Associativismo
Intervenção de Bruno Dias
30 de Maio de 2003
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
O movimento associativo popular é reconhecidamente uma das mais dignas expressões do importante património de criação e realização livre, viva e independente do povo português, ao longo de mais de um século da sua História.
Para milhões de homens e mulheres de todas as idades, o associativismo popular foi e continua a ser a garantia da mais constante e mais presente intervenção, em áreas como a cultura, o desporto, o recreio, a educação, o património.
Pela sua própria natureza, o movimento associativo é ele próprio, desde a sua origem, uma escola de vida democrática e participação cívica, na promoção de uma cultura de humanismo, progresso e liberdade. Também assim, com o movimento associativo, se conquistou o Portugal de Abril.
Lamentavelmente para o país, a verdade é que o poder central e a legislação não têm estado à altura de reconhecer devidamente o incomparável papel desempenhado pelo movimento associativo popular. A responsabilidade do Estado nesta matéria, consagrada desde logo no próprio texto constitucional, aponta claramente para a necessidade de uma nova política na relação entre o poder central e as colectividades.
Os projectos de lei que o Grupo Parlamentar do PCP vem hoje propor à Assembleia da República pretendem contribuir para essa nova política, tão importante para o associativismo popular – e para o próprio desenvolvimento cultural, desportivo e social da população portuguesa.
Em primeiro lugar, propomos a definição de um quadro legal de apoio ao associativismo que permita constituir, com transparência e sem arbitrariedades, os mecanismos e os critérios necessários à prestação efectiva e consequente desse mesmo apoio.
Nesse sentido, o nosso projecto-lei n.º 99/IX preconiza a criação de um Fundo de Apoio ao Associativismo, na tutela da Presidência do Conselho de Ministros, que coordene e concretize uma política coerente de apoio às colectividades, no plano financeiro, técnico, da formação, das infra-estruturas, etc.
Propõe-se para esse efeito, e com o intuito de assegurar a transparência dos processos, que o Fundo de Apoio ao Associativismo seja incumbido de propor ao Governo a aprovação, por decreto-lei, de um Regulamento de Apoio ao Associativismo, no qual se estabeleçam claramente as regras e os critérios para a concessão desses apoios, numa política de carácter verdadeiramente nacional e que não dependa das diferentes opções desta ou daquela autarquia.
Só assim se poderá colocar um ponto final à forma discricionária – e à gritante insuficiência – que tem caracterizado a política de apoios do poder central ao movimento associativo popular.
De resto, tal como temos afirmado, e ao contrário do que alguns pretendam fazer crer, o que propomos é muito pouco perante o enorme contributo que as colectividades têm prestado ao país.
Basta pensar no que seria a oferta cultural, desportiva, de lazer, disponível à população, se não pudéssemos contar com o associativismo. Ou então, o que seria das contas públicas se toda essa oferta disponível fosse garantida e suportada pelo Orçamento de Estado! E isto, no plano da actividade e funcionamento das colectividades – e principalmente no trabalho oferecido por cerca de 200 mil dirigente associativos, por todo o país.
A este nível, continuamos a assistir a uma das mais flagrantes injustiças que é possível conceber nesta matéria: a dedicação, o esforço, o serviço à comunidade que é prestado pelos dirigentes associativos voluntários, ao longo dos anos (e num quadro mais desfavorável de direitos laborais), continua a ser realidade ignorada pelo Estado e pela legislação em vigor.
As colectividades são mais do que edifícios, sedes e salas – são pessoas. São centenas de milhar de pessoas, que diariamente lhes dão vida e razão de existir. E não podemos ignorar a dificuldade e o sacrifício com que se deparam cada vez mais; pela simples razão de que a crescente instabilidade laboral, e o desacerto dos horários de trabalho, tornam muitas vezes impossível essa valiosa participação. Aliás, veja-se o que o Código do Trabalho vem consagrar a este respeito…
No actual quadro das relações laborais, ganha ainda mais força a necessidade de proporcionar a estes associativistas, que oferecem tanto aos outros sem para eles nada pedir, alguma disponibilidade no seu regime laboral. Não para repousar, não para passear na praia, mas para trabalhar para a comunidade.
Nesse sentido, o projecto-lei n.º 100/IX, que aqui também apresentamos, propõe um Estatuto do Dirigente Associativo Voluntário que vem adaptar de forma razoável o respectivo regime de prestação de trabalho, caso trabalhem por conta de outrem, às exigências da sua acção no plano associativo.
Com a aprovação deste diploma, o Parlamento estará a adoptar uma medida de elementar justiça, beneficiando, não os dirigentes associativos a título pessoal, mas sim as colectividades e as populações, a quem aqueles oferecem milhares de horas de trabalho voluntário, sem ganhar um cêntimo e com enorme sacrifício pessoal e familiar.
Aliás, o que propomos em nada prejudica as empresas para quem trabalham estes homens e mulheres – pelo contrário. O nosso projecto-lei proporciona até algumas vantagens às empresas que estejam disponíveis para esta colaboração, designadamente através da majoração, em sede de IRC, dos encargos financeiros que resultem da disponibilidade laboral destes trabalhadores.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Há mais de dez anos que apresentamos projectos de lei de apoio ao associativismo e de estatuto dos dirigentes associativos voluntários. Hoje, acreditamos ser possível que as nossas propostas tenham acolhimento e concretização.
Desde logo porque são justas e razoáveis. Mas em grande medida porque o movimento associativo e os seus dirigentes e activistas se organizaram, mobilizaram, decidiram intervir e sensibilizaram a Assembleia da República, os Grupos Parlamentares e o próprio Senhor Presidente do Parlamento para a necessidade e urgência destas medidas.
Dirigindo a esta Assembleia uma petição com mais de 6100 assinaturas, as colectividades conseguiram conquistar com a sua luta, desde logo, este agendamento. Mas mais: o êxito foi de tal forma assinalável que até mesmo outros partidos vieram a debate trazendo as suas propostas. Propostas que são naturalmente bem vindas e que desde já merecem, a nosso ver, apreciação e trabalho em sede de especialidade.
Na véspera do 79.º Aniversário da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, neste momento maior da sua intervenção, queremos saudar calorosamente e com reconhecimento o movimento associativo popular, por esta prova de força e vitalidade, e particularmente por mais esta demonstração de que é possível e vale a pena lutar.
Disse.