Ainda os incêndios florestais e os meios de os prevenir e combater
Declaração de Agostinho Lopes, da Comissão Política do PCP, em conferência de imprensa
30 de Julho de 2004

O PCP tem em matéria de incêndios florestais uma reconhecida autoridade política decorrente de uma continuada, coerente e rigorosa intervenção e proposta. Seria assim demagógico e pouco coerente com o seu posicionamento vir hoje reclamar que as medidas avançadas após a catástrofe do Verão de 2003 tivessem eliminado, em definitivo, os riscos de incêndio no presente Verão ou resolvido de vez as insuficiências passadas do combate aos fogos ou, pior ainda, dessem resposta aos problemas acumulados pela floresta portuguesa ao longo de décadas.

Mas é precisamente em nome da seriedade das suas posições e do que foi afirmando e propondo desde Setembro de 2003, que o PCP faz um julgamento extremamente crítico e negativo da acção geral do Governo PSD/CDS-PP nesse período. A gravidade da situação que atravessamos é, infelizmente, a justificação cabal dessa avaliação.

Muitos dos problemas e dificuldades surgidas no combate á actual vaga de fogos florestais são da inteira responsabilidade do Governo, das suas opções políticas estratégicas e do seu comportamento autista e autoritário. Da sua política orçamental fundamentalista de redução da despesa pública e cumprimento do PEC. Pela sua visão neoliberal do Estado mínimo, de ataque descabelado á função pública e ao seu estatuto, de redução cega do número de funcionários. Da sua incompetência e incapacidade na operacionalização e concretização de medidas e legislação, inclusive das que ele próprio ia produzindo em catadupa. Do “esquecimento” da realidade florestal do País e das políticas agroflorestais que a criaram.

AUTISMO E AUTORITARISMO DO GOVERNO E DA SUA MAIORIA PARLAMENTAR

Em teoria o Governo ouviu e dialogou com os partidos da oposição e com muitas outras organizações e instituições. De facto não ouviu nem teve em conta as opiniões e as contribuições de ninguém.

Começou com um Livro Branco dos Incêndios Florestais Ocorridos no Verão de 2003 (Outubro 2003) da autoria do Ministério da Administração Interna que se limitou a branquear as responsabilidades do Governo. Prosseguiu com o Relatório da Comissão Eventual para os Incêndios Florestais da Assembleia da República (iniciativa do PCP), em que a maioria PSD/CDS-PP forçou um documento tendencioso, marginalizando as opiniões dos partidos da oposição, que votaram contra (Março 2004), e onde mais uma vez se procurou absolver o Governo das suas culpas pelo sucedido há um ano. Será oportuno recordar a proposta do PCP, que a maioria recusou, de que a Comissão expressasse no Relatório a sua preocupação “ quanto ao facto das medidas anunciadas pelo Governo ou outras que se revelem necessárias (...) poderem não estar em condições operacionais para o Verão de 2004” !

Lembrem-se os variados avisos e alertas, reclamações e propostas, e também protestos. Da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais pela insuficiência de profissionais. Do “Barril de Pólvora em Monchique” , referido por diversas entidades, pela não retirada do material lenhoso queimado em 2003. Do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) relativamente aos meios para as áreas protegidas. Da Liga dos Bombeiros Portugueses sobre o fraco investimento em comunicações e a manutenção dos problemas de coordenação das diversas estruturas. Da “preocupação” da Assembleia Metropolitana do Algarve com a aplicação prática das medidas anunciadas pelo Governo relativamente á prevenção”. Dos Sindicatos da Função Pública contra o reduzido número de Guardas Florestais. Da Associação Nacional de Municípios contra a atribuição de novas competências, em particular com a criação das Comissões Municipais de Defesa da Floresta Contra os Incêndios, sem a ouvir e sem a correspondente transferência de meios financeiros. De organizações ambientalistas e associações de agricultores e produtores florestais. De técnicos dos próprios Serviços Florestais públicos. De muitas corporações de bombeiros contra a falta de equipamento e, em particular, contra os atrasos no pagamentos dos prejuízos que tiveram durante as operações do passado Verão. De presidentes de câmaras, inclusive dos partidos do Governo, que falaram á boca cheia de “inércia governamental” e de uma situação de catástrofe que pode vir a repetir-se “por responsabilidade do Governo”. De pelo menos um Governador Civil!

Cego e surdo, o Governo foi enchendo as páginas do Diário da Republica de Resoluções do Conselho de Ministros, de Decretos, Portarias e Despachos e multiplicando as iniciativas de propaganda, com o anúncio de milhões de euros e a campanha nos órgãos de comunicação social, até que, bruscamente, nos encontramos novamente, de frente, com a tragédia!

MEIOS SUFICIENTES E MEIOS NECESSÁRIO

Já os incêndios estavam em franco desenvolvimento e ainda veio o ex-Secretário de Estado João Soares, no Expresso de sábado passado, louvar a excelência do trabalho feito pelo Governo. De acordo com as suas palavras parece ter sido feito tudo o que era possível e tinha sido possível tudo o que era necessário. Com uma pesporrenta auto-suficiência nem uma palavra sobre qualquer coisinha que tivesse corrido menos bem! Pelo contrário, atirou-se a todos aqueles que se atreveram a alertar para atrasos, falhas e insuficiências, transformando as criticas e avisos de especialistas e entidades em parte de “uma campanha de desmobilização e descrédito impensado ou premeditado”, não se coibindo de tirar uma conclusão assassina “algumas pessoas ficarão tristes e desapontadas se este ano os fogos florestais não tiverem de novo, os contornos de calamidade”. Infelizmente para o País tudo se conjuga para que as pessoas fiquem tristes pelos gravíssimos incêndios já ocorridos e, desapontadas, pela incapacidade dos poderes políticos em evitarem a tragédia.

Mas, como diz o ditado, não há pior cego do que o que não quer ver. De facto os meios mostram-se insuficientes, como insuficientes continuam a prevenção, a detecção do início dos fogos, a rapidez do ataque e a coordenação das operações de combate.

Meios humanos - é uma evidência que menos de 50% do Quadro dos Guardas Florestais está preenchido; é uma evidência que o corpo de bombeiros profissionais tem uma carência de 300/400 unidades; é uma evidência o estado lastimoso do quadro de pessoal técnico e de outros profissionais dos Serviços Florestais, incapaz de dar resposta às enormes exigências e problemas existentes, inclusive para a concretização da legislação produzida nos últimos 10 meses; é uma evidência, não desvalorizando a sua possível mas problemática contribuição, que as questões cruciais da prevenção, fiscalização e detecção, não se resolverão com a mão de obra dos desempregados, dos assistidos do Rendimento Mínimo, ou das boas intenções dos voluntariado juvenil e outro, isto é, por quem desconhece o terreno e não tem experiência na matéria, para não falar da motivação.

Equipamentos e meios materiais – é uma evidência a insuficiência de meios aéreos, sobretudo de helicópteros ligeiros – imprescindíveis para brigadas helitransportadas de acção rápida – e só tarde se terão atingido os números planificados; é uma evidência as carências de muitas corporações de bombeiros, inclusive das que não se viram ressarcidas a tempo do equipamento destruído no passado verão; é uma evidência a falta de meios e equipamentos das áreas protegidas; é uma evidência a falta de medidas e meios para a limpezas das matas, inclusive do material lenhoso ardido; é uma evidência a falta de postos de vigia fixos e moveis; é uma evidência as falhas em equipamento de comunicação.

Meios financeiros – o Governo avançou publicamente com vários diversos valores, provavelmente nem sempre como dotações das mesmas operações ou projectos. No entanto, os milhões de euros anunciados não conseguiram resolver coisas tão comezinhas como os 10 carros com kit para uma primeira intervenção para as áreas protegidas, para a aprovação e pagamento atempado de projectos de limpeza para não falar de disponibilidades orçamentais para contratação dos guardas florestais e bombeiros profissionais em falta.

Direcção e coordenação das operações – continuaram os problemas de coordenação e articulação, em particular na estrutura vertical que emana do SNBPC, entre o Centro Nacional de Operações de Socorro e os centros distritais de operações; continua um tempo de resposta demorado que se associa muitas vezes à falta de uma estratégia de ataque no início do fogo; é particularmente nesta área que mais se fazem sentir as insuficiências do sistema de comunicações; continuam problemas com as operações de logística de apoio aos bombeiros.

Os problemas e dificuldades surgidas com a vaga de incêndios em curso só evidenciam a justeza do que entidades diversas e diversos especialistas andaram durante meses a tentar dizer ao Governo: não eram suficientes nem correspondiam ás necessidades, tendo em conta a trágicas experiências de 2003!

A POLÍTICA DE DIREITA CONTINUA A ILUDIR AS CAUSAS DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS

Como já referimos, houve uma área em que o Governo foi superabundante e pródigo: na multiplicação de legislação e despachos. Passando ao lado de projectos folclóricos (iniciativa parlamentar da coligação de direita de criar o Dia Nacional das Brigadas Florestais) ou da simples reposição com novo baptismo de coisas velhas, como por exemplo das Comissões Municipais de Defesa da Floresta Contra os Incêndios, pode sintetizar-se o furor legislativo do Governo numa frase: muita parra, pouca uva! E, alguma da uva, estragada.

Por um lado pela manifesta incapacidade e impotência do Governo na sua operacionalização e execução, inclusive, pelo não cumprimento mínimo dos prazos que de forma demagógica foi avançando. Basta comparar o estabelecido nas Resoluções do Conselho de Ministros de 19 de Março e de 31 de Outubro com a realidade dos factos. Fundamentalmente, pouco avançou na questão central do ordenamento florestal, não concretizando os objectivos que tinha estabelecido para a elaboração dos Planos de Ordenamento Florestal (PROF) e dos Planos de Gestão Florestal (PGF),e destes, a conclusão célere dos respeitantes a matas nacionais e baldios.

Por outro, pela evidência da desadequação, erros e pretendidas malfeitorias de alguma dessa legislação. O que era inevitável tendo em conta os princípios e pressupostos de partida do Governo para a sua elaboração e resolução dos problemas da floresta portuguesa. Choca pela sua gravidade, a tentativa clara de ultrapassar e menorizar, em diversa legislação, o papel dos compartes e conselhos directivos dos baldios, detentores e gestores de 10% da área florestal do País.

O Governo estabeleceu que a principal causa dos incêndios florestais era a pequena propriedade florestal abandonada e mal gerida - a falta de uma gestão profissional segundo o ex-Secretário de Estado – fazendo de conta que não sabia do crescente número de incêndios na zona da grande propriedade latifundiária, como 2003 e o presente 2004 demonstram, ou como tem ardido grandes propriedades de floresta nas zonas do Norte e Centro. O que não é um erro crasso porque é erro deliberado e interesseiro.

A QUESTÂO DE FUNDO DA FLORESTA PORTUGUESA

Porque a questão de fundo que este Governo (como os anteriores do PSD e PS) continua a iludir e a evitar atacar, é o problema da ocupação do espaço rural. São as consequências desastrosas em termos da desertificação humana e económica de vastos espaços do País, fruto das suas políticas económicas de direita e, em particular, da sua política agroflorestal que continua a promover o abandono dos campos e a impedir a própria sobrevivência económica das terras florestais.

Ora a política de direita continua a remar na mesma direcção e sentido.

A recente alteração das regras da PAC, aprovada pela direita e pelo PS, de desligamento das ajudas da produção e a forma como o Governo português se prepara as para aplicar em Portugal, vai traduzir-se em novos abandonos da produção agrícola, como todos os estudos do Governo e da UE mostram.

A insistência numa estratégia de florestação de terras agrícolas, dando continuidade ao que eram descontinuidades entre espaços florestais, para lá das consequências directas na propagação dos fogos, acelera a desactivação económica e humana das áreas rurais.

Como dizia em Abril um especialista “ As arborizações no interior do Alentejo e Algarve, sobretudo na margem esquerda do Guadiana, feitas ao abrigo de Programas comunitários, podem dar problemas daqui a uns anos (...)” pois “ fomos pôr combustível onde as condições climatéricas já são severas”.

O território rural precisa de assegurar e criar postos de trabalho. E isso só a actividade económica o permite. Da pastorícia ás actividades agropecuárias, da indústria agroalimentar ás actividades transformadoras da fileira florestal.

Só assim poremos um ponto final nos incêndios florestais.