Sessão Solene Comemorativa do 31º Aniversário do 25 de Abril de 2005
Intervenção de Jerónimo de Sousa
25 de Abril de 2005

 

 

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,
Capitães de Abril,
Senhoras e Senhores convidados,
Senhoras e Senhores deputados:

 

 

Fomos convocados para celebrar o 31º Aniversário do 25 de Abril. Por decisão da Assembleia da República, por vontade do povo que ama a liberdade e a reconquistou, pela acção valorosa e de grande coragem do movimento das forças Armadas que juntos – Povo e MFA – transformaram essa data histórica no acto e no processo mais moderno e avançado da nossa época contemporânea.

Mas é com as comemorações populares a que hão-de ligar-se as comemorações do 1º de Maio que as comemorações do 25 de Abril ganham todo o significado e dimensão!

Mas todos aqueles que hoje comemoram o ano 31º da Revolução não vão limitar-se à celebração festiva. Terão porventura muitas expectativas como resultado das recentes eleições legislativas mas vão interrogar-se sobre a situação em que vivem, e quais as perspectivas que se abrem para o seu futuro. Mais cedo que tarde vão questionar-se onde está a justiça social a que têm direito, porque se banaliza, desvaloriza e desprotege o trabalho tal como os direitos que a ele julgavam associados e perenes, porque não há salário igual para trabalho igual para a maioria das mulheres, se é por má sorte ou antes resultado de políticas concretas levadas por diante em todo o tempo que nos separa de Abril que se vê a pobreza e o desemprego a aumentar e a riqueza a concentrar-se numa chocante e injusta repartição. Vão querer saber como é que um país assiste indefeso à destruição da sua indústria, da sua agricultura, das suas pescas, aos instintos predadores e insaciáveis de quem quer mais privatizações, já não só de empresas mas dos serviços públicos, da saúde, da água, da segurança social.

Num tempo em que o homem e a sociedade contemporânea se interrogam sobre o valor e significado da liberdade, a natureza do Estado, o sentido do desenvolvimento económico, o papel do indivíduo e a razão da independência nacional, o 25 de Abril respondeu e a Constituição plasmou que a liberdade pertença do povo e do indivíduo possui um valor intrínseco, pelo que seria necessário salvaguardá-la e assegurá-la como um bem inalienável do povo português; o 25 de Abril respondeu e a Constituição definiu que o Estado deve responder aos interesses e necessidades do povo e do país estritamente conforme com a legalidade democrática em oposição à concepção do Estado como instrumento do capital para, de forma coersiva, perpetuar a exploração capitalista, o 25 de Abril respondeu e a constituição consagrou que o desenvolvimento económico deve ter como objectivo a melhoria da qualidade e do nível de vida dos portugueses, o pleno emprego, uma elevada satisfação das necessidades das populações, uma justa e equilibrada repartição da riqueza nacional e da independência nacional; o 25 de Abril respondeu e a Constituição defende que o indivíduo, o trabalhador, o cidadãos, o seu bem estar material e cultural, a sua dignidade e melhoria das suas condições de vida, a sua participação, o seu empenhamento cívico e a sua luta são objectivo e garantia da democracia e factor indispensável ao desenvolvimento económico, respondeu o 25 de Abril e a Constituição considerou como questão irrenuciável que a independência nacional é o espaço da nossa liberdade, identidade e soberania. É condição de paz, cooperação e solidariedade internacional. Fora dela tudo é efémero, nada é nosso, nada é seguro. Respostas justas e actuais !

Foi o 25 de Abril que traçou os grandes desígnios nacionais inscritos depois na Constituição por mérito e visão avançada dos deputados constituintes muitos dos quais aqui hoje se encontram e daqui saudamos com a convicção de que valeu a pena fazer a Lei Fundamental que no conflito e contradição de interesses existentes não ficou neutra. Optou por se colocar do lado dos mais fracos, dos trabalhadores e do povo comportando um projecto de futuro.


Senhor Presidente e Senhores Deputados,

Não faz parte desses desígnios nacionais ter baixos salários e baixas pensões e reformas, ver acentuar-se o fosso entre os 20% mis ricos e os 20% mais pobres. Continuar a ter 2 milhões de pobres dos quais 200 mil passam literalmente fome enquanto crescem desmesuradamente os lucros e se operam lavagens de dividendos de novo sacralizados como bezerros de ouro.

Os portugueses do Portugal de Abril não podem aceitar que a Constituição reconheça e consagre amplos direitos laborais e venha um Código do Trabalho usurpar e tentar eliminar o direito à contratação colectiva, como usurpados estão a ser outros direitos por aqueles que nunca se conformaram com as parcelas de domínio perdido pela luta, pela conquista dos trabalhadores e pela razão de Abril.

De igual modo também os jovens recusam que seja um imperativo nacional a degradação do sistema de ensino e as crescentes dificuldades no acesso ao emprego que só conseguem em inaceitáveis condições de precariedade em vez de contar com eles na batalha da educação e do emprego.

Não é desígnio nacional e vai ao arrepio de Abril que, daqui a dias, se promova no plano legislativo mas um golpe no poder local democrático. Desde os primeiros anos da Revolução, em clara ruptura com o modelo de centralização burocrática e governamentalizado do fascismo, o novo poder local afirmou-se na base duma ampla participação popular, dos princípios da descentralização, da autonomia financeira e na democraticidade expressa pela colegialidade do funcionamento dos seus órgãos, pela representação plural e democrática nos órgãos municipais, incluindo nos executivos. É essa matriz profundamente democrática que as propostas do PS e do PSD vêm agora pôr em causa.

Não é desígnio nacional que se compatibilize com os ideais de progresso e de independência nacional sujeitar todo o nosso edifício jurídico-constitucional a um papel subsidiário perante uma Constituição Europeia, num processo em que desde Mastricht cada passo dado justifica o passo seguinte na limitação da soberania nacional.

Estamos inquietos quando olhamos para o país e para um mundo mais injusto, menos democrático, mais inseguro.

Inquietos sim, mas não conformados porque aprendemos com o exemplo do 25 de Abril, com o seu espírito inconformista, rebelde e insubmisso, o seu sentido de luta e de projecto inacabado por uma democracia política, económica, social, cultural e de independência nacional.

Estaremos ao lado dos trabalhadores e do povo com aquela esperança e confiança que resulta de quem tem o sonho mais avançado que a realidade, mas que sabe ser possível uma vida melhor, uma Portugal mais desenvolvido, justo e solidário.

Bem podem os que estiveram contra Abril, ou os que reduzem Abril a um acto de liberdade, tentar rescrever a história, rasurar da memória colectiva o processo transformador que se seguiu, o valor e o carácter inseparável das suas conquistas e realizações, apagar dos manuais e dos programas escolares o seu projecto e ideal, rasgar ou apagar as páginas mais exaltantes escritas e sobretudo feitas pela povo. Não hão-de conseguir arrancá-lo de onde está ancorado e mais enraizado: na memória e no coração desse mesmo povo como referência incontornável para o futuro democrático e independente de Portugal!

E mesmo a juventude que não sabe, porque muitos não quiseram que ela soubesse, há-de, porventura sem invocar Abril, prossegui-lo no que tem de libertador, de ideal, de valores de justiça social e de progresso.

Nós comunistas, que ali estivemos em todas as lutas e combates para que a liberdade e a democracia fossem possíveis na nossa Pátria, irreversivelmente comprometidos com o 25 de Abril, sabemos que os grandes acontecimentos vividos e sentidos pelos povos e com profunda repercussão nas suas vidas não morrem e jamais se deixam encerrar numa breve evocação ou momento histórico. É que, como afirmou um Capitão de Abril ele continua a ser mais projecto que memória !

Que viva Abril !