Comunicado do Comité Central do PCP
14 de Novembro de 1998

 

Na sua reunião de 14 de Novembro de 1998, o Comité Central do PCP analisou os resultados do referendo de 8 de Novembro, debateu aspectos centrais da situação política nacional e as tarefas do Partido no futuro imediato, com a perspectiva do fortalecimento da sua intervenção em defesa dos interesses populares, da resposta a prementes problemas do país e da afirmação de uma política de esquerda alternativa à política do Governo do PS cujos eixos fundamentais têm sido apoiados pelo PSD e pelo CDS-PP.

I
O referendo sobre a regionalização


1. O Comité Central do PCP sublinha o carácter negativo dos resultados do referendo de 8 de Novembro, verificados em condições particularmente difíceis, e que provavelmente comprometerão por largo tempo a concretização da regionalização administrativa do Continente.

Ao mesmo tempo, o CC considera que os comunistas têm legítimas razões para se orgulharem de terem lutado e actuado com coerência, de acordo com os seus compromissos programáticos e com os seus princípios, favoráveis à descentralização e à democracia participativa, e em unidade e cooperação com múltiplos movimentos de opinião, onde a participação dos comunistas se mostrou essencial para o seu desempenho e para a coordenação da sua acção. São igualmente significativas as vitórias do «sim» na região do Alentejo, no distrito de Setúbal e em municípios e freguesias de outras regiões, mostrando o papel da influência do PCP e os efeitos positivos da sua combativa intervenção nesta campanha.

O Comité Central saúda todos os militantes e organizações do Partido que, com grande sentido de responsabilidade, contribuíram activamente para erguer uma campanha de grande vigor e seriedade, que prestigiou o PCP.

2. O Comité Central considera oportuno recordar que o PCP se opôs frontalmente à imposição, feita através da última revisão constitucional, por acordo do PS com o PSD e o PP, da obrigatoriedade de um referendo prévio à concretização da regionalização e que o PCP não apoiou a decisão tomada pelo PS em 29 de Junho, novamente com o PSD e o PP, de propor ao Presidente da República a convocação deste referendo.

Sem prejuízo de outros factores, o Comité Central salienta que, para a expressiva vitória do não, terão concorrido, de forma conjugada, a real complexidade da questão em debate e a sua sujeição a referendo; o desgaste provocado pelos compromissos, comportamentos e atitudes do PS ao longo de dois anos; a falta de informação, as confusões e incompreensões muito generalizadas quanto à verdadeira natureza e efeitos das regiões administrativas propostas e uma campanha do «não» (e designadamente do PSD e do CDS-PP), deliberadamente apostada na difusão e exploração de medos e no recurso à mentira e à demagogia mais primárias.

3. O PCP não abandonará o combate pelos valores da democracia, da descentralização, do desenvolvimento justo, participado e harmonioso, no qual se insere o combate pela regionalização.

Pela sua parte, o PCP prosseguirá a sua batalha de sempre pelo reforço dos municípios e freguesias, tal como sempre fez, quer em matéria de atribuições e competências, quer em matéria financeira, quer em matéria associativa, quer em relação à participação em unidades de gestão e em Programas Operacionais de Desenvolvimento. Mas sublinha que estas medidas são complementares e não alternativas à regionalização e recorda que os mesmos que agora hipocritamente as afirmam defender são os mesmos que as combateram, ao longo dos anos, quando o PCP e os municípios as defenderam.

II
Alguns aspectos da situação política económica e social

1. O Comité Central procedeu a uma breve análise da situação política, económica e social. Apesar das considerações optimistas do Governo, a profunda crise no Sudoeste Asiático e no Japão, o colapso económico e social da Rússia, a propagação da crise ao Brasil e à América Latina, o desaceleramento do crescimento nos EUA, a crise monetária e bolsista internacional, são já uma ameaça real e factores de perturbação séria das economias europeias e, directa e indirectamente, da economia nacional.
A ideia do euro como escudo protector destas economias será rapidamente arrumada na estante dos propagandistas da moeda única.
Diversos sectores e áreas de actividade económica nacional vivem já sob o impacto desses acontecimentos, a que se acrescentam, num sentido negativo ou positivo, factores de ordem interna.
As quebras nos mercados externos, com um andamento particularmente desfavorável das exportações no 3º trimestre do ano. A subida do número total de desempregados inscritos nos centros de emprego verificada no mesmo período, invertendo a tendência decrescente que se verificava desde Junho de 1996.
As crises de Verão/Outono na bolsa nacional, com vultuosas perdas de milhões de contos de pequenas poupanças. As notícias vindas a público pondo em dúvida a continuidade, no médio prazo, de alguns grandes investimentos - AUTOEUROPA, SIEMENS - largamente apoiadas por dinheiros públicos e representando milhares de postos de trabalho.
A constatação que alguma manutenção da procura interna de habitação e consumo pelos agregados familiares continua a fazer-se por um crescente recurso ao crédito, agravando-se o já significativo endividamento das famílias portuguesas.
Dois sectores produtivos vivem uma situação particularmente difícil. Na agricultura, onde as dificuldades nos mercados de suíno e bovino decorrentes da quebra das exportações da União Europeia para a Rússia, e o problema do embargo decretado pela União Europeia, se acrescentaram a um ano agrícola com uma perda global de produção superior a 100 milhões de contos. Nas pescas os novos condicionamentos à actividade da frota pesqueira nacional podem conduzir à redução de 80% ao esforço da pesca de sardinha, à forte possibilidade de não renovação do acordo de pescas entre a UE e Marrocos.

2. No reverso deste panorama continuaram a acumular-se fortunas e a verificarem-se ganhos escandalosos, de milhões de contos, à custa da exploração dos trabalhadores e da sangria dos sectores produtivos. Particularmente significativo foi o novo e espectacular salto dos lucros bancários em 1997, de 181 milhões de contos para 246 milhões de contos, mais 35,7%, depois de ter crescido 15,2% em 1996 e 8,1% em 1995, tendência que se manteve durante o 1º trimestre de 1998. Também em forte alta os lucros dos sectores da grande distribuição comercial.
É neste contexto inaceitável o prosseguimento das principais orientações e políticas económicas e sociais do Governo PS, e em particular do seu Orçamento do Estado.

O Governo PS não avançou nem avança numa política de reequilíbrio na distribuição de riqueza nacional através de uma generalizada melhoria dos salários e pensões, especialmente para os níveis mais baixos, na redução de preços de bens essenciais, como os da energia eléctrica e das chamadas telefónicas. Simultaneamente, não realiza os investimentos públicos que eram necessários nas áreas sociais e no desenvolvimento económico do País, o que sendo efectivas respostas para problemas económicos que o País enfrenta (dinamização do mercado interno, por exemplo) no quadro da crise internacional, permitiria atenuar profundas desigualdades sociais e regionais.
O Governo PS prefere seguir as orientações neoliberais ao serviço dos interesses do grande capital preconizadas pela União Europeia, FMI e outras instâncias internacionais que, a coberto das preocupações com o «sobreaquecimento da economia» e de mais umas décimas na taxa de inflação, pretendem salvar os interesses dos banqueiros e especuladores, sacrificando os trabalhadores e os povos.
São disso exemplo as escolhas pelo Governo de um Orçamento submetido ás orientações do "Pacote de Estabilidade", com a continuação do escandaloso processo de privatizações e o aumento dos benefícios fiscais a favor do capital financeiro e de um Pacote Laboral que contém matérias altamente lesivas dos interesses e direitos dos trabalhadores.

3. O Orçamento Estado para 1999 apresenta-se de facto numa linha de profunda continuidade em relação aos três anteriores orçamentos do Governo do PS: preocupação primeira e fundamental de cumprimento dos constrangimentos ditados pela moeda única e pelo "Pacto de Estabilidade", prosseguimento do nefasto processo de privatizações, fortes restrições aos aumentos salariais, privilégios fiscais aos rendimentos de capitais, às empresas e operações financeiras e aos grupos económicos.

São estas as linhas essenciais e determinantes do OE para 1999, e não as alterações propostas para a tributação em IRS dos rendimentos do trabalho, que pecam pela timidez e pela insuficiência.

Como já foi afirmado pelo seu Grupo Parlamentar, o PCP bater-se-à, com propostas suas, para que o OE possa ser melhorado em benefício dos trabalhadores e das populações, em prol da justiça fiscal.

Mas a natureza e orientações essenciais do Orçamento do Governo PS só poderiam ser invertidas com um orçamento completamente diferente, com um Orçamento assente numa política de esquerda, um orçamento em que a orientação determinante visasse o privilégio do desenvolvimento económico e social, dos rendimentos do trabalho, da melhoria significativa das pensões de reforma, da justiça fiscal e social.

O Orçamento de Estado para 1999 só pode ser viabilizado por quem defende as políticas e os dogmas do neoliberalismo e a moeda única, por quem privilegia a concentração da riqueza, isto é, pelo partido do Governo que o apresenta com o apoio do PSD e do PP.

Por isso, o Comité Central reafirma a rejeição deste Orçamento pelo PCP.

4. O Governo PS prossegue uma política de reconstituição e reforço do poder dos grupos económicos e financeiros. Os últimos desenvolvimentos mostram mesmo uma aceleração e aprofundamento do processo de privatizações, o seu alargamento a novos sectores, designadamente na Administração Pública, e a ultrapassagem de limites que o governo dizia colocar a si próprio. Além da Brisa, cuja segunda fase da privatização elevando o capital privado a mais de 50%, acaba de ser concretizada, o governo anunciou a privatização de uma nova fatia da Portugal Telecom, e o que é particularmente grave, avançou com o propósito de concretizar mais uma fase de privatização da EDP, que contrariando tudo o que o governo disse até agora, levará à perda da maioria do capital público, abrindo o caminho para o controlo pelo grande capital desta empresa estratégica fundamental para o país. As consequências negativas das privatizações para a economia nacional, o financiamento do Orçamento de Estado e o desenvolvimento económico e social do país, para o emprego e os direitos dos trabalhadores, para os serviços público, sua qualidade e custos, para o desenvolvimento regional e para o próprio regime democrático, evidenciam cada vez mais a necessidade e urgência da interrupção deste processo.

O PCP reafirma que o País precisa de um sector público forte e de serviços públicos de qualidade e, neste sentido, sublinha a importância e oportunidade da realização em 12 de Dezembro do Encontro Nacional de Quadros sobre esta problemática.

4. O C.C. do PCP alerta os trabalhadores e as suas organizações para o facto de o Governo PS persistir na tentativa de avançar e fazer aprovar o pacote laboral.

Esta ofensiva legislativa e as recentes medidas e propostas para a Administração Pública, articuladas com as alterações ao sistema de Segurança Social e das reformas antecipadas têm como objectivo central desactivar a geração de trabalhadores com direitos e substitui-la por uma nova geração precarizada.

É de salientar que a discussão pública da proposta mais gravosa consubstanciada no projecto de diploma do trabalho a tempo parcial, apesar de ter sido realizada no tempo em que decorreu a campanha do referendo sobre a regionalização, teve como resultado o envio à Assembleia da República de cerca de 1500 pareceres aprovados pelas organizações e plenários de trabalhadores, que se traduz numa das maiores participações das duas últimas décadas, participação acompanhada pela denúncia, pelo protesto e pela luta do movimento sindical unitário e da CGTP-IN.

O PCP, através da campanha nacional de esclarecimento de Maio - Junho e na semana de 23/9 a 3/10, contactando centenas de milhar de trabalhadores, deu uma valiosa contribuição no esclarecimento, na mobilização e na luta contra o pacote laboral.

Esta persistência do Governo em prosseguir a ofensiva legislativa, a par da sua contraproposta inaceitável para os trabalhadores da Administração Pública, está a constituir ponto de referência das associações do patronato e administrações das empresas do sector público para bloquearam as negociações da contratação colectiva, anular os seus conteúdos e recusar aumentos salariais.

A decisão da CGTP-IN de realizar uma grande acção de massas quando for agendado na Assembleia da República o projecto sobre o trabalho a tempo parcial, a manifestação nacional da Administração Pública a realizar em 25 de Novembro próximo, a decisão de greves e outras formas de luta nos CTT, na Portugal Telecom, nos Ferroviários, demonstram haver condições para o desenvolvimento da luta.

5. O Comité Central alerta para que, em consequência da política de direita, crescem em importantes camadas da sociedade descontentamento, desânimo e descrédito da vida política, potenciada por preocupantes desenvolvimentos na área da justiça, designadamente os que se prendem com eventuais arquivamentos de importantes processos. Acresce ainda pelo anúncio de casos de corrupção na JAE e outros e a acusação do envolvimento de partidos que têm estado no poder. Este clima de degradação da vida política tem facilitado algumas linhas de propaganda da direita e de extrema direita contra os partidos (procurando meter todos no mesmo saco), os políticos e o regime.
É necessário dar firme combate a estas tendências e separar o trigo do joio na postura política e na seriedade dos comportamentos. As privatizações pelo volume de dinheiro envolvido e pelos interesses em jogo são outras direcções que favorecem as maiores negociatas.

III
Tarefas imediatas do Partido

1. Encerrado um período em que, mantendo embora um elevado nível de intervenção noutras áreas, o PCP foi obrigado a consagrar consideráveis esforços na batalha eleitoral de dois referendos, o Comité Central sublinha a necessidade de uma rápida intensificação da acção e iniciativa política do Partido e das suas organizações em torno dos problemas que mais preocupam os portugueses e mais afectam a sociedade portuguesa.

O Comité Central salienta que um audacioso desenvolvimento desta orientação se justifica não apenas, e já seria bastante, pelas responsabilidades do PCP na vida nacional mas também porque como já é patente, com a aproximação das eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República, o PSD e o PP procurarão fazer esquecer que, ao longo dos últimos três anos foram os principais apoiantes da política do Governo PS e apresentar uma provável nova «AD» como estando em radical oposição ao PS e à sua política.

Por outro lado, é igualmente previsível que, num contexto pré-eleitoral, tanto o PS como o PSD e o PP procurarão acentuar um discurso demagógico sobre os problemas sociais, na tentativa de escamotearem as suas reais responsabilidades e convergências na política de direita seguida nesta legislatura.

Sendo de prever um aumento considerável da pressão bipolarizadora visando limitar as opções do eleitorado a um rotativismo centrado no PS ou no PSD (ou na AD) para o prosseguimento das mesmas orientações políticas fundamentais, o Comité Central sublinha que ganha uma acrescida importância o papel do PCP como oposição de esquerda à política e ao governo do PS e a afirmação na sociedade portuguesa da necessidade de construção de uma alternativa de esquerda à política de direita e do indispensável reforço do PCP como elemento decisivo para a realização desse crucial objectivo democrático.

2. O Comité Central sublinha que se impõe como tarefa de grande importância desenvolver e intensificar a luta social em torno de problemas e reivindicações concretas de diversas classes e camadas sociais, em particular dos trabalhadores, dos agricultores, dos estudantes, das mulheres, dos reformados e das populações envolvidas em lutas em defesa do ambiente, dinamizar a intervenção política do Partido e prosseguir o trabalho de reforço da sua capacidade organizativa.

Neste quadro, o Comité Central sublinha em particular como grandes tarefas imediatas do Partido: 3. O Comité Central recomenda a todas as organizações do Partido que, independentemente de considerações e decisões posteriores quanto ás comemorações do 78º aniversário do Partido, do Dia Internacional da Mulher e do 25º aniversário da Revolução de Abril, comecem desde já a programar todo um conjunto de iniciativas, com o objectivo de assegurar uma intervenção activa e empenhada do Partido nestas comemorações, defendendo e afirmando os objectivos e ideais do Partido e os valores democráticos e transformadores da Revolução de Abril.

4. O Comité Central sublinha a realização do VI Congresso da JCP, marcado para 27 e 28 de Março de 1999 e a necessidade de envolvimento e do apoio do Partido no êxito deste Congresso e no reforço da internvenção da JCP junto da juventude portuguesa.

O Comité Central decidiu fixar a data para a realização da 23ª edição da Festa do Avante para os dias 3, 4 e 5 de Setembro do próximo ano.

5. O Comité Central aprovou o lançamento de uma Campanha Nacional de Fundos, a partir de Janeiro do próximo ano, tendo como objectivo central reunir os recursos financeiros adicionais indispensáveis ao suporte material das campanhas eleitorais para a Assembleia da República e o Parlamento Europeu.

6. O Comité Central saúda todos os seus militante e organizações partidárias pelo seu empenhamento nas grandes batalhas políticas, pela afirmação confiante dos objectivos, princípios e valores do Partido e que com os trabalhadores, os jovens, as mulheres, os agricultores com todos os que fazem frente à política de direita e com a sua luta preparam as condições para uma verdadeira alternativa, uma alternativa de esquerda.

O Comité Central agendou nova reunião para o próximo mês de Janeiro com o objectivo de fazer o balanço da concretização das decisões e orientações com vista ao reforço global da organização do Partido e definir aspectos essenciais da sua intervenção eleitoral.