Sistema de vigilância e controlo do exercício da actividade de dragagens e extracção de inertes
Intervenção de Miguel Tiago
25 de Janeiro de 2006

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Após tão breve espaço de tempo, voltamos hoje a discutir um projecto de lei que comporta medidas que vão no sentido do melhor controlo, defesa e protecção da orla costeira.

A discussão destas matérias merece, efectivamente, a nossa preocupação, tendo em conta que as alterações morfológicas da linha de costa e de toda a orla costeira portuguesa são significativas e colocam, em muitos casos, em risco as populações que lhe são próximas ou as actividades que se realizam junto a ela.

As alterações da configuração da linha de costa, consequência de movimentos dos sedimentos que se depositam heterogeneamente ao longo desta, são parte de um processo natural, inserido no ciclo litológico.

No entanto, a intervenção da actividade do homem, particularmente a correspondente a intervenções industriais extractivas ou a interposição de barragens no curso dos rios que transportam os sedimentos, representam um factor estranho à evolução natural e ao seu ritmo gradual. Estas actividades e construções acabam por funcionar como um factor de perturbação do ciclo, quer seja pela via da retenção de sedimentos nas albufeiras das barragens, quer seja pela remoção acelerada e descontrolada de inertes ao longo dos cursos de água, ou, mesmo, pela diminuição da capacidade de erosão e transporte dos rios por retenção dos seus caudais.

Neste quadro, faz todo o sentido que o Estado tenha uma intervenção rigorosa no controlo das actividades de extracção e dragagem ao longo das linhas de água. Conhecer com a maior acuidade as operações de extracção e dragagem de inertes é o caminho para possibilitar também a intervenção do Estado quando tal se justifique.

As actividades de extracção de inertes, representando uma indústria de dimensão considerável, empregando uitos portugueses e sendo parte importante da economia de algumas regiões do País, não representam em si uma ameaça. No entanto, o descontrolo e a falta de fiscalização podem gerar ou potenciar casos de abuso ou de práticas menos correctas que, por sua vez, constituirão mais um passo no sentido da degradação da orla costeira.

No entender do PCP, a protecção da orla costeira passa por um conjunto de medidas mais vasto do que aquele que o Partido Socialista nos apresenta hoje, ainda que conjugado com o diploma aprovado há dias nesta Assembleia exactamente sobre a mesma matéria.

Depois de limitar os objectivos da extracção de areias junto à linha de costa e as dragagens dos leitos de estuários, o PS apresenta-nos agora um projecto de lei que visa proporcionar um quadro legislativo que obriga os operadores desta indústria a dar conhecimento automático das suas posições geográficas e de alguns outros dados a um centro designado no projecto de lei por centro de controlo e vigilância de dragagens e extracção de inertes (CCVD).

Esta transmissão de dados, que possibilita ao Estado um controlo bastante mais eficiente sobre a actividade destes operadores, é feita recorrendo a um aparelho emissor que envia os respectivos dados via satélite, sendo posteriormente registados no CCVD.

O recurso às comunicações de satélite pode, assim, ser utilizado como forma de garantir um melhor conhecimento das extracções de inertes, contribuindo, por sua vez, para que o Estado possa ter um controlo mais rigoroso sobre o cumprimento dos contratos de exploração deste recurso mineral, bem como pode assim melhor intervir no que toca à preservação da orla costeira.

No entanto, em nenhuma passagem do articulado o Partido Socialista propõe que sejam controlados os volumes de extracção. Este parâmetro, sendo aquele que mais significativamente contribui para a degradação do regular ciclo de erosão, transporte e sedimentação quando extraído sem controlo e em excesso, deveria também ser alvo de preocupação do projecto de lei.

O PCP continua a defender que devemos encarar a protecção da orla costeira e a salvaguarda ambiental das linhas de água, das suas margens e proximidades, partindo de uma visão bastante mais ampla, capaz de dar resposta também aos problemas que se prendem com os volumes extraídos, além dos locais geográficos donde o são. Uma abordagem mais vasta que possa permitir que o Governo disponha de estudos actualizados regularmente sobre os balanços sedimentológicos dos troços mais significativos da costa portuguesa, para que possa intervir no sentido de garantir a sua estabilidade ou o controlo da sua evolução.

Consideramos que a aprovação deste diploma não pode significar menor preocupação de ora em diante perante o problema colocado. O avanço que significa esta aprovação não terá um impacto positivo suficiente para fazer frente à verdadeira dimensão do problema que se nos coloca. É, antes, uma pequena pedra num edifício muito maior que continua a ser necessário trabalhar. Um edifício legislativo que possibilite o levantamento dos problemas de forma regular e a identificação das soluções mais adequadas, por um lado, e a actuação do Governo no controlo da actividade de extracção de inertes e a punição daqueles que a não cumpram como factor de dissuasão, por outro.

Neste sentido, entendemos que o projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda representa um contributo mais sério, porque se propõe agir sobre algumas das causas, ao invés de simplesmente as enunciar. O projecto propõe vigilância pró-activa do movimento dos sedimentos no território nacional, uma vigilância que se materializa, inclusivamente, na criação de um plano nacional que identifica as regiões críticas e estima os volumes a extrair em cada local. Esta abordagem acaba por transportar, assim, uma visão mais activa no sentido de não só aprofundar o conhecimento do problema mas também proporcionar ao Governo condições para a sua intervenção.

No entanto, os objectivos do plano que o Bloco de Esquerda propõe, nomeadamente o da eliminação total da extracção de inertes no domínio hídrico, carecem de uma reflexão bastante mais ponderada. A grande questão não está na extracção de inertes em si, mas na forma como é feita, em que locais e em que volumes. Este é um dos aspectos desse projecto de lei que nos suscita dúvidas ou mesmo discordância. O PCP não entende, ainda assim, que os projectos hoje discutidos sejam exclusivos, ou seja, parecenos perfeitamente possível conjugar o conteúdo das propostas no sentido de enriquecer o resultado.

Já no passado, o PCP manifestou aqui a sua concordância com os princípios gerais que hoje ambos os projectos encerram. A criação de um plano nacional, de um observatório, capazes de acompanhar quer a evolução natural dos movimentos e migrações sedimentares quer a actividade humana, podem ser contributos para a resolução do problema.

Com as naturais necessidades de ajuste, estamos perante a possibilidade de, no quadro da discussão na especialidade em sede de comissão, poder conjugar linhas essenciais de ambos os projectos, a que acrescentaria, ainda, o conteúdo do já aprovado projecto de lei n.º 133/X, do Partido Socialista, no sentido de criar um enquadramento legislativo coerente e abrangente capaz de responder às necessidades identificadas.

Saudamos, portanto, as iniciativas tidas e contribuiremos, sem dúvida, para a criação de um texto que possa congregar as principais propostas.