Intervenção do
deputado Joaquim Matias

Suspensão da co-incineração

20 de Janeiro de 1999



Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O Projecto de deliberação apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes tem, a nosso ver, inegável oportunidade e corresponde às posições que de forma coerente, sem demagogia ou populismo o PCP tem tomado invariavelmente neste processo.

Já em 15 de Dezembro, na interpelação ao Governo sobre os resíduos industriais afirmámos com clareza que era urgente parar este processo, e corrigir os erros que desde a origem o deformam para que se possa o mais rapidamente possível caminhar no sentido correcto, isto é: Pôr termo à insuportável situação dos resíduos industriais em Portugal com objectivos bem definidos e consequentemente assumidos, como o País há muito reclama.

E esta é, a nosso ver, a questão central do problema: Por cobro à caótica situação dos resíduos industriais em Portugal, salvaguardando os interesses ambientais, a saúde pública e a qualidade de vida das populações e não como o Governo, através do Ministério do Ambiente conduziu este processo, privilegiando os aspectos economicistas do problema em detrimento dos objectivos fundamentais. A firme e justa oposição das populações é a consequência lógica da forma como o processo foi conduzido.

A decisão precipitada do Governo veio a confirmar-se que foi errada porque tomou a decisão sem estar de posse dos dados que o permitissem fazer, tendo resultado claro na referida Interpelação que não conseguia responder às questões objectivas e concretas formuladas aqui no parlamento, porque os estudos efectuados eram no mínimo insuficientes em aspectos essenciais, como o esclarecimento da disparidade existente no próprio estudo relativamente à quantidade de resíduos a tratar, os riscos de transporte e manuseamento e a defesa da qualidade de vida e da integridade das populações.

O próprio Conselho Nacional do Ambiente reconhece no seu parecer não haver condições materiais para decidir de imediato.

A Comissão de Análise do Estudo de Impacte Ambiental, pelo seu lado, alertou o Governo para o facto do Estudo ter graves lacunas e recomendou que no seu despacho o Governo tivesse em conta várias questões como a colocação de alternativas à Estação de tratamento a localizar no Barreiro, incorrectamente situada no interior dum aglomerado populacional.

Também estas questões essenciais foram ignoradas pelo Governo, como aliás se verificou no debate de urgência realizado na semana passada.

Quanto ao debate público, o Governo transformou-o numa farsa.

Surpreendido talvez pelo civismo manifestado pelas populações que, chamadas a pronunciar-se sobre o Estudo de Impacte Ambiental, participaram activamente na discussão, ignorou, na decisão final, as questões legitimamente por elas colocadas.

Neste quadro, não há comissão de acompanhamento que valha a esta decisão, tanto mais que, sendo o objectivo central o tratamento dos resíduos industriais da produção ao destino final, fica por acompanhar todo o processo até ao destino final, designadamente a alternativa à Estação de Tratamento a localizar no Barreiro questão que, voltamos a frisar, a Comissão de Avaliação referiu expressamente como a ter em conta na deliberação a necessidade de uma alternativa.

Pela nossa parte, nunca excluímos qualquer método de tratamento. Ao contrário, todas as hipóteses devem estar em aberto para estudo e debate público, dentro e fora da Assembleia da República; mas os estudos têm que ser credíveis e a suspensão do processo de co-incineração, que é imperioso que se faça neste momento, deve ser total, incluindo a parte referente à Estação de Tratamento porque o processo é de facto global.

Na discussão efectuada, esta questão do tratamento no Barreiro tem sido subestimada, incluindo pela própria Ministra e contudo não há de facto qualquer justificação para tão aberrante decisão.

Só a insuficiência do Estudo de Impacte Ambiental em matéria de transporte de resíduos, e a análise de risco para as populações podem justificar tal decisão, cuja escolha não faz minimamente sentido, mesmo no contexto global da decisão tomada, obrigando os resíduos industriais, incluindo os perigosos, a passearem pelo País e na sua maior quantidade a atravessarem o Tejo duas vezes.

Também do ponto de vista das populações é significativa a escolha bem no centro de um aglomerado urbano com uma das mais elevadas taxas de densidade populacional da Área Metropolitana de Lisboa, de tal forma que a menos de dois quilómetros da localização da unidade residem cinquenta mil pessoas e os acessos rodoviários para entrada e saída dos resíduos são feitos por vias urbanas de trafego intenso e, por vezes, congestionado.

Acresce que a localização não é um parque industrial, como falsamente é referido, no Estudo e no despacho. Trata-se de um parque empresarial com 60% de serviços, alguns dos quais de integração urbana, como centros comerciais e hipermercados.

Parque empresarial publico, que tendo vindo a ser reestruturado contém ainda industrias e materiais de elevado risco, como reconhece o Serviço nacional de Protecção Civil, sendo igualmente reconhecido que a colocação de matérias inflamáveis e voláteis na proximidade potenciaria enormemente o risco de acidente, bem como aumentaria a dimensão das suas consequências, que nesta situação seria por certo a perda de muitas vidas humanas.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Sendo esta Estação de Tratamento uma unidade industrial a construir de raiz, sem qualquer condicionante que não seja a salvaguarda dos acessos, designadamente os rodoviários, no percurso mínimo que os resíduos deverão efectuar, e a defesa da qualidade de vida das populações, é obra refinada a escolha de tal localização.

Para terminar queremos reafirmar que a suspensão deste processo é um imperativo nacional.

É indispensável que se façam os necessários estudos credíveis e que as soluções apontadas sejam debatidas publicamente e consensualizadas. A persistência num processo errado só poderá dificultar a aplicação no futuro das medias nacionais para concretização duma correcta política para os resíduos industriais, incluindo os perigosos, da produção ao destino final. Disse.