Relatório Garot - sobre os rendimentos
agrícolas na União Europeia
Intervenção de Ilda Figueiredo
10 de Fevereiro de 2004
Os agricultores têm direito a rendimentos dignos, pelo que a garantia de preços remuneradores à produção devia ser a premissa base da Política Agrícola Comum (PAC) para garantir um nível de vida adequado e equitativo ao de outros sectores de actividade, de forma a manter a actividade agrícola em todo o território da União Europeia.
É verdade que estes são objectivos consagrados na PAC. Só que os seus mecanismos estão em contradição absoluta com os objectivos, dando prioridade a uma política de redução dos preços à produção e à liberalização, externa e interna, dos mercados agrícolas. Sabe-se que esta política é responsável pelo desaparecimento de milhares de explorações agrícolas e postos de trabalho, tendo promovido a concentração, intensificação e verticalização da produção, a centralização da terra e a desertificação crescente do mundo rural. Igualmente agravou a repartição injusta das ajudas agrícolas entre produtores, produções e países.
Foi este modelo que, 12 anos passados da reforma da PAC de 1992, continua a manter a profunda injustiça de 20% dos grandes agricultores ficarem com quase 80% dos apoios. Registe-se que, em Portugal, 1% dos grandes agricultores arrecada quase metade destas ajudas, o que sempre contestámos.
Ora, a verdade é que a actual reforma da PAC, com a desvinculação das ajudas à produção na base de referências históricas, congela estas assimetrias. Foi uma oportunidade perdida não avançar para uma verdadeira modulação e plafonamento das ajudas que não fosse apenas uma mera transferência de verbas para o desenvolvimento rural, mas, sim, servisse para colmatar as profundas desigualdades na distribuição das ajudas entre agricultores e países.
Importa, por outro lado, salientar que a redução dos preços de venda dos produtos e o crescimento dos custos de produção, mesmo com a compensação parcial das ajudas à produção, conduziu ao desaparecimento de cerca de 16% das explorações agrícolas, entre 1995 e 2002, sem que os consumidores tenham sentido reduções dos preços dos bens alimentares. Aliás, estes aumentaram, no mesmo período, cerca de 11%, enquanto o índice dos preços à produção baixou mais de 1%.
Por isso, quando se afirma que os rendimentos agrícolas cresceram 7% na UE, incorre-se numa mistificação, não só porque este valor foi conseguido à custo da concentração da produção e da terra, como existem enormes desvios na evolução dos rendimentos entre países, entre produções e entre produtores. É reconhecido, por exemplo, que, em Portugal, os rendimentos dos grandes agricultores cresceram muito mais que os rendimentos dos pequenos e, é bom que se diga, desde a adesão de Portugal desapareceram no país, em média, duas explorações agrícolas por hora.
Assim, sendo o preço um factor determinante, é preocupante a desregulamentação progressiva dos mecanismos de mercado da PAC, para além das discriminações existentes destes mecanismos entre produções continentais e mediterrânicas. Tendo em conta a volatilidade e especificidade do sector agrícola é indispensável a existência de mecanismos eficazes de regulação do mercado e de estabilização da oferta para assegurar os rendimentos agrícolas. Importa, também, como pede o relator, uma adequada protecção externa do mercado agrícola e a criação de mecanismos comunitários de intervenção no caso de calamidades que atinjam este sector.
Também o desenvolvimento rural precisa de ser reforçado com mais verbas, mas isso implica um aumento do orçamento agrícola, praticamente congelado até 2013, por decisão do Conselho de Copenhaga. Tal reforço permitiria, sobretudo, garantir indemnizações compensatórias aos agricultores situados em regiões mais desfavorecidas ou aos agricultores de menor rendimento. O que é essencial para manter uma agricultura multifuncional e produtos agrícolas de boa qualidade.