Alterações na revisão da PAC - De mal a pior...
Nota do Gabinete de Imprensa do PCP

28 de Janeiro de 2003

 

1. O Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, reunido em Bruxelas, aprecia desde ontem as propostas de alteração do projecto de «revisão intercalar da PAC», apresentadas pela Comissão Europeia. A avaliação sintética das novas propostas do Comissário Fischler é fácil de fazer: de mal a pior!
E não se sabe o que mais admirar. Se a desfaçatez de quem andou a passear pela União Europeia, pretensamente para ouvir os agricultores e, num notável exercício de autismo, nada ouviu das críticas que, consensualmente, foram avançadas contra o seu projecto apresentado em Julho de 2002. Se a desfaçatez com que se apresentam alterações que agravam o que já era muito mau!

2. Na base dos mesmos argumentos fraudulentos que sustentavam o projecto de Julho – a defesa do ambiente e dos interesses dos países menos desenvolvidos do planeta – procura responder-se ao que, desde o início deste processo de revisão da PAC, são os reais motivos para a revisão: a realização de novas poupanças para «acomodar», na União Europeia os países do alargamento, facilitar as suas posições a favor da total liberalização do comércio de produtos agrícolas nas negociações em curso da Organização Mundial do Comércio (OMC), para maior glória dos lucros das transnacionais da agro-indústria, da grande distribuição, do comércio internacional e dos interesses dos proprietários de grandes patrimónios fundiários, dos grande agricultores e das grandes potências agrícolas da União Europeia.
Mantém-se a discriminação negativa dos produtos mediterrânicos, sem ajudas ao rendimento ou mecanismos adequados para regularizar os seus mercados. Resultado de uma negociação da Política Agrícola Comum que segmenta a reforma das Organizações Comuns de Mercado (OCM) – agora, quando se decide da redistribuição das verbas disponíveis, reformam-se as OCM das produções predominantes nos países do Norte (cereais, carne de bovino, leite, batata para fécula, etc.), para o ano (ou quando calhar) as OCM dos produtos típicos do Sul (azeite, algodão, tabaco, frutas e hortícolas, vinho, etc.). Sublinhe-se, assume-se descaradamente a ajuda ao rendimento da batata para fécula, mantém-se sem OCM nem qualquer ajuda, a batata para consumo tal e qual!
Acrescentam-se novas baixas de preços à produção (leite), em simultâneo com novas reduções do nível das ajudas directas ao rendimento, e fim de mecanismos de intervenção (centeio).
Insiste-se no desligamento das ajudas directas ao rendimento das respectivas produções, e agrava-se a situação, ao transformá-las em «direitos de ajudas» transaccionáveis entre exploração, acompanhada ou não de transacção da terra!!!
Põe-se fim ao «plafonamento» (tecto) admitido, ainda que de forma insuficiente, em Julho, que procurava limitar, mesmo que timidamente, a concentração das ajudas nas grandes explorações, e mantém-se um simulacro de «modulação», para disfarçar um corte quase cego de ajudas (pouco adequado à dimensão e diversidade das explorações) para realizar poupanças. Reduz-se a parte dessas poupanças destinadas ao Desenvolvimento Rural, o que tem consequências directas para Portugal.
Repete-se o cálculo das ajudas directas ao rendimento a partir de referenciais históricos de produção, perpetuando-se a inaceitável, injusta e desigual distribuição dos dinheiros comunitários agrícolas entre produções, agriculturas e países. Ficam, mais uma vez, os rendimentos dos agricultores portugueses amarrados ao atraso da sua agricultura e, mais uma vez, um maná comunitário vai favorecer os grandes proprietários do Sul do País.

3. É ainda mais claro agora, face ao encaixe das propostas e alterações do Comissário Fischler «no quadro financeiro das despesas agrícolas até 2013», decidido pela Cimeira de Bruxelas em Outubro último, a risível encenação de preocupações e reclamações do Governo português para uso interno em mediática cruzada em defesa da agricultura nacional. Quem aprovou, como o fez o Governo, o primeiro-ministro Durão Barroso e o ministro dos Negócios Estrangeiros, as conclusões de Bruxelas, de congelamento das despesas agrícolas no contexto do alargamento a dez novos países, deve agora assumir o ónus político das suas consequências.
Espera o PCP, apesar disso, que a dureza verbal e a elevada parada do sr. ministro da Agricultura, jogando a ratificação do processo de alargamento na Assembleia da República versus resposta aos problemas da agricultura portuguesa, não seja mais teatro para disfarçar a completa subserviência face aos ditames de Bruxelas.
Mas não é bom augúrio, para a defesa da tão nomeada «especificidade portuguesa», que com o projecto e as alterações agora apresentadas de revisão da PAC, Portugal continue a ser o país (com excepção do Luxemburgo) que menos «ajudas directas» receberá no período 2004/2013, com o aumento dessas ajudas a crescer em Portugal abaixo da média comunitária e da generalidade dos países do Norte da Europa!
Anote-se a continuidade e coerência das posições de destacados quadros do PS – depois do ex-ministro Capoulas Santos, foi agora a vez do ex-secretário de Estado Vítor Barros – (e que se julga enunciarem as posições oficiais do PS) às propostas do sr. Fischler, conseguindo ver o que ninguém vê: «mais os aspectos “muito positivos” na proposta da Comissão do que os negativos», agradavelmente conformados com a situação de profunda desigualdade e injustiça em que se encontram a agricultura e os agricultores portugueses face aos seus congéneres europeus.

4. O PCP continuará, em coerência com as posições há muito assumidas, a defender, na Assembleia da República, no Parlamento Europeu e na sua intervenção política quotidiana, uma profunda reforma da PAC. Uma reforma da PAC que tenha, naturalmente, em conta a dimensão ambiental da agricultura e a necessária solidariedade da União Europeia com os países e os povos a braços com problemas de subdesenvolvimento e carências alimentares.
Uma reforma da PAC que privilegie a defesa da segurança e da soberania alimentares – o direito a produzir para uma maior cobertura das necessidades nacionais – a manutenção de uma rede densa de pequenas e médias explorações, os rendimentos da agricultura familiar e especificidades agrícolas dos diversos Estados membros e, em particular, a resposta à necessidade de promover e desenvolver os produtos mediterrânicos, um justo reequilíbrio das ajudas agrícolas entre países, produções e produtores, a coesão económica e social dos países e da União Europeia.