Água e saneamento do Alentejo
Intervenção de José Soeiro
14de Setembro de 2005
Sr. Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
A 20 de Abril de 2005 apresentámos, ao abrigo da Constituição e do Regimento da Assembleia da República, ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, um requerimento sobre as candidaturas dos sistemas intermunicipais de abastecimento de água e saneamento em alta, apresentadas, ao Programa Operacional do Ambiente, ao abrigo da legislação em vigor, pelas associações de municípios do Alentejo – Associação de Municípios do Distrito de Évora/Associação de Municípios do Alto Alentejo para o Ambiente (AMDE/AMAMB), Associação de Municípios do Litoral Alentejano (AMLA), Associação de Municípios Alentejanos para a Gestão do Ambiente (AMALGA) e Associação de Municípios do Alentejo Central (AMCAL) e que se arrastavam, sem decisão, desde o já longínquo ano de 2001, ano em que o Engº José Sócrates ocupava o lugar de Ministro do Ambiente, e era o principal responsável pela aprovação das mesmas.
Um mês depois de apresentado o requerimento pelo PCP o Senhor Ministro do Ambiente anunciava em Mértola que “depois de várias peripécias que se arrastaram pelos últimos anos, finalmente” as candidaturas estavam “a caminho de Bruxelas” .
Repito: “depois de várias peripécias que se arrastaram pelos últimos anos, finalmente” as candidaturas estavam “a caminho de Bruxelas”.
Quatro anos Senhoras e Senhores Deputados. Quatro longos anos de atraso que não teriam existido se tivesse havido da parte do Ministro do Ambiente, Engº José Sócrates, a mesma disponibilidade, empenho e vontade política que demonstrou para fazer avançar para Bruxelas, candidaturas de sistemas multimunicipais, apresentados por subsidiárias da Empresa Águas de Portugal, e que para lá nunca teriam seguido se tivessem tido o mesmo tratamento que as candidaturas intermunicipais apresentadas pelas Associações de Municípios do Alentejo, como adiante provarei.
Mas o mais grave é que não foram “peripécias que se arrastaram pelos últimos anos”, como afirmou o Senhor Ministro do Ambiente, que impediram o envio das candidaturas das Associações de Municípios para Bruxelas, pois não foram imprevistos ou acidentes de percurso que estiveram na base destes quatro anos de atraso e que tantos prejuízos já causaram às populações e aos municípios do Alentejo.
Não Senhoras e Senhores Deputados, não foram peripécias mas dualidade de critérios e sobretudo boicote, boicote concertado, boicote com o único objectivo de forçar os municípios a aderir aos sistemas multimunicipais protagonizados pela empresa Águas de Portugal tendo no horizonte a privatização destes importantes serviços públicos essenciais ao bem estar das populações.
Dualidade de critérios comprovados pela forma como o ministério do Engº José Sócrates acelerou o envio da candidatura do “Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Norte Alentejano para Bruxelas cuja primeira versão deu entrada no GGSA em 04-10-2000 e que em 26-07-2001 já estava a caminho de Bruxelas apesar de, na resposta ao requerimento apresentado pelo PCP, se afirmar “Este é um bom exemplo do que não deve acontecer” já que “apresentava uma série de lacunas motivadas pela resolução de questões relacionadas quer com a aplicação da metodologia de análise financeira quer com a apresentação do preenchimento do formulário da candidatura.”.
Lacunas cuja dimensão é perceptível no facto de, como consta na resposta ao nosso requerimento, só depois de “inúmeras reuniões com todos os serviços intervenientes e de inúmeras alterações” ter sido “remetida a última versão da candidatura à CE.” “em Maio de 2003”.
O teor dos segundos pareceres do ICN e do Parque Natural da Serra de S. Mamede, datados de Maio e Abril de 2003, sobre a referida candidatura, é igualmente elucidativo a este respeito quando afirma que “houve também alterações ao objecto do mesmo:
- Foi solicitada referência explícita a instalações já existentes mas que vão ser submetidas a ampliação/remodelação, as quais não tinham sido contempladas no parecer de 2001;
- Foram acrescentadas ao projecto novas infraestruturas que são agora também objecto de parecer;
- Outras infraestruturas não foram incluídas no parecer anterior, por não existir, na altura, informação suficiente para a sua completa caracterização.”
O “Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Centro Alentejo” das Águas de Portugal, resultante da divisão da candidatura apresentada pela AMDE em 2001, divisão fomentada por José Sócrates em Janeiro de 2002, após as eleições de Dezembro de 2001, depois de um ano de constantes pressões junto dos municípios para que aderissem aos sistemas das Águas de Portugal e de atrasos injustificados na apreciação da candidatura da AMDE, foi bem mais rápido. Entrou no GGSA em 11-7-2003 e foi remetida à CE em 25-08-2003.
O empenho do Ministro do Ambiente José Sócrates em defesa dos sistemas multimunicipais da Águas de Portugal era tal que, como denunciaram as autarquias “chegou-se mesmo ao ponto do comunicado do último Conselho de Ministros do Governo PS que criava, à pressa, o sistema multimunicipal para o distrito de Évora, ter incluído, à sua revelia e contra a sua vontade, os Municípios que preferiam manter o sistema público intermunicipal.”
O peso das Águas de Portugal é tal nos sucessivos ministérios do ambiente que em reunião com Isaltino de Morais realizada em 11-10-02 com a AMLA se conclui pela “necessidade de realização de uma reunião técnica com a AMLA” mas esta só deverá ter lugar “após reunião com a AdP”.
Afirmar que o envio das candidaturas das Águas de Portugal foi motivado pelo “objectivo de reforçar o montante de candidaturas em instrução e salvaguardar a data da elegibilidade das despesas” como se afirma na resposta ao requerimento dispensa comentários pois é sabido que as candidaturas das associações de municípios cumpririam igual desígnio o que só reforça a justeza da acusação de dualidade de critérios.
Se dúvidas ainda persistissem bastaria atentar na forma como se foi desenvolvendo a apreciação das candidaturas apresentadas pelas Associações de Municípios pelos sucessivos governos para se compreender a dimensão do boicote de que foram alvo ao longo destes quatro longos anos.
O exemplo da candidatura da AMLA é elucidativo, deu entrada no GGSA em 23-11-01 mas só em 23-5-2003, 19 meses depois são enviadas à AMLA as observações sobre a mesma.
Para justificar atrasos chegou-se a recorrer ao estratagema de dizer que se haviam perdido ofícios da AMLA com respostas a questões colocadas obrigando ao envio de segunda via. Curiosamente nos anexos à resposta ao requerimento vem a cópia dos documentos originais como o prova a data de entrada e não a segunda via referida. Dispensa comentários.
Como todas as outras só em Maio de 2005 seguiu para Bruxelas.
Pergunto-vos Senhoras e Senhores Deputados: acham que isto são peripécias como afirmou o Senhor Ministro do Ambiente? Ou estamos perante mais um caso de instrumentalização e abuso de poder com o objectivo não confessado, mas bem evidente, de transformar a água e o saneamento numa fonte de rentáveis negócios para o sector privado?
Não acharão o Sr. 1º Ministro, o PS e o PSD que é tempo de pedirem desculpa aos alentejanos pelos enormes danos que lhes causaram ao longo destes 4 anos e que a falta de água, este ano, em inúmeras localidades, retrata de forma particularmente dramática? Ou será que para privatizar vale tudo, incluindo os mais elementares direitos das populações?
Acusamos por isso os sucessivos governos do PS e do PSD de dualidade inaceitável de critérios no tratamento das candidaturas apresentadas pelas Associações de Municípios face às candidaturas da Águas de Portugal e de boicote deliberado às primeiras sendo por isso os únicos responsáveis pelos graves atrasos e prejuízos que com a sua deliberada acção causaram às populações e municípios do Alentejo.
Deixo-vos o desafio de demonstrarem o contrário de tudo quanto aqui afirmei.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Eduardo Martins,
Estranho que tenha sido apenas V. Ex.ª que questionou uma matéria que constitui uma séria acusação responsável e funda-mentada.
Este silêncio tem significado político e não pode deixar de ser sublinhado.
Quanto às responsabilidades, frisei e volto a frisar que a primeira responsabilidade foi do Eng.º José Sócrates, enquanto Ministro do Ambiente, na medida em que foi durante o seu governo que os municípios avançaram com estes processos.
Disse ainda que os critérios então utilizados para viabilizar as candidaturas da Águas de Portugal segui-ram em mau estado de elaboração, como o confirma a resposta ao requerimento que o PCP apresentou.
As candidaturas dos sistemas intermunicipais deviam ter seguido e assim poderíamos, com maior legitimi-dade, invocar aqui o Estado de direito.
Na verdade, estivemos perante uma dualidade de critérios que não respeitou a própria lei, que não põe de maneira alguma os sistemas multimunicipais em primazia em relação aos intermunicipais apresentados pelas autarquias.
Por isso, pensamos que nesta matéria não só não se respeitou o Estado de direito, que todos invocamos muitas vezes com muita solenidade, como não houve isenção nem rigor na apreciação das candidaturas.Foi essa a minha primeira afirmação.
Quando disse que também durante os mandatos de governos do PSD se verificaram situações de duali-dade de critérios foi porque, na verdade, a candidatura, que resultou da divisão da candidatura do distrito de Évora, fomentada pelo Eng.º José Sócrates, que pressionou até à última hora para empurrar os municípios para a empresa Águas de Portugal, foi dividida em duas — uma da Águas de Portugal e outra da Associa-ção de Municípios para o Ambiente/Alto Alentejo (AMAMB).
A verdade é que a Águas de Portugal levou um mês para despachar para Bruxelas e a AMAMB, que entrou ainda antes da Águas de Portugal, aguardou meses e meses por resposta e só agora, em 2005, seguiu para Bruxelas juntamente com as outras.
Ora, o argumento utilizado pelo então governo do PSD foi exactamente o mesmíssimo exemplo utilizado pelo governo Partido Socialista, ou seja, que era necessário assegurar a vinda dos fundos que estavam disponíveis em Bruxelas, o que justificaria o avançar com aquelas candidaturas, mesmo que as mesmas não correspondessem integralmente àquilo que deviam corresponder perante os formulários apresentados.
Se este era o critério prevalecente, então é justa a nossa afirmação de que estávamos perante candida-turas que, em igualdade de circunstâncias, tinham o direito de ser tratadas de igual forma. Ora, tendo as candidaturas das associações de municípios entrado primeiro do que as candidaturas da Águas de Portu-gal, era lógico, normal e justo que tivessem sido aquelas as primeiras a seguir para Bruxelas, o que de facto não se verificou.
Esta é a questão de fundo. Talvez seja por tudo aquilo que acabei de referir que recebemos o silêncio da bancada do Partido Socia-lista. Aplausos do PCP.