Sessão Solene Comemorativa do 29.º Aniversário
do 25 de Abril
Intervenção do Deputado Bruno Dias
25 de Abril de 2003
Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional,
Senhoras e Senhores Convidados,
Senhoras e Senhores Deputados,
Para muitos de nós, a Revolução de Abril é um daqueles momentos da nossa História em que nos assalta o apelo de saber mais. E se possível, que esse urgente conhecimento nos permitisse sentir uma espécie de presença, mesmo que breve e ilusória, ali nas ruas daquele tempo. No fundo, fica a indisfarçável vontade de que pudéssemos ter sido também personagens dessa história.
É que para muitos de nós, para
cerca de um terço da população portuguesa, a Revolução
dos Cravos aconteceu antes de termos nascido. O que torna ainda mais necessária,
cada vez mais necessária, uma pedagogia dos verdadeiros ideais e valores
do 25 de Abril.
Na verdade, são por vezes distantes e difusas as imagens que chegam desses
dias e dessas horas. São estranhos os silêncios que tantas vezes
envolvem esse turbilhão de momentos, actos e rostos. Por vezes, é
como se o tempo que nos separa de Abril tivesse passado mais devagar. Raramente,
na escola, surge o tempo e o espaço para ler, ouvir e falar sobre o que
realmente aconteceu – e mais importante ainda, sobre os porquês
e os “para quês” da Revolução dos Cravos.
E entretanto, são muitas e refinadas as formas de confundir, branquear, mistificar o que foi aquele quase meio século de ditadura fascista. E são escassas as expressões de reconhecimento deste Portugal de Abril perante a bravura e a generosidade daqueles que o libertaram.
Daí que seja indispensável reafirmar a nossa homenagem, a nossa comovida e intensa saudação aos Militares de Abril que há 29 anos, nas palavras do poeta Ary dos Santos, fizeram “nascer um país do ventre duma chaimite”.
A nossa gratidão nunca será bastante para com aqueles jovens que de armas na mão, trouxeram a Paz a este Povo cansado de guerra. E hoje como ontem, prevalecem entre os jovens deste País esses ideais humanistas e solidários.
Hoje, exercendo essa liberdade, saem os jovens à rua, erguendo a sua voz em defesa da Paz. Porque sabem, como nós sabemos, o que a guerra tem para oferecer, com o seu hediondo cortejo de bombas e balas: disse-o Manuel da Fonseca – “só crime e morte e o sangue derramado”. E nós acrescentamos: e os milhões que correm neste negócio de horror. Assim foi na Guerra Colonial, assim tem sido no Iraque dos nossos dias.
É este clamor que cresce na voz da Juventude e se faz ouvir pelos portugueses de todas as idades. Quem faz assim ouvir o seu grito de “paz sim, guerra não” está também a defender os ideais da Revolução de Abril – mesmo aqueles que a não viveram. Por isso afirmamos que a Paz, tal como Abril, não se rende!
Porque as lutas que travamos prosseguem o caminho de combate e resistência de muitas gerações de portugueses. Homens e mulheres deste País, que abriram caminho a esta Revolução Democrática e Nacional, e provaram com a sua acção, nos campos e nas fábricas, nas universidades, nos quartéis, que há razões para acreditar e lutar por um mundo melhor, “um mundo possível e feliz / (possível porque o sonhamos) ”, como escreveu na década de trinta o poeta militante José Gomes Ferreira.
Já desta tribuna dissemos muitas vezes que é preciso continuar Abril. Aprofundar a Democracia, desenvolver as suas múltiplas vertentes.
Mas hoje, ao celebrar estes vinte e nove anos da Revolução de Abril, é preciso denunciar o grave retrocesso democrático que constituem as alterações, ontem aprovadas, à Lei dos partidos políticos e à Lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais.
Quando se pretende por lei obrigar todos os partidos, numa inaceitável ingerência na sua vida interna, a adoptar um modelo único e obrigatório para o seu funcionamento, ofende-se a vontade própria, soberana, dos seus militantes e organizações.
Não estão em causa as opiniões sobre a opção de cada partido quanto ao seu funcionamento e organização. O que é ilegítimo é que a lei adopte um desses modelos e rejeite todos os outros.
Os partidos são feitos de homens e mulheres livres, que neles se associam por sua vontade, que através deles intervêm na sociedade de acordo com os seus ideais – e que têm o direito de decidir como é o partido que querem.
Quando por lei se impede que uma essencial fonte de receita de um partido seja a militância, a dedicação o contributo dos seus membros e apoiantes, e ao mesmo tempo se favorece a dependência do Estado e o aumento do despesismo eleitoral, dá-se um passo adiante no descrédito da vida política perante os cidadãos.
As razões desse descrédito da vida política não estão nas leis que até aqui têm regulado o funcionamento partidário. Estão nas sucessivas promessas não cumpridas; estão na falta de ética e de responsabilidade política; estão nas políticas que aumentam as desigualdades.
É preciso que todos os que participam neste processo tenham a consciência de que este é um caminho que não serve ao aprofundamento da democracia e que afronta valores essenciais de Abril.
É preciso defender Abril e as suas conquistas. Enfrentar com determinação os “ajustes de contas” que aí estão, mal disfarçados de modernice.
Os direitos conquistam-se e defendem-se, todos os dias – exercendo-se na prática, combatendo os ataques que lhes são dirigidos. Pois é esse combate que centenas de milhar de homens, de mulheres, de jovens, têm feito de Norte a Sul do País.
Estão lutando por Abril os estudantes que não desistem de exigir e defender uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Que seja reconhecida e cumprida como um direito que é. Não como um luxo, não como um favor. E muito menos como um negócio.
O país precisa de inverter este atraso estrutural no seu sistema educativo. E é todo o país que tem a perder, quando se cava mais fundo o fosso das desigualdades no acesso à educação.
Perante este enorme passo atrás, a determinação e a coragem que os jovens deste país já tantas vezes demonstraram são a razão que temos para acreditar no caminho de luta que é preciso percorrer.
E estão lutando por Abril e pela Democracia todos aqueles que, nas ruas, nas empresas, nos seus postos de trabalho, combatem os retrocessos sociais e civilizacionais com que são confrontados – e de que é exemplo mais recente o Código do Trabalho, com uma matriz profundamente contrária aos direitos dos trabalhadores e aos princípios da Constituição da República.
Quando estão em causa o emprego com direitos, as liberdades sindicais, a Segurança Social, estão em causa os valores de Abril.
E para quem se interrogava sobre as razões destes estranhos silêncios sobre a Revolução dos Cravos, sobre as conquistas e os direitos que Abril nos trouxe, a resposta vai aparecendo, sussurrada, na opressão que se abate sobre quem trabalha.
Por isso é ainda mais importante e significativa esta consciência crescente, esta unidade que trabalhadoras e trabalhadores, de várias gerações e tantos ofícios, revelam na resposta a esta escalada de ataques à sua dignidade.
O que alguns chamam com sobranceria de “resistência à mudança” é resistência, sim. Mas uma resistência que traz dentro de si uma semente de Futuro. Uma resistência que teima em não baixar os braços, e que reconhecendo – e recusando – aquilo que é tão velho como a exploração e a tirania, não abdica de aspirar a um Futuro melhor.
A mudança, efectiva e urgente, virá e será concretizada quando cumprirmos Abril, e o Povo Português retomar o seu caminho de aprofundamento da Democracia política, económica, social e cultural, num País verdadeiramente livre, soberano, num mundo de Paz e de Cooperação.
A mudança, efectiva e urgente para a juventude e para a população, virá com a defesa e o efectivo respeito pelos direitos fundamentais. Na educação, no emprego, na habitação, no ambiente, na cultura, no desporto. Na participação.
É esse futuro e essa mudança que estes jovens estão construindo, quando lutam e resistem e defendem as conquistas de Abril. Por isso também hoje temos razões para acreditar no Futuro. Assim como, já antes de Abril, o souberam as Mulheres do Couço, os vidreiros da Marinha Grande ou os operários agrícolas do Alentejo, também nós hoje sabemos que vale a pena lutar.
É que, das tantas lições que aprendemos com Abril, há uma ideia que prevalece: por mais categóricos que sejam os que decretam o fim da História, a verdade é que a História prossegue e avança – e a luta continua. A luta de concretizar Abril, os seus ideais de democracia e de liberdade, as suas conquistas de progresso e justiça social.
O Futuro será como os povos o construírem. Pela nossa parte, mantemos a convicção e a confiança em que este País saberá construir o seu próprio Futuro, defendendo os valores do 25 de Abril. Sempre!
Viva o 25 de Abril!