Sobre a Reforma da PAC
Conferência de Imprensa do PCP
12 de Março de 1999
Novo golpe na agricultura e nos agricultores portugueses
Profunda derrota do Governo de António Guterres
1. O compromisso verificado no Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, ontem conhecido, representa um novo e perigoso golpe na agricultura portuguesa e uma profunda derrota da estratégia negocial do Governo PS de António Guterres. Esta é uma conclusão global que pode ser feita, independentemente de uma posterior e mais pormenorizada avaliação dos resultados do Conselho Agrícola, em particular no tocante aos dossiers sectoriais e aos diversos valores e quantidades fixados, nas suas consequências para Portugal.
Foram completamente negados os objectivos que o próprio Governo tinha estabelecido como base de negociação:
- O reequilíbrio dos apoios entre Estados membros, entre regiões e entre agricultores, de modo a acabar com a situação de contribuinte líquido do País face ao FEOGA, com a recusa da «modulação» e plafonamento das ajudas;
- Ajudas à reconversão produtiva no sentido do reforço dos fundos nos sectores em que o País tem vantagens comparativas (produtos mediterrânicos), e de culturas menos apropriadas aos solos e climas das regiões agrícolas portuguesas (cereais de sequeiro, por exemplo);
- A manutenção do propagandeado Desenvolvimento Rural – dito 2º pilar da PAC – sem um reforço significativo de meios que lhe permita responder às exigências que lhe são colocadas, e que inclusivamente foram solenemente inscritas na chamada Declaração de Cork.
Estes resultados, sublinha-se, são de uma extrema gravidade para a agricultura e os agricultores portugueses. Mas representam também a completa derrota da estratégia negocial do Governo Guterres, quer na vertente produtiva quer na vertente financeira, ligadas à reforma da PAC. Onde está a duplicação de verbas que o ministro da Agricultura colocou como objectivo?
2. Mas as conclusões do Conselho de Ministros significam também o rotundo fracasso de um conjunto de reclamações sectoriais específicas do Ministério da Agricultura, aliás, à partida e em grande parte, contraditórios com os pressupostos da reforma da PAC inscritos na Agenda 2000, como tivemos a oportunidade de transmitir ao sr. ministro da Agricultura. E não serão os 3 760 hectares de nova vinha que poderão compensar a manutenção de quota insuficiente para o trigo duro e a confirmada descida da quota do tomate. Ou esconder que o aumento de 3% do número de prémios para vacas aleitantes e bovinos machos é insuficiente para responder às necessidades e pedidos dos agricultores portugueses. Não serão os 60 mil hectares de área de regadio para os cereais, que poderão esconder a manutenção de um rendimento histórico de referência que continuará a desfavorecer os produtores portugueses – as ajudas são proporcionais a esse rendimento –, para lá da sua incompatibilidade com esse mesmo acrescento de área regada.
Por outro lado, é profundamente demagógico, para não dizer outra coisa, afirmar e empolar um alegado aumento das verbas do FEOGA-Garantia (37 milhões de contos) para Portugal (há um jornal que titula «Agricultores recebem mais apoios») sem evidenciar que esse acréscimo de fundos não compensará sequer o que os agricultores e a agricultura vão perder com as descidas dos preços dos cereais, carne e leite. Isto é, o saldo vai ser negativo!
3. Mas a reforma da PAC indiciada não deve ter apenas uma leitura pelas suas consequências para a agricultura portuguesa. Ela representa também, como aliás já tinha significado a reforma de 1992, a completa negação do objectivo de coesão económica e social da União Europeia, inscrito no Tratado de Maastricht e reafirmado em múltiplas cimeiras comunitárias.
A manutenção, no fundamental, dos mecanismos e regras de distribuição das ajudas, e recusa da modulação e plafonamento, num quadro em que aumenta o custo global da PAC (contrariamente, até, ao que tinha sido estabelecido no Conselho de Bona: estabilização das despesas em 40,5 mil milhões de euros), vai significar a reprodução agravada da injusta distribuição dos fundos do FEOGA-Garantia e o correspondente agravamento das assimetrias regionais e sociais do mundo agrícola comunitário: os agricultores portugueses vão continuar a ser os que menos recebem e as produções mediterrânicas (frutas, hortícolas, azeite, vinho), as menos ajudadas. Por outro lado, as importantes vitórias espanhola e italiana, quer no aumento específico e significativo das suas quotas leiteiras quer na subida dos rendimentos (históricos) de referência dos cereais, acrescentam à diferenciação entre países do Norte e países do Sul, o alargar do fosso entre Portugal e os outros países mediterrânicos.
Resta ainda prevenir sobre as possíveis consequências do aumento da despesa agrícola que significa esta reforma, sobre os restantes dossiers da Agenda 2000 – Fundo de Coesão e Fundos Estruturais! Será por acaso que o aumento do défice com a reforma da PAC – 7 mil milhões de euros – coincide grosso modo, com uma falada redução do Fundo de Coesão de 21 mil milhões de euros para 13/14 mil milhões de euros? Será um acaso que os grandes beneficiários desta reforma da PAC sejam a Itália e a Espanha, num processo dirigido pela Presidência alemã? Alemanha que, como se sabe, precisa de aliados para cortar uma fatia do Orçamento Comunitário e assim reduzir a sua contribuição, para o que, aliás, conta com toda a compreensão do eng. António Guterres.
4. A reforma da PAC, ensejada pelo Conselho Agrícola da União Europeia, é também a negação de uma União Europeia interessada em defender o seu «modelo agrícola», a exploração agrícola familiar e uma agricultura harmonizada com o meio ambiente, uma União Europeia virada para uma cooperação exemplar com os países com elevada carência de desenvolvimento.
A nova PAC acarretará o inevitável prosseguimento do desaparecimento das explorações agrícolas familiares, principalmente as de menor dimensão, e das zonas com mais fragilidades económicas, acentuará o «produtivismo» e a agricultura industrial agressores do meio ambiente. Em particular, acelerará as produções pecuárias sem terra (suiniculturas e aviculturas) e a intensificação produtiva para ocorrer à baixa dos preços, tal como sucedeu com a reforma de 1992.
A nova PAC favorecerá o crescimento do desemprego e, contrariamente a alguns propagandistas, não vai beneficiar os consumidores. É também o exemplo da reforma de 1992 que o demonstra. Mas poderemos atender à situação bem mais recente das enormes quebras de preços no produtor do bovino e suíno, sem qualquer reflexo ao nível dos talhos e hipermercados.
A nova PAC é ainda um reforçado instrumento na guerra contra a segurança alimentar dos países do Terceiro Mundo. A baixa de preços e os mecanismos de liberalização dos mercados agrícolas visam «a guerra económica» e preparação das próximas negociações da Organização Mundial do Comércio, em que estão interessadas as transnacionais da agro-alimentação (que, aliás, já manifestaram o seu apoio a esta reforma) e as grandes potências agrícolas do Planeta, com os Estados Unidos à cabeça. A produção agrícola é cada vez mais uma arma: a arma alimentar.
5. A opinião do ministro da Agricultura de Portugal de que o resultado do Conselho Agrícola é «globalmente positivo» está em total contradição com o alegado voto contra.
Acresce que, contrariamente ao que o ministro tem vindo a propagandear, nem no Conselho houve qualquer votação formal, nem Portugal foi o único que manifestou reservas. Pelo menos a França também expressou as mesmas reservas.
Tal posição do sr. ministro só é entendível enquanto postura calculista, para mero uso político interno, o que é manifestamente intolerável, mas não pode deixar de significar também que, em contradição com as suas próprias palavras, as consequências do Conselho Agrícola são profundamente negativas para a agricultura e os agricultores portugueses.
Neste contexto, o PCP entende que, em consonância com esse «desacordo português», e com todas as opiniões conhecidas sobre a reforma, o primeiro-ministro António Guterres, na próxima Cimeira de Berlim, oponha um NÃO firme de Portugal à Reforma da PAC agora acordada. Exigimos que, no interesse da agricultura nacional e do País, o direito de veto, se necessário, não fique na gaveta.