Senhor Presidente da República,
Fomos convocados para celebrar o 31º Aniversário do 25 de Abril. Por decisão da Assembleia da República, por vontade do povo que ama a liberdade e a reconquistou, pela acção valorosa e de grande coragem do movimento das forças Armadas que juntos – Povo e MFA – transformaram essa data histórica no acto e no processo mais moderno e avançado da nossa época contemporânea.
Mas é com as comemorações populares a que hão-de ligar-se as comemorações do 1º de Maio que as comemorações do 25 de Abril ganham todo o significado e dimensão!
Mas todos aqueles que hoje comemoram o ano 31º da Revolução não vão limitar-se à celebração festiva. Terão porventura muitas expectativas como resultado das recentes eleições legislativas mas vão interrogar-se sobre a situação em que vivem, e quais as perspectivas que se abrem para o seu futuro. Mais cedo que tarde vão questionar-se onde está a justiça social a que têm direito, porque se banaliza, desvaloriza e desprotege o trabalho tal como os direitos que a ele julgavam associados e perenes, porque não há salário igual para trabalho igual para a maioria das mulheres, se é por má sorte ou antes resultado de políticas concretas levadas por diante em todo o tempo que nos separa de Abril que se vê a pobreza e o desemprego a aumentar e a riqueza a concentrar-se numa chocante e injusta repartição. Vão querer saber como é que um país assiste indefeso à destruição da sua indústria, da sua agricultura, das suas pescas, aos instintos predadores e insaciáveis de quem quer mais privatizações, já não só de empresas mas dos serviços públicos, da saúde, da água, da segurança social.
Num tempo em que o homem e a sociedade contemporânea se interrogam sobre o valor e significado da liberdade, a natureza do Estado, o sentido do desenvolvimento económico, o papel do indivíduo e a razão da independência nacional, o 25 de Abril respondeu e a Constituição plasmou que a liberdade pertença do povo e do indivíduo possui um valor intrínseco, pelo que seria necessário salvaguardá-la e assegurá-la como um bem inalienável do povo português; o 25 de Abril respondeu e a Constituição definiu que o Estado deve responder aos interesses e necessidades do povo e do país estritamente conforme com a legalidade democrática em oposição à concepção do Estado como instrumento do capital para, de forma coersiva, perpetuar a exploração capitalista, o 25 de Abril respondeu e a constituição consagrou que o desenvolvimento económico deve ter como objectivo a melhoria da qualidade e do nível de vida dos portugueses, o pleno emprego, uma elevada satisfação das necessidades das populações, uma justa e equilibrada repartição da riqueza nacional e da independência nacional; o 25 de Abril respondeu e a Constituição defende que o indivíduo, o trabalhador, o cidadãos, o seu bem estar material e cultural, a sua dignidade e melhoria das suas condições de vida, a sua participação, o seu empenhamento cívico e a sua luta são objectivo e garantia da democracia e factor indispensável ao desenvolvimento económico, respondeu o 25 de Abril e a Constituição considerou como questão irrenuciável que a independência nacional é o espaço da nossa liberdade, identidade e soberania. É condição de paz, cooperação e solidariedade internacional. Fora dela tudo é efémero, nada é nosso, nada é seguro. Respostas justas e actuais !
Foi o 25 de Abril que traçou os grandes desígnios nacionais inscritos depois na Constituição por mérito e visão avançada dos deputados constituintes muitos dos quais aqui hoje se encontram e daqui saudamos com a convicção de que valeu a pena fazer a Lei Fundamental que no conflito e contradição de interesses existentes não ficou neutra. Optou por se colocar do lado dos mais fracos, dos trabalhadores e do povo comportando um projecto de futuro.
Senhor Presidente e Senhores Deputados,
Não faz parte desses desígnios nacionais ter baixos salários e baixas pensões e reformas, ver acentuar-se o fosso entre os 20% mis ricos e os 20% mais pobres. Continuar a ter 2 milhões de pobres dos quais 200 mil passam literalmente fome enquanto crescem desmesuradamente os lucros e se operam lavagens de dividendos de novo sacralizados como bezerros de ouro.
Os portugueses do Portugal de Abril não podem aceitar que a Constituição reconheça e consagre amplos direitos laborais e venha um Código do Trabalho usurpar e tentar eliminar o direito à contratação colectiva, como usurpados estão a ser outros direitos por aqueles que nunca se conformaram com as parcelas de domínio perdido pela luta, pela conquista dos trabalhadores e pela razão de Abril.
De igual modo também os jovens recusam que seja um imperativo nacional a degradação do sistema de ensino e as crescentes dificuldades no acesso ao emprego que só conseguem em inaceitáveis condições de precariedade em vez de contar com eles na batalha da educação e do emprego.
Não é desígnio nacional e vai ao arrepio de Abril que, daqui a dias, se promova no plano legislativo mas um golpe no poder local democrático. Desde os primeiros anos da Revolução, em clara ruptura com o modelo de centralização burocrática e governamentalizado do fascismo, o novo poder local afirmou-se na base duma ampla participação popular, dos princípios da descentralização, da autonomia financeira e na democraticidade expressa pela colegialidade do funcionamento dos seus órgãos, pela representação plural e democrática nos órgãos municipais, incluindo nos executivos. É essa matriz profundamente democrática que as propostas do PS e do PSD vêm agora pôr em causa.
Não é desígnio nacional que se compatibilize com os ideais de progresso e de independência nacional sujeitar todo o nosso edifício jurídico-constitucional a um papel subsidiário perante uma Constituição Europeia, num processo em que desde Mastricht cada passo dado justifica o passo seguinte na limitação da soberania nacional.
Estamos inquietos quando olhamos para o país e para um mundo mais injusto, menos democrático, mais inseguro.
Inquietos sim, mas não conformados porque aprendemos com o exemplo do 25 de Abril, com o seu espírito inconformista, rebelde e insubmisso, o seu sentido de luta e de projecto inacabado por uma democracia política, económica, social, cultural e de independência nacional.
Estaremos ao lado dos trabalhadores e do povo com aquela esperança e confiança que resulta de quem tem o sonho mais avançado que a realidade, mas que sabe ser possível uma vida melhor, uma Portugal mais desenvolvido, justo e solidário.
Bem podem os que estiveram contra Abril, ou os que reduzem Abril a um acto de liberdade, tentar rescrever a história, rasurar da memória colectiva o processo transformador que se seguiu, o valor e o carácter inseparável das suas conquistas e realizações, apagar dos manuais e dos programas escolares o seu projecto e ideal, rasgar ou apagar as páginas mais exaltantes escritas e sobretudo feitas pela povo. Não hão-de conseguir arrancá-lo de onde está ancorado e mais enraizado: na memória e no coração desse mesmo povo como referência incontornável para o futuro democrático e independente de Portugal!
E mesmo a juventude que não sabe, porque muitos não quiseram que ela soubesse, há-de, porventura sem invocar Abril, prossegui-lo no que tem de libertador, de ideal, de valores de justiça social e de progresso.
Nós comunistas, que ali estivemos em todas as lutas e combates para que a liberdade e a democracia fossem possíveis na nossa Pátria, irreversivelmente comprometidos com o 25 de Abril, sabemos que os grandes acontecimentos vividos e sentidos pelos povos e com profunda repercussão nas suas vidas não morrem e jamais se deixam encerrar numa breve evocação ou momento histórico. É que, como afirmou um Capitão de Abril ele continua a ser mais projecto que memória !
Que viva Abril !