Conferência de Imprensa do PCP sobre alguns problemas da agricultura portuguesa
Declaração de Agostinho Lopes, da Comissão Política do PCP
29 de Julho de 1996

 

I - Reforma da OCM das Frutas e Legumes

1. A propósito do último Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia o País foi alvo de uma operação de mistificação dos resultados obtidos pelo Governo português.

Tendo tido entretanto acesso não às informações que o Ministro da Agricultura divulgou mas às conclusões da sessão do Conselho (Documento 9145/96, Presse 211-G) estamos em condições de afirmar que a pretexto da quota do tomate o Governo pretendeu transformar resultados claramente decepcionantes para os interesses portugueses em alegadas vitórias inexistentes.

De facto e sem prejuízo de alguns resultados que minimizaram as propostas iniciais altamente gravosas da Comissão Europeia quanto à quota do tomate a verdade é que nem nesta matérias os resultados correspondem ao que o Ministro da Agricultura anunciou nem a importante reforma da Organização Comum dos Mercados das Frutas e Legumes, onde os resultados foram nefastos, se limita à questão do tomate.

Quanto a esta é positivo que a proposta inicial, sem fundamento, da Comissão Europeia, de redução de cerca de 20% na quota do tomate para concentrado não tenha obtido vencimento.

Contudo:

2. Mas o aspecto porventura mais grave dos resultados do Conselho agrícola reside no facto de, ao contrário das afirmações de aparente firmeza anteriormente formuladas, o Governo português ter aceite, seguramente como moeda de troca, uma proposta global da reforma da OCM das Frutas e Legumes que o próprio Ministro da Agricultura tinha considerado inaceitável.

Trata-se:

3. Estes resultados globais são altamente negativos conduzindo futuramente à desincentivação da produção horto-frutícola, à desincentivação da criação de organizações de produtores e à quebra do rendimento dos agricultores numa das áreas estratégicas e alternativas para a agricultura portuguesa.

A posição de aceitação da reforma pelo Governo português contraria profundamente a recomendação da Assembleia da República, aprovada por unanimidade, e que se pronunciava pela necessidade "de serem claramente assegurados na futura política comunitária os princípios da preferência comunitária e de solidariedade financeira".

A reforma da OCM agora aprovada não respeita sequer as insuficientes propostas de emenda contidas no Relatório Àrias Cañete votado no Parlamento Europeu a 14 de Março passado. (Talvez se justifique agora perguntar aos deputados europeus do PS/PSD/PP a justeza dos seus votos favoráveis dados na presunção de que a Comissão e o Conselho íam seguir as indicações do Parlamento Europeu...) Como também não respeita o Parecer emitido pelo Comité Económico e Social das Comunidades Europeias.

Como se verifica, e não dizemos isto com alegria, os resultados globais alcançados são negativos para os interesses da agricultura e dos agricultores portugueses e estão longe de corresponder às alegadas vitórias anunciadas pelo Ministro da Agricultura.

A importância estratégica dos frutos e legumes frescos para a agricultura e para os agricultores portugueses, onde representam 35% do PAB vegetal e 18% do PAB total, deveriam ter obrigado o Governo português a posições de maior firmeza na defesa e promoção do sector que não estão traduzidas nos resultados alcançados no último Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia e designadamente num período em que se perspectiva a diminuição dos apoios estruturais à agricultura nacional.

II - Outros resultados do Conselho e a agricultura portuguesa

Também de outras decisões do Conselho se vangloriou o Ministro da Agricultura. Só que também as restantes "vitórias" são bem magras e insignificantes para contrapartidas a decisões graves para a agricultura portuguesa.

Cantou "vitória" o Ministro com a decisão do País não ficar obrigado ao arranque da vinha durante 2 anos e com uns ridículos 719 hectares para novas plantações. Esqueceu-se de dizer que a distribuição dos 10 000 ha de novas plantações a nível da Comunidade premiou os países com altas produtividades e/ou responsáveis pelos excedentes comunitários e que esses países que continuam a encharcar o mercado nacional de vinho de má qualidade também foram desobrigados do arranque.

Cantou "vitória" o Ministro com o insuficiente acréscimo da quota de beterraba de 10 000 toneladas e com a promessa (e para já só existe a promessa) de que a Comissão irá apresentar ao Conselho uma proposta que permita que as explorações agrícolas entre 1 e 2 ha continuem a ter direito a Indemnizações Compensatórias.

São "vitórias" que não podem ocultar a gravidade da já referida aprovação da OCM das Frutas e Legumes, e também a aprovação do Pacote de Preços para a campanha de 96/97 e que no fundamental propõe reduções reais dos preços institucionais dos produtos agrícolas. Pacote de Preços Agrícolas que vai significar a continuação da baixa de rendimentos dos agricultores portugueses, com mais dificuldade em enfrentar uma crescente liberalização dos mercados agrícolas, quer por via dos compromissos decorrentes dos Acordos do Gatt/OMC quer por efeito dos sucessivos acordos da União Europeia com países terceiros - Marrocos, Turquia, Mercosul, África do Sul, etc.

As manifestações de produtores de batata da região de Coimbra na sexta-feira passada, os problemas que vivem os produtores de melão do Ribatejo e outras regiões, são o espelho de uma situação que não cessa de se agravar, com a produção agrícola nacional desvalorizada, sem escoamento, enquanto o País é invadido por produções de outros países.

Acrescente-se a situação dramática dos criadores de gado bovino decorrente dos problemas criados pela BSE, e sem que o Governo tome o conjunto de medidas de emergência que a situação impõe. O País arrisca-se a liquidar completamente esta fileira da produção pecuária.

Talvez fosse ajustado que o Governo falasse menos das suas "vitórias" em Bruxelas e agisse mais para responder aos problemas da agricultura portuguesa.

III - Política Florestal Nacional

A aprovação, pela Assembleia da República, por unanimidade, no último dia dos trabalhos parlamentares, da Lei de Bases da Política Florestal elaborada a partir de, entre outros, o Projecto de Lei de Bases de Desenvolvimento Florestal do PCP que tinha sido aprovado na generalidade, dota o País de uma boa e inovadora Lei Florestal.

Pela primeira vez é definida a obrigatoriedade de Planos Regionais de Ordenamento Florestal e de Planos de Gestão das Explorações que permitirão o tão necessário ordenamento florestal do País.

Acolhendo integralmente um capítulo que só constava do Projecto de Lei do PCP de medidas de carácter prioritário a Lei de Bases da Política Florestal não se limitou a fixar princípios, objectivos e orientações gerais mas definiu um conjunto de treze medidas concretas de urgência de que destacamos as que se referem ao reforço e estruturação dos processos de prevenção, vigilância e apoio aos fogos florestais.

Contudo não basta ter uma boa lei. É preciso ter um Governo que adopte as medidas e os investimentos necessários a uma boa e rápida execução da lei.

Ora o que se está a passar em matéria de reestruturação dos Serviços Florestais, com falta de diálogo e numa linha de confronto com os profissionais do sector, não augura nada de bom.

Neste quadro não se compreende que sejam retirados aos serviços florestais a gestão dos espaços florestais públicos com a criação, tal como o Ministro da Agricultura anunciou na Assembleia da República, de "um esquema empresarial para gerir as matas públicas", sendo ainda mais grave e inaceitável que o Governo pense incluir neste "esquema empresarial" as áreas dos baldios.

O PCP recorda que, tal como a Constituição dispõe, a posse e gestão dos baldios pertencem inalienavelmente aos povos organizados em assembleias de compartes e são intoleráveis quaisquer tentativas de se caminhar para a sua alienação ou privatização como pode estar subjacente à solução empresarial anunciada.

O PCP exorta o Governo a, pelo contrário, reforçar os serviços florestais em meios humanos, técnicos e financeiros, que lhes permitam pôr em prática a Lei de Bases agora aprovada.

Este é que é o caminho certo e não soluções que esvaziem ainda mais as funções e competências do Ministério da Agricultura.

O mesmo aliás se passa no capítulo da prevenção e combate aos fogos florestais. Em vez de serem adoptadas medidas inovadoras e eficazes na prevenção e vigilância e reforçados os meios de combate aos incêndios, o Secretário de Estado Armando Vara optou por uma inaceitável e irresponsável estratégia de confronto e desvalorização da imagem e dos esforços dos corpos de bombeiros.