Debate de urgência sobre a confrontação do Governo à decisão parlamentar de suspender o processo de co-incineração
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
12 de Maio de 1999

 

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Para além de todas as peripécias e confusões de que se revestiu a publicação da Lei 20/99 e dos D.L. nºs 120 e 121/99, e que deveriam ter sido evitadas, o que para o PCP é essencial é saber se com a publicação daqueles DL foi derrogada, na prática, a vontade da Assembleia da República expressa na Lei aqui aprovada em 25 de Fevereiro.

Repito: o que nos interessa essencialmente, o que é substantivo, é saber se de facto houve alguma derrogação da Lei. E não tanto o de saber o que Governo eventualmente terá querido fazer ou o que ele desejaria que fossem as conclusões do parecer da Comissão. Porque sobre isto estamos conversados: é publico e notório que o Governo se manifestou contra a aprovação da lei, não a quis e desejaria que ela nunca tivesse visto a luz do dia. É evidente que o Governo reza para que a co-incineração vá para a frente, e se assim fosse mantém o desejo de a impor a Souselas e a Maceira.

Ora bem, nesta perspectiva em que nos colocamos, o que interessa analisar é se o processo de co-incineração está ou não suspenso, como o quis a AR, até que a comissão científica independente "relate e dê parecer relativamente ao tratamento de resíduos industriais perigosos".

É verdade que o DL 120/99 criava uma comissão científica que tinha por objectivo emitir pareceres para a concessão de licenças e de autorizações, provisórias e definitivas, para a realização de testes e operações de co-incineração.

Mas é para nós igualmente certo que o n.º 1 do artigo 2º do DL 121/99 é claro ao determinar, expressamente, que o parecer da comissão científica que a AR quis é prévio a qualquer outro parecer.

Ou seja, a competência que no DL 120/99 é concedida à comissão científica para licenciar e autorizar testes e operações de co-incineração está indisponível enquanto a própria comissão se não pronunciar sobre a questão, mais geral e prévia, relativa ao tratamento de resíduos industriais perigosos incluindo o impacte das modalidades possíveis sobre o ambiente e a saúde pública, etc.

Isto é, para nós é inequívoco que nenhum passo no caminho da co-incineração, ainda que em termos de testes, pode ser dado pela comissão científica e pelo Governo, antes que aquela comissão elabore o relatório e parecer que a AR quis e continua a querer.

E isto independentemente de esse parecer ser elaborado no prazo de 60 dias ou em qualquer outro prazo: enquanto não houver esse parecer, não há nada, absolutamente nada, para ... a co-incineração. Em Souselas, em Maceira ou em qualquer outro ponto do País.

Aquilo, afinal, que substantiva e realmente foi querido pela AR quando aprovou a Lei 20/99.

E se aquele parecer vier a pronunciar-se contra a co-incineração, esta modalidade de tratamento será definitivamente abandonada, o DL 120/99 deixará de ter objecto e morrerá de morte natural.

Na nossa opinião não há, pois, derrogação da Lei na decorrência da publicação dos DL aprovados pelo Governo.

Pode, porém, suscitar-se legitimamente a questão de que, estando suspenso o processo de co-incineração por decisão da AR, ter um significado simbólico da obsessão do Governo pela co-incineração em Souselas e Maceira a presença na comissão científica de especialistas designados pelas Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria. Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP proporá, em sede da ratificação do DL 121/99, uma alteração em que se determine que tais especialistas não integrem a comissão científica enquanto o trabalho desta tiver por objecto a elaboração do relatório e parecer requerido pela Lei 20/99.

Finalmente, queremos recordar ao Governo que a Lei 20/99 não se esgota no relatório e parecer da comissão científica independente.

A Lei deve ser cumprida na sua plenitude.

E, sendo certo que o Governo só está obrigado a apresentá-lo até ao final da legislatura, esta pode ser uma boa oportunidade para o Governo informar a AR do ponto de situação relativo à elaboração do plano estratégico de gestão dos recursos industriais que assuma como prioridade absoluta a sua redução, reutilização e reciclagem.

Do mesmo modo que o Governo nos deve prestar contas das medidas que já tomou no sentido de permitir, no curto prazo, a adequada deposição e armazenamento controlados desses resíduos.

E, por último, que hoje nos elucide sobre o que está a ser feito quanto à execução de programas de reabilitação ambiental das povoações onde estão colocadas unidades cimenteiras. Não apenas Souselas e Maceira, mas todas as localidades onde existem unidades cimenteiras!

Aguardamos a prestação de contas pelo Governo. Mas, sejam elas prestadas ou não hoje, fique claro que para o PCP a Lei 20/99 tem de ser cumprida pelo Governo na sua globalidade.

Sem subterfúgios, sem disfarces e sem delongas.

Disse.