A grave crise de falta de água que o País presentemente atravessa
Intervenção de José Soeiro (Reunião da Comissão Permanente)
20 de Julho de 2005
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas,
Não é com satisfação que hoje constatamos a justeza de muitas das observações que tivemos oportunidade de fazer já quer neste Plenário, quer na reunião que tivemos com o Sr. Ministro, no quadro da Subcomissão de Agricultura. E tivemos oportunidade de chamar a atenção para duas coisas distintas: uma, naturalmente, tem a ver com as medidas específicas para minimizar as consequências da seca; outra, é relacionada com medidas estruturantes para podermos enfrentar, com alguma tranquilidade, as secas que, como todos sabemos, são frequentes em climas como o nosso.
No entanto, temos referido — e gostava de o sublinhar — o carácter excepcional da seca que estamos a atravessar. Não se trata de uma seca como outra qualquer e é preciso sublinhá-lo, porque creio ser desse sublinhado que podem derivar as consequências de que necessitamos no que diz respeito a ajudas à agricultura portuguesa. Há 50 anos, 60 anos, há mesmo quem fale em 300 anos, que não se vive, no nosso país, uma seca com a dimensão desta que nos está a atingir. E, naturalmente, se é verdade que os regulamentos comunitários — não vou agora discutir se bem ou mal — consagram a ideia de que, em situações de seca, e estamos a falar de seca normal, não são consideradas reunidas as condições para que se possam accionar os fundos de solidariedade da União Europeia, creio que o que todos nós, no Parlamento, no Governo, no Parlamento Europeu, na sociedade portuguesa, precisamos de fazer é ganhar a opinião pública e as instituições para a compreensão de que, perante uma situação excepcional, é efectivamente necessário tomar medidas excepcionais quer no plano nacional, quer no plano da Comunidade Europeia.
Chamámos à atenção de que vivíamos um momento particular, na medida em que tínhamos os agricultores de vários países solidários com os agricultores portugueses — este era um elemento, à partida, importante —, vivíamos um momento de uma certa unidade a nível do Parlamento Europeu, como agora, aliás, se veio a confirmar com a vinda do Sr. Presidente a Portugal, que nos veio dizer exactamente que uma situação excepcional está a ser vivida no nosso país e que, naturalmente, se impõe o esgotar dos mecanismos de excepção nacionais para que possamos aspirar, com toda a legitimidade, a reivindicar, com mais força, com mais fundamentação, a utilização dos mecanismos excepcionais que a própria Comunidade consagra. E é este o problema de fundo.
Pensamos que poderia ter sido bom — e oxalá isso tivesse acontecido! — termos decretado a calamidade pública, quando colocámos na mesa essa possibilidade, e termos, no dia seguinte, chuva em abundância que nos permitisse dizer «afinal de contas, este desiderato deixou de se justificar, e ainda bem para todos». Não foi isso que se verificou, não é isso que se verifica e nós consideramos que, na verdade, temos…
(...)
Então, Sr. Presidente, se me dá licença, formulo apenas a pergunta.
Então, Sr. Presidente, pergunto apenas ao Sr. Ministro o que será necessário acontecer mais para podermos desencadear em Portugal o estado de calamidade — qualquer dia uma catástrofe, pois já começa a utilizar-se este conceito — e aspirar a intervir no sentido de conseguir a solidariedade europeia para a situação que vivemos.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Começo por referir que a invocação do estado de calamidade é uma necessidade para o momento que vivemos e que pouco tem a ver com a ideia de defender os interesses dos grandes, dos pequenos ou dos médios agricultores. A nossa preocupação é a defesa da agricultura portuguesa.
Em segundo lugar, penso que é uma evidência — e se eu estiver errado, naturalmente, alguém o explicará — que as palavras do Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu são verdadeiras (ou não), quando considera que para se desbloquear as verbas de Bruxelas terá de ser considerado que vivemos uma situação excepcional e que seria necessário que Portugal declarasse o estado de calamidade para ter acesso a esses fundos. Esta é que é a questão política central.
A questão não está em saber se o facto de se declarar o estado de calamidade vai beneficiar 200, 300, 400 ou 500 agricultores. O problema é que não podemos beneficiar os restantes com a solidariedade internacional sem que este passo seja dado, segundo dizem os representantes da União Europeia. Se isto for falso, então, retiro o que digo; se for verdadeiro, então, penso que temos estado a atrasar-nos. Creio que não será necessário, porque seria absurdo, que seja Bruxelas, amanhã, a decidir aquilo que todos sabemos, que todos reconhecemos e que está à vista de toda a gente: solidariedade excepcional para uma situação excepcional, repito. Não vivemos apenas um período de seca.
A segunda questão que gostaria de colocar à consideração da Assembleia tem a ver com aquilo que se impõe fazer. Naturalmente todos nos congratularemos com a antecipação da construção das infra-estruturas de Alqueva, que há muito podiam, e deviam, estar concluídas; naturalmente todos nos congratularemos se o regadio da Cova da Beira se concluir, como há muito tempo devia estar concluído; naturalmente todos nos congratularemos se Odelouca for por diante, se Vilarinho for por diante, assim como tantas e tantas barragens que já foram referidas aqui e que aguardam decisão governamental.
Este plano de construção de barragens como forma estratégica de captar água não apenas para o regadio mas também para o abastecimento público é importante, pois é uma evidência que a água se torna, cada vez mais, uma questão central para assegurar qualquer processo de desenvolvimento sustentável e, sobretudo, para garantir respostas a problemas que são cada vez mais prementes nesta área, principalmente o dos consumos, já que a água é finita.
Aquando do debate aqui feito sobre esta matéria, levantámos a possibilidade de, em conjunto com os agricultores e com as estruturas desconcentradas do Governo existentes em cada região, avançar com medidas de carácter excepcional para uma situação que se pode verificar… Não é para as barragens estruturantes, porque para essas temos de ter um plano, temos de dar prioridades e temos de avançar com a sua construção. Penso que, hoje, isso é uma evidência para todos. O problema que se coloca é o de que…
Como dizia, o problema que se coloca é o de que podemos ter um ciclo de seca por diante e há pequenas barragens e pequenas albufeiras que podem e devem ser construídas de imediato em zonas estratégicas. Para isso avançámos aqui com a ideia da mobilização, inclusivamente, da engenharia militar que, juntamente com outros meios, poderia ser susceptível de mobilização no imediato. Isto é, caso chovesse durante três dias este ano, a água que caísse fosse aproveitada, sob risco de ficarmos perante uma situação de catástrofe e de dramatismo muito maior do que aquela que vivemos.
Esperamos que, nesta matéria, haja bom senso, até porque não fazemos disto uma questão política, de «ganho eu» ou «ganhas tu». Fazemos disto uma batalha em que ganhamos todos se conseguirmos este objectivo.