Falecimento de Carlos Paredes
Intervenção de Luísa Mesquita
28 de Julho de 2004
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Com Paredes sabemos que a musicalidade é esta capacidade de integração da parte física e emotiva .
Descobrimos que é assim quando aprendemos o mundo nas suas mãos moldando as cordas da guitarra fraterna e cúmplice.
Sabemos que é assim, aqueles que tivemos o privilégio de ouvir a música irromper da magia dos seus dedos e recriar-se no olhar solidário que abraçava cada um de nós em plena sintonia com o sentimento e a vida.
De si disse Paredes
Sou um instrumentalista popular. Tudo o que conheço da música erudita é apenas aquilo que me é exigido (…) Sei, isso sim, por experiência própria, que se alguma coisa está por dentro da música, da poesia, da ciência, da cultura, enfim, é a realidade .
E questionava
Quem poderá ver alguma vez, a verdade por fora da cultura ?
Por mim, só consigo ver alguma coisa quando ela me é revelada pela Arte, pela Ciência, pela Política.
Porque a obra, a que sobrevive para além dos tempos, pode transformar-se, nas nossas mãos, num instrumento de descoberta da realidade, em qualquer lugar e em qualquer época .
Mas há quem entenda que a realidade deve ser intocável, e, por isso, não a vão procurar através da Arte, através da Cultura que reduziram à condição de mero objecto de gozo estético, maçadora imposição social ou símbolo de prestígio pessoal.
Para Paredes a realidade só era passível de entendimento por dentro da sua arte, em movimento, em transformação e porque se a realidade se transforma, será sempre possível corrigi-la de acordo com as justas aspirações humanas.
Por isso os artistas correm, em Portugal, o risco de serem isolados, exilados, debilitados pela fome ou queimados na fogueira.
Também ele o soube nas prisões e na tortura salazaristas porque arte e compromisso político fizeram a sua vida.
Mas apesar das dificuldades ele estava seguro que ninguém pôde impedir que de escolas, liceus e universidades (…) saíssem muitos dos maiores poetas que a nossa língua conhece. Mas foi fácil manter em número caricatamente reduzido a quantidade de salas de concerto e escolas de música (…), desprestigiar por mil e uma forma, a profissão de músico, uma vez que tudo isto e o muito que seria necessário fazer depende do poder e do programa de defende
É difícil ser-se Poeta, em Portugal, mas muito, muitíssimo, mais difícil é ser-se Músico.
A humildade, a grandeza na simplicidade e o fatigante apelo ao anonimato determinaram o seu percurso mas a obra, essa irrompeu do génio, inscreveu-se em todos os que tiveram o privilégio de o ouvir e está aí lado a lado no nosso quotidiano.
Por isso Paredes não tinha razão quando afirmava que. Daqui a alguns anos, ninguém poderá ouvir esta música guitarras Isto vai passar.
O homem não está mais entre nós. Ficámos todos mais pobres. Mas se aqui estivesse afirmaria em surdina - Oh meus amigos-, peço desculpa. Eu não gosto de subir ao palco.
Músico e homem confundiram-se por vontade, foram semente e fruto do país que lhes deu guarida e nele ficarão para sempre.
Honrar a sua memória é promover a sua genial e extraordinária obra, é dar notícia da sua vida de homem exemplar.
Tão só porque somos todos seus herdeiros e deveremos sê-lo também fiéis depositários.
À família do amigo e camarada Carlos Paredes o PCP endereça as mais sentidas condolências.