Intervenção do Deputado
Joaquim Matias
Reciclagem e regeneração de óleos usados e de solventes
19 de Outubro de 2000
Senhor Presidente
Senhores Deputados,
Segundo os proponentes, o objectivo do projecto de lei 238/VIII do PSD é a reciclagem e regeneração de óleos usados e de solventes, obrigatórias em todo o território nacional, consideradas a par da recolha como actividades de serviço público e, como tal, exercidas mediante gestão directa do Estado ou em regime de concessão. Todavia, a exclusividade expressa no artº 4º do articulado, com a função aparente de obrigar a cumprir esse objectivo, limita-se a excluir, sem qualquer fundamento, outros processos, reduzindo as possibilidades de opção ao dispor de uma correcta gestão deste tipo de resíduos.
Não é tarefa fácil, com os meios técnicos à disposição desta Assembleia, legislar sobre esta matéria. Corre-se mesmo o risco de por via legislativa introduzir procedimentos incorrectos, propor acções impraticáveis ou até apontar soluções que do ponto de vista da saúde pública e do ambiente não sejam as mais convenientes.
Por outro lado, este projecto enferma do mesmo pecado das soluções que o Governo tem apresentado, isto é, começando por referir no preâmbulo a importância da gestão global e integrada dos resíduos industriais e, em especial dos perigosos, acaba por consumar-se apenas na particularidade de dois resíduos, que constituem uma ínfima parcela do grave problema que afecta de facto o nosso país e para o qual é urgente encontrar a necessária solução global e integrada.
Apesar das legislações portuguesa e comunitária privilegiarem a prevenção na produção e a política dos 3 Rs, apesar do PESGRI (Plano Estratégico de Gestão de Resíduos Industriais) apontar claramente para a eliminação dos resíduos, como solução de fim de linha, quando após a implementação de programas de redução, não é possível ou desejável reutilizar ou reciclar, este governo do Partido Socialista, incapaz de efectuar uma correcta gestão dos resíduos, tem-se limitado a procurar soluções parciais e incompletas para eliminar parte dos resíduos (por coincidência ou preferência) sempre e só, quando essa eliminação tem interesse económico para alguns grupos ou sectores. Por isso, não temos quaisquer dúvidas sobre a necessidade de introduzir a reciclagem e a regeneração como operações obrigatórias e indispensáveis a uma correcta gestão dos resíduos industriais perigosos e em particular para os óleos e solventes.
O projecto em si, sem entrar em detalhes de especialidade, que só em sede de comissão deverão ser analisados, não pode deixar de nos suscitar, na generalidade, alguns comentários críticos.
Em primeiro lugar, o conceito da inevitabilidade dos resíduos. E, se é um facto que a produção de resíduos é consequência directa do processo de desenvolvimento, os custos ambientais, sociais, de saúde pública e de segurança já dependem qualitativa e quantitativamente do modelo de desenvolvimento escolhido. O neoliberalismo económico, onde o mercado promove e incentiva o abandono e substituição de produtos muito antes de atingirem o seu tempo de vida útil, não é de forma alguma compatível com a política dos 3Rs.
Em segundo lugar, e como consequência directa deste conceito, a co-responsabilização de todos os actores e intervenientes não parece ter em conta que há uns mais responsáveis que os outros, contrariando aliás o princípio adoptado na nossa legislação do poluidor-pagador. Assim a solução encontrada é, também ela, tipicamente neoliberal ao pretender lançar uma eco-taxa, cujo custo cairá inevitavelmente sobre os consumidores.
Em terceiro lugar, sendo inegavelmente de grande interesse público a reciclagem de óleos usados e solventes, a promoção desta actividade deve merecer incentivos públicos adequados; daí a considerá-la serviço público, parece-nos uma medida desproporcionada.
Por fim, existem algumas contradições entre o articulado e deste com alguma legislação nacional incluindo a produzida por esta Assembleia, bem como com directivas europeias.
A alínea e) do artº 2º aceita unidades industriais que utilizam óleos usados ou solventes como combustível alternativo quando, em completa contradição, o artº 4º proíbe pura e simplesmente a valorização energética de óleos usados e de solventes.
Esta Assembleia proibiu a valorização energética pela co-incineração de todos os resíduos quando houver outro processo melhor do ponto de vista ambiental e da saúde pública e não é certo que a reciclagem de óleos seja sempre mais vantajosa. Esta vantagem só se pode determinar com o recurso à análise dos ciclos de vida que, referida no preâmbulo, é esquecida no articulado. Ora, em França, uma "LCA" justamente sobre as cadeias de reciclagem e valorização energética de óleos usados, encomendada pela Agência do Ambiente e da Energia Francesa em 1998, deu resultados desfavoráveis a alguns tipos de regeneração, face a outras opções possíveis.
A directiva 87/101/CEE no novo artº 10º aditado, estabelece nos pontos 3, 4 e 5 algumas restrições à regeneração de alguns tipos de óleo para os quais o projecto não só não tem solução como impede a valorização térmica como uma das opções possíveis após adequado tratamento.
Não há igualmente solução para os óleos que são perdidos. Como é sabido, embora com tendência a melhorar, apenas 43,4% dos óleos vendidos em Portugal são recolhidos e um sistema de gestão de óleos usados tem inevitavelmente que procurar recuperar a maior quantidade possível de óleo, incentivando a sua entrega em vez do abandono puro e simples, questão que este projecto de lei ignora.
Não há espaço igualmente, segundo o projecto em apreço, para operações prioritárias sobre a reciclagem como, por exemplo, a redução de solventes orgânicos através da sua progressiva substituição por solventes aquosos nas tintas.
Senhor Presidente
Senhores Deputados,
Apesar da apreciação que fazemos do articulado deste projecto, tendo em, vista a necessidade de caminhar para processos de gestão de resíduos industriais que não passam pela sua eliminação pura e simples como têm sido as propostas sistemáticas do Governo, o voto do PCP quer significar a nossa disponibilidade e empenho para, em sede de comissão, podermos chegar a um texto mais adequado e conforme com os princípios da salvaguarda do meio ambiente e da saúde pública, sem exclusão, à partida, de qualquer método de tratamento, abrindo o maior leque de opções possíveis para aplicar em cada caso o mais conveniente. Princípio, aliás, pelo qual nos temos sempre orientado nesta matéria.