do PCP denuncia a mistificação apresentada o que constitui fazer do nível da despesa pública ou da insuficiente liberalização do mercado problemas centrais do País. O País tem de facto, e sobretudo, um grave problema de receitas públicas decorrente da dimensão da fuga e evasão fiscais.
O País tem de facto um grave e enorme problema de produção. Um défice produtivo responsável pelos grandes desequilíbrios das contas externas e endividamento, com a invasão do mercado nacional, subcontratação e atrofiamento da rendibilidade das empresas nacionais pela concorrência estrangeira.
Não é aceitável que os responsáveis pelas políticas económicas dos últimos 25 anos – perda de importantes sectores industriais e um perfil industrializado desvalorizado, entrega de alavancas fundamentais da economia ao estrangeiro no processo criminoso das privatizações, ruína da agricultura e pescas nacionais e destruição da Reforma Agrária, gestão danosa de centenas e centenas de milhões de contos de fundos comunitários, condução de uma política orçamental subordinada aos critérios de Maastricht e do Pacto de Estabilidade – venham agora lavar as mãos e exigir mais do mesmo para intensificar a exploração e continuar a assegurar os seus privilégios económicos e sociais.
4.
O Comité Central salienta a grande importância do debate que, a 3 de Março, por iniciativa do PCP e com base no agendamento potestativo do seu projecto de lei, se vai realizar na Assembleia da República sobre a despenalização do aborto.
Com efeito, esse debate representa um novo e crucial momento no longo processo de luta contra a manutenção na sociedade portuguesa do flagelo do aborto clandestino, de uma situação e de normas legais que são uma intolerável ofensa à dignidade da mulher que o julgamento em curso em Aveiro veio de novo pôr em dramática evidência, de uma oportunidade de confrontar os partidos de direita com as suas responsabilidades e hipocrisias, e de fazer avançar elementares valores de civilização que congregam um vasto apoio na sociedade portuguesa.
O Comité Central do PCP sublinha que é tempo de, em Portugal, não se perder mais tempo depois do que, chocantemente, se perdeu quando, em 1984, existindo na Assembleia da República uma folgada maioria de deputados comunistas e socialistas, um projecto de lei do PCP (similar ao que hoje é também apresentado pelo PS), foi reprovado graças aos votos contra e abstenções de deputados do PS; quando, em 1997, existindo igualmente uma maioria de deputados comunistas e socialistas, um novo projecto de lei foi derrotado por um voto; e, finalmente, quando, em 1998, a aprovação de um projecto de lei de despenalização foi sabotada por um acordo entre PS e PSD para a convocação de um referendo, que se concluiu com uma vitória tangencial do não, mas que, não tendo tido carácter vinculativo, devolveu à Assembleia da República a sua inteira liberdade de decisão.
O Comité Central reafirma a profunda e convicta vinculação do PCP à ideia da plena e inquestionável legitimidade, hoje com uma maioria de direita na Assembleia da República mas também amanhã com uma diferente maioria, de a Assembleia da República aprovar uma lei de despenalização do aborto, sendo de insistir a este propósito que nada na Constituição dispõe no sentido de que só com um novo referendo se pode legislar sobre assunto objecto de anterior referendo, e que nenhum partido, nos projectos de revisão constitucional recentemente apresentados, propôs a introdução na Constituição de tal princípio ou obrigatoriedade.
O Comité Central apela vivamente a todos os democratas para que, independentemente de diferenças de opinião sobre o caminho e os métodos para se alcançar a despenalização do aborto, tendo em vista no imediato o debate na Assembleia da República em 3 de Março, intensifiquem e fortaleçam, por todas as formas, as acções e iniciativas em torno da justa e inadiável reclamação da aprovação de uma lei de despenalização do aborto.
5.
O Comité Central expressa a sua oposição à anunciada participação de Portugal nas operações da NATO no Afeganistão, transmitida previamente à comunicação social, em desrespeito pela Assembleia da República e Estatuto da Oposição. Esta participação está ao serviço de objectivos que nada têm a ver com os interesses do povo português e a causa da paz, e é tanto mais chocante quando, ao mesmo tempo que Portugal avança para o Afeganistão, se assiste ao desinvestimento na cooperação com os PALOP e o abandono dos seus compromissos para com Timor. Qualquer que seja a justificação, trata-se de um novo passo na escalada de envolvimento de Portugal na estratégia agressiva da Administração Bush a que urge pôr termo. Perante a irrecusável confirmação de que a guerra de ocupação do Iraque – ilegal, ilegítima e injusta – foi desencadeada com base numa escandalosa montanha de falsificações e mentiras, o Comité Central considera que o Governo do PSD-CDS/PP não pode ficar impune das pesadíssimas responsabilidades que tem nesta matéria, e que o seu vergonhoso comportamento constitui uma razão acrescida para a intensificação da luta pelo regresso do contingente da GNR, a retirada das tropas invasoras e a devolução ao povo iraquiano da sua soberania nacional. Durão Barroso mentiu aos portugueses e até hoje ainda não deu explicações ao país sobre as tais armas de destruição maciça. E é significativo que a maioria de direita na Assembleia da República tenha impedido o debate de urgência sobre estas matérias com o Primeiro-ministro.
6.
O Comité Central do PCP, tendo em conta a extraordinária gravidade de ofensiva governamental, o amplo descontentamento popular existente face ao governo de direita e a proximidade de eleições para o Parlamento Europeu, apela a todos os militantes e organizações para que, nos próximos meses, através de múltiplas iniciativas e formas de intervenção, concentrem esforços para a concretização de um período de grande afirmação política do PCP, do valor da sua intervenção e propostas, do seu papel na oposição à desastrosa política de direita e na luta por uma nova política, e da importância do seu reforço político e eleitoral como condição essencial para as mudanças que é necessário conquistar, a bem do povo e do País.
O Encontro Nacional do PCP sobre as eleições do Parlamento Europeu, marcado para 28 de Fevereiro em Lisboa, terá que constituir um momento relevante no envolvimento dos quadros e organismos do Partido, e na definição das orientações e objectivos fundamentais desta batalha eleitoral. Por outro lado, todas as acções e reuniões com membros do Partido e activistas da CDU, inclusive as projectadas iniciativas viradas para as comemorações do Aniversário do PCP, deverão ter em conta aquelas preocupações, estabelecendo as articulações necessárias entre os seus objectivos específicos e a organização e dinamização da campanha eleitoral.
Na perspectiva das próximas eleições para o Parlamento Europeu, o Comité Central considera necessário advertir desde já para que o PS que, em matéria de integração europeia, defende concepções políticas e propostas praticamente idênticas às do PSD, procura inculcar a ideia falsa e enganosa de que, para assegurar a derrota da coligação PSD-CDS e o castigo eleitoral do seu Governo, seria necessário que o PS fosse o mais votado.
A este respeito, o Comité Central sublinha a importância de um vasto e firme esclarecimento de que a derrota da coligação de direita será conseguida, não pelo facto de o PS ser o partido mais votado, mas pelo facto de a direita obter uma minoria de votos face à maioria de votos no conjunto dos partidos da oposição, que a votação na CDU será sempre uma contribuição segura para a derrota da direita coligada e que será o reforço eleitoral da CDU que constituirá o mais forte sinal político e eleitoral de exigência de uma mudança política no País.
Iniciativas para as quais se apela o apoio ao Partido
— A jornada nacional de informação e esclarecimento que, com o lema «Mais força ao PCP para dar a volta a isto!», se realizará de 25 de Fevereiro a 13 de Março.
— A intensificação das acções e lutas dos trabalhadores e outras camadas sociais atingidas pelas políticas de direita. Assume particular importância a jornada nacional de luta marcada para 11 de Março pela CGTP-Intersindical Nacional.
— A realização de um conjunto de iniciativas pela paz, no dia 20 de Março, integrada numa grande jornada internacional contra a guerra de ocupação do Iraque e pela paz.
— As acções de luta dos estudantes do ensino secundário, no próximo dia 19 de Fevereiro, a decorrer em vários pontos do País, e as iniciativas de luta dos estudantes do ensino superior durante o mês de Março, com destaque para a manifestação nacional em Lisboa, no dia 24.
— A concretização de grandes comemorações dos 30 anos do 25 de Abril que, reafirmando a actualidade das suas conquistas e dos seus valores, possa constituir um momento particularmente significativo de repúdio popular dos objectivos antidemocráticos e de regressão social do governo de direita.
O Comité Central fixou também como local da realização do XVII Congresso, marcado para 26, 27 e 28 de Novembro de 2004, o Complexo Municipal de Desportos de Almada e deverá aprovar, no final dos seus trabalhos de hoje, uma resolução sobre a preparação do XVII Congresso, detalhando as três principais fases em que ela decorrerá.