AGENDA 2000
As propostas de reforma da política agrícola comum
(PAC) e dos fundos estruturais: um grave atentado aos interesses nacionais
Conferência de Imprensa do PCP
23 de Março de 1998
A Comissão Política do PCP realizou uma primeira abordagem das propostas da Comissão
da União Europeia para a revisão das normas de aplicação dos Fundos Estruturais
e a alteração de algumas das políticas agrícolas. E, da análise realizada, as
conclusões são inequívocas:
A possível concretização tal e qual das propostas agora anunciadas seria
um grave atentado aos interesses do País;
está em curso mais um rude golpe para a já arruinada agricultura portuguesa,
consubstanciando, na prática, uma futura total substituição da produção agroalimentar
nacional por produção importada;
as alterações anunciadas traduzir-se-ão por uma possível e substancial
redução dos fundos recebidos por Portugal e o favorecimento dos países mais ricos
da União Europeia.
1. A Comissão Política considera que deve começar-se
por denunciar e criticar profundamente a forma como o governo PS abordou a chamada
Agenda 2000. Se houve ou há «estratégia negocial», ela evidencia-se como um rotundo
fracasso.
Depois de meses a fio de subestimação da gravidade das propostas contidas
na Agenda 2000 recordar que foram tornadas pública em Julho de 1997
que já prefiguravam as orientações e medidas agora pormenorizadas, até à aceitação
e aprovação, sem qualquer objecção, no Conselho de Dezembro, do processo de alargamento
a Leste, tudo cobrindo com palavras e discursos de um optimismo balofo, o Governo
PS aparece agora a fazer o papel de dama ofendida e indignada.
Apesar dos avisos que foram sendo feitos desde há meses pelo PCP o Governo,
sempre na linha de que o segredo é a alma do negócio, não deu ao País uma informação
rigorosa sobre o que se tramava, inviabilizou assim uma efectiva mobilização e
convergência de forças sociais e políticas para a defesa dos interesses nacionais.
Agitando para uso interno um «oásis económico» que depois desmente em
Bruxelas, embandeirando em arco com o 1º Pelotão para a Moeda Única, ou proferindo
afirmações de satisfação ou de expectativa positiva sobre os documentos e declarações
de Bruxelas, o Governo PS acabou por fragilizar gravemente a posição negocial
do País.
Foi e é insustentável que o Governo português, pela boca do ministro dos Negócios
Estrangeiros, tenha afirmado que a proposta de reforma da PAC «abre perspectivas
interessantes», e que o ministro da Agricultura tenha subscrito as conclusões
do Conselho de Ministros da Agricultura de Novembro de 1997, onde se afirma que
«as perspectivas a longo prazo sobre os principais mercados agrícolas constantes
da Agenda 2000 podem ser considerados como uma hipótese de trabalho aceitável».
Como é revelador de uma posição que não serve os interesses da agricultura nacional
que, perante as propostas conhecidas, o ministro Gomes da Silva tenha recentemente
afirmado que existem nelas «doutrina política suficiente para salvaguardar o essencial
das nossas posições».
E é absurdo, até do ponto de vista negocial, que os membros do Governo façam agora
declarações de optimismo, como a feita pelo ministro da Agricultura, de que o
País poderá recuperar nas transferências para a agricultura o que perderá nos
fundos estruturais!
Não repudiando à partida e de forma clara as propostas contidas na Agenda
2000, o Governo acabou por, implicitamente, aceitar os desenvolvimentos agora
especificados em projectos de regulamento.
A Comissão Política não pode também deixar de denunciar a hipocrisia do que
sobre o assunto proferiu recentemente Marcelo Rebelo de Sousa, bem como as lágrimas
de crocodilo vertidas sobre a situação da agricultura portuguesa.
Todos os portugueses se lembram que foi sob o governo PSD de Cavaco Silva, que
um ministro do PSD «orgulhosamente» presidiu à anterior reforma da PAC, que agora
a Agenda 2000 desenvolve nas suas orientações fundamentais. Que foi o governo
do PSD que conduziu a agricultura portuguesa ao descalabro conhecido.
Todo o quadro negro que se perfila para os interesses nacionais resulta ainda
mais negro quando se têm em conta as notícias vindas a público sobre a recente
reunião informal dos ministros das Finanças da União Europeia, onde alguns países
contribuintes líquidos do Orçamento Comunitário, com a Alemanha à frente, se afirmaram
seriamente dispostos a reduzir o nível das suas contribuições, e se avança a possibilidade
de países como Portugal terem de aumentar as suas remessas para a União Europeia,
ou verem reduzido à sua participação no Fundo de Coesão.
2. Sobre a reforma das regras que
presidem à aplicação dos fundos estruturais, deve começar por sublinhar-se que
o tecto dos recursos comunitários (pagamentos) será, no que respeita aos actuais
quinze Estados membros (com ou sem alargamento), inferior a 1,16% do PNB, no termo
do período 2000/2006. Isto porque ao tecto global de 1,27% do PNB (igual ao
definido em Edimburgo para o actual quadro financeiro comunitário), há que retirar
0,11% para a adesão dos países de Leste, mais os montantes fixados especificamente
para a pré-adesão. E é de recordar que os valores absolutos apresentados pela
Comissão decorrem de um quadro francamente optimista: crescimento médio de 2,5%/ano
para os actuais quinze Estados membros e de 4%/ano para os candidatos à adesão
e uma taxa de inflação de 2%.
Destes limites decorre inevitavelmente uma redução das despesas com as acções
estruturais. Em termos absolutos, sofrerão uma diminuição de 17% (de 39.025
mecu em 1999 para 32470 mecu em 2006) e, em termos relativos, passará de 38% do
total do orçamento comunitário para 30%, no mesmo período. Simultaneamente, e
ainda no mesmo período, aumentarão as despesas com agricultura (mais 14%), com
as políticas internas (mais 15%), com a política externa (mais 15%), com a administração
(mais 12%).
Para Portugal é de admitir que isto signifique uma perda de cerca de 500 milhões
de contos e o lugar de segundo país mais prejudicado com o processo de alargamento
a Leste da União Europeia.
Algumas questões merecem uma referência específica.
Em nome do rigor orçamental, serão acrescidas as dificuldades de
transferências para os Estados; a Comissão concentrará mais e novos poderes
sobre o encaminhamento a dar a uma parte muito significativa dos fundos; ocorrerão
cortes automáticos nas autorizações se se verificarem atrasos de execução, mesmo
que os projectos estejam já em curso.
Sobre o Fundo de Coesão, para lá de uma possível redução dos meios
financeiros atribuídos, propõe-se alterar os conceitos/critérios de elegibilidade,
passando a coesão e a convergência orçamental a deter pesos idênticos
no âmbito de um fundo que, criado para a coesão no Tratado da União Europeia,
parece sê-lo cada vez menos. Procura reforçar-se a condicionalidade (pelo não
cumprimento dos critérios de convergência) no acesso ao fundo, propondo-se que
a suspensão possa passar a ser preventiva e estabelece-se a possibilidade da diminuição
das taxas de comparticipação comunitária.
Propõe-se alterar os critérios de distribuição de fundos, em particular
inscrevendo-se o emprego entre eles, com óbvio prejuízo para os países e regiões
de fraco desenvolvimento relativo e com valores oficiais de desemprego abaixo
da média comunitária.
Mantém-se como critério para a definição das regiões de objectivo 1
a norma dos 75% do PIB per capita expresso em PPC (Paridade de Poder de Compra),
o que afastará a Região de Lisboa e Vale do Tejo desse objectivo, com
uma redução brutal das verbas que hoje recebe, com consequências em todo o País.
Isto é, através de um índice estatístico, inadequado para a avaliação do estado
de desenvolvimento regional (se se utilizar o PIB per capita expresso em ecu,
Lisboa e Vale do Tejo continua no objectivo 1), colocam-se as regiões menos desenvolvidas
dos países ricos numa situação mais favorável, no acesso aos fundos, do que às
regiões mais desenvolvidas dos países pobres. Além do absurdo de serem atingidas
por essa exclusão das regiões do objectivo 1 concelhos como Sardoal e Ferreira
do Zêzere, do distrito de Santarém, ou Cadaval e Lourinhã, do distrito de Lisboa.
3. As propostas de reforma da Política
Agrícola Comum apresentadas pela Comissão Europeia no último Conselho de Ministros
da Agricultura (de acordo com a versão que veio a público) são inaceitáveis para
a agricultura e os agricultores portugueses, porque:
Continuam a discriminar as culturas específicas dos países do Sul
e as que mais pesam no rendimento das explorações familiares. Enquanto
as «grandes culturas», típicas das regiões do Centro e Norte da Europa e das grandes
explorações (cereais, leite e carne de vaca) aumentarão o seu peso no orçamento
agrícola da Comunidade entre os anos 2000 e 2006 de 57% para 64%, as produções
específicas dos países da orla mediterrânea e dos pequenos agricultores (como
o azeite, as frutas e legumes, o vinho e o tabaco) vêem diminuir o seu peso nas
despesas agrícolas da Comunidade de 14% para 12%. Importa recordar que estas produções
características da agricultura portuguesa representam 64% das explorações, ocupam
57% da força de trabalho e com apenas 36% da superfície total contribuem com 67%
para o VAB do sector.
Impõem tectos de produção sob a forma de quotas às culturas mais
adequadas às condições edafoclimáticas de países como Portugal, impedindo a agricultura
nacional de crescer nas únicas produções onde tem vantagens comparativas e capacidade
concorrencial no âmbito dos sistemas culturais europeus. É o caso do azeite,
do vinho e das frutas e legumes, por exemplo. No que se refere ao azeite a possibilidade
anunciada (e que parece ser suficiente para contentar o Ministro Gomes da Silva)
de Portugal poder continuar a plantar olivais nos próximos três anos esconde que
essa «excepção», a ter como limite uma quota de 43.700 toneladas, inviabilizará
o objectivo de 120.000 toneladas/ano previsto no Plano Oleícola Nacional como
meta da expansão da produção oleícola nacional prevista para o ano 2015. Como
esconde igualmente a supressão da ajuda ao consumo, da ajuda diferenciada para
os pequenos agricultores e da ameaça, que continua de pé, de substituir a ajuda
à produção pela ajuda à árvore daqui a três anos. Além de que é inaceitável que
numa produção cujo consumo tem enormes potencialidades de expansão para a ordem
dos 2 milhões de toneladas a Comissão Europeia queira estabelecer um limite de
pouco mais de 1,5 milhão de toneladas para satisfazer as exigências das multinacionais
produtoras de outros óleos, prejudicando as possibilidades de expansão de uma
cultura das de maior interesse para os países do Sul. Também de acordo com os
dados conhecidos as propostas da Comissão Europeia apontam para o congelamento
das ajudas ao vinho e diminuição nas frutas e legumes.
Amarram os países às suas produtividades históricas o que é o mesmo
que dizer que amarram Portugal ao seu próprio atraso.
Impõem diminuições de preços no caso do leite (menos 17%), da carne
de bovino (menos 30%) e dos cereais (menos 20%), só parcialmente compensados,
visando prosseguir a desregulamentação dos mercados, o que se traduzirá numa nova
diminuição dos rendimentos dos produtores.
O anunciado tecto nas ajudas às grandes explorações, a confirmarem-se os números
que vieram a público, não passam de poeira atirada aos olhos. Basta recordar que
se o limite for de 20 mil contos/ano de ajudas a partir do qual haveria reduções
de ajudas, então, no que toca a Portugal, e de acordo com a lista do escândalo
da distribuição das ajudas que o PCP divulgou há cerca de um ano, só cerca de
20% dos grandes beneficiários seriam afectados. E nada aponta que as poupanças
assim conseguidas revertam para aumentar os apoios aos pequenos agricultores.
Acresce que a criação dos já intitulados «envelopes nacionais», á custa da redução
dos apoios comunitários, poderá constituir se ficar dependente das disponibilidades
orçamentais de cada País para completar o valor do «envelope» a porta aberta
para a renacionalização da PAC (que o Reino Unido, por exemplo, há muito vem defendendo)
o que, em condições de total liberalização dos mercados, se traduziria numa ainda
maior redução relativa dos apoios a receber pelos agricultores portugueses por
comparação com os agricultores de outros países com mais fortes disponibilidades
financeiras.
Entretanto nada se sabe e, em muitos casos nada existe, quanto a modalidades de
apoio que permitam reconverter os sistemas produtivos nacionais, quanto ao alargamento
das indemnizações compensatórias aos agricultores a tempo parcial e às explorações
com menos de 2 hectares, quanto à necessária e urgente reestruturação fundiária,
quanto à promoção do associativismo de produção e ao reforço e reestruturação
dos circuitos de escoamento da produção, etc.
Assinalamos, nesta matéria (para o que já em tempo oportuno tínhamos
alertado), como erros graves de estratégia negocial o aceitar-se e, pior, colaborar
em reformas parciais das Organizações Comuns de Mercado (OCM), persistindo no
erro da reforma da PAC de 1992, de reformas distintas e em tempos diferentes das
diversas produções agrícolas. O continuar a aceitar-se, sem discussão ou oposição,
como princípios determinantes das alterações das regras da PAC, as orientações
compatíveis com as negociações do GATT/OMC, o que imporá sempre, com maiores ou
menores compensações financeiras, uma política agrícola comunitária mortífera
para os países do Sul.
Todo este quadro vai agravar substancialmente a crise em que vivem os
agricultores portugueses e a agricultura nacional. As palavras de propaganda do
primeiro-ministro e do Ministro da Agricultura na inauguração da OVIBEJA não conseguem
escamotear que os rendimentos dos agricultores portugueses voltaram a cair em
1997 (- 13,7%) enquanto a média de quebra na União Europeia foi de 3,1%, que o
saldo da Balança Comercial Agrícola se continua a degradar, que as perspectivas
da agricultura continuem a agravar-se.
O ministro da Agricultura de Portugal que ainda há bem pouco tempo afirmava em
entrevista para consumo interno que «a PAC é uma política anti-coesão» já está
a ensaiar argumentos para vir a aceitar uma reforma da PAC que vai agravar sensivelmente
a «política anti-coesão». Ao deixar cair a defesa da «especificidade da agricultura
portuguesa», ao fixar limiares extremamente baixos para as exigências nacionais,
ao ler nas propostas do Comissário Fischler virtudes que elas não contêm, o Ministro
Gomes da Silva está a preparar o terreno para, como do antecedente, aceitar uma
Reforma que agravará ainda mais as dificuldades estruturais da agricultura portuguesa
a troco de dez reis de mel coado.
A Comissão Política do PCP reafirma a sua disponibilidade para articular
a sua intervenção, nomeadamente no quadro do Parlamento Europeu, relativamente
a estas questões com outras forças e instituições sociais e políticas, no sentido
de potenciar a força negocial do País e defender os interesses nacionais.