Intervenção do
deputado Lino de Carvalho

Declaração Política sobre
o fracasso do acordo sobre a reforma da PAC
e acerca da demissão da Comissão Europeia

17 de Março de 1999



Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A reforma da Política Agrícola Comum aprovada na última reunião do Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia representa, para o Governo português o mais estrondoso fracasso alguma vez verificado em negociações comunitárias.

A agricultura e os agricultores portugueses, com esta reforma da PAC, sofrem os maiores prejuízos de que há memória.

O Ministro da Agricultura não conseguiu atingir nenhum dos objectivos globais que tinha definido para as negociações.

Mas também não conseguiu atingir nenhum dos objectivos sectoriais mais relevantes a que se tenha proposto.

Vejamos.

O Governo definiu como princípios da estratégia portuguesa de negociação

- "O reequilíbrio dos apoios entre Estados membros, entre regiões e entre agricultores".
Resultado: zero. As agriculturas mais poderosas e os maiores agricultores continuarão, mais do que até aqui, a ser os principais beneficiários da Política Agrícola Comum. As agriculturas mediterrâneas continuarão discriminadas.

- "A reconversão produtiva para os agricultores que pretendem mudar de actividade".

Resultado: nada conseguido. A forma de atribuição dos pagamentos compensatórios continuará a bloquear a reconversão e a reorientação da produção.

- "Um regime específico que garanta a segurança do rendimento dos pequenos produtores".
Resultado: nada. Não há nenhum regime particular para os pequenos agricultores e o Ministro da Agricultura não conseguiu, sequer nem um tecto para as ajudas (o plafonamento) nem um sistema de apoios degressivos (a modulação). Como o próprio Ministro admite - e a realidade é ainda mais grave - "70% dos agricultores vão continuar fora das ajudas europeias".

- "A manutenção da comunitarização das ajudas, contra qualquer renacionalização".
Resultado conseguido: zero. Os chamados "envelopes nacionais" nos bovinos e no leite, que o Governo expressamente rejeitava porque significariam o início do processo de renacionalização dos custos aí estão nas conclusões do último Conselho de Ministros da Agricultura.

- "Criação de medidas reforçadas de apoio ao desenvolvimento rural".
Resultado: não há nenhum reforço substancial de apoios até ao momento.

- "Alargamento do âmbito de aplicação das medidas de acompanhamento, seja no que se refere às indemnizações compensatórias, às medidas agro-ambientais ou aos apoios ao rendimento.
Resultado: nada foi alterado até agora.

-"Consolidação da política socio-estrutural para as regiões Objectivo 1".
Resultado: nada conseguido, como é visível.

- "Reforço da política de qualidade e segurança alimentar".

- "Simplificação radical dos métodos e procedimentos de gestão da PAC".

10º - "Salvaguarda do modelo europeu de agricultura no âmbito das negociações com o OMS".
Resultado: também nestes objectivos nada foi conseguido ou concluído.

Vejamos agora os objectivos sectoriais mais significativos definidos pelo Ministro da Agricultura (como o tempo não dá para corrermos todos referimos somente os que correspondiam a ajudas ou sistemas de apoios novos).

Culturas aráveis
Ajudas: modulação com compensação integral para as zonas de baixos rendimentos e pequenos produtores.
Resultado: zero.
Trigo Duro: aumento da quota
Resultado: nada
Bovinos
Ajudas: modulação com compensação integral para os pequenos produtores.
Resultado: nada conseguido
Envelope nacional: contra por significar renacionalização.
Resultado: introduzido o envelope nacional que é de 6,2 milhões de euros para Portugal.
Leite
Ajudas: compensação integral para pequenos produtores
Resultado: nada
Envelope Nacional: contra
Resultado: aprovado envelope nacional.
Quotas: contra qualquer tipo de aumento.
Resultado: aprovado o aumento de quotas leiteiras a partir de 2003 e ainda por cima nos seguintes valores em relação aos países da coesão - Grécia: quota aumentada em 11,1%; Espanha: mais 9,9%; Itália: mais 6%; Irlanda: mais 2,9%. Finalmente, Portugal: só mais 1,5%.
Vinho
Renovação das vinhas: "assegurar, no mínimo, o financiamento pelo desenvolvimento rural".
Resultado: até ao momento, nada foi conseguido.
Vinificação dos mostos importados: "impedir importação de países terceiros".
Resultado: a impossibilidade de vinificar mostos importados está sujeita a tantas derrogações e até já com definições de etiquetagem que tudo, na prática, fica em aberto.
Tomate: "aumento da quota".
Resultado: diminuição da quota em 10%.
Regulamento Horizontal
"Modulação e tecto por exploração"
Resultado: zero.
Senhores Deputados,

Vejamos ainda dois exemplos concretos de alegadas vitórias negociais do Governo.

1º - Aumento da área de regadio em 60.000 ha. Mas em que condições? Sem aumento da área de base total e, o que é o mais gravoso, sem ultrapassagem do actual rendimento histórico de 2,9 ton/ha atribuído a Portugal na reforma da PAC de 1992. O que na prática dificulta o aproveitamento por Portugal das vantagens do regadio com vista aumento de produtividades e a tornar os cereais mais competitivos.
Entretanto a Espanha e a Itália conseguem ver aumentados os seus rendimentos de referência.

2º - Que Portugal iria receber mais 37 milhões de contos de ajudas.
O que, mesmo a confirmar-se posteriormente - o que está longe de estar garantido - não chega para compensar as quebras de preços acordados de 20% para os cereais e oleaginosas, de 20% para os bovinos e de 15% no leite.

Mas nesta matéria é necessário também comparar com o que se propunha conseguir o Ministro da Agricultura. Afirmava o Ministro Capoulas Santos em 18 de Fevereiro: "Portugal pretende que as ajudas à agricultura portuguesa passem de 100 milhões de contos por ano para 300 milhões. Mas o Executivo já se dará por satisfeito se conseguir a duplicação das ajudas actuais".
O resultado está à vista: Nada! Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Perante este impressionante inventário de fracassos em toda a linha do Ministro da Agricultura são desnecessários muitos mais comentários. Os factos falam por si.

E nem a atitude tacticista do Ministro, por razões de simples calculismo político para uso interno, que afirmou ter votado contra não é atenuante para o rotundo fracasso. Primeiro, porque não houve votações formais. Houve reservas manifestadas para a acta e aí, embora por diversas e contraditórias razões, para além de Portugal também a França, a Holanda, a Suécia e o Reino Unido formularam reservas. Segundo, porque é completamente contraditório que o Ministro Capoulas Santos venha dizer que o "acordo é globalmente positivo" e depois anuncie que votou contra! É a completa desorientação estratégica.

Os resultados conseguidos são de uma extrema gravidade para a agricultura e os agricultores portugueses e, no essencial não modificam os já maus resultados da reforma da PAC de 1992.

O actual modelo de agricultura comunitária em que 83% dos apoios vão para os cereais, o leite e a carne de bovino e só 7% que vão para as produções mediterrâneas (vinho, azeite, horto-frutícolas) e em que os agricultores portugueses recebem cinco a seis vezes menos do que a média dos agricultores comunitários vai manter-se e agravar-se.

Mas mais grave do que isso: não só se agrava o fosso com as agriculturas setentrionais mais desenvolvidas mas inclusivamente com os agricultores dos restantes países do Sul face aos resultados que a Espanha, a Itália e a Grécia conseguiram.

A estratégia negocial e a definição de alianças falhou também estrondosamente e o Governo português acabou sozinho. E ainda estamos para ver se o aumento do défice com a reforma da PAC (cerca de 7 mil milhões de euros) não se vai ainda por cima traduzir numa redução equivalente no Fundo de Coesão.

Entretanto, a crise que atravessa a União Europeia face à demissão do colégio de Comissários não prenuncia nada de bom.

Não porque a Comissão mereça qualquer solidariedade ou qualquer benefício de dúvida como, de forma ligeira, o Secretário de Estado Seixas da Costa afirmou, amarrando Portugal a uma equipa desprestigiada e em queda.

A demissão da Comissão Europeia por acusações de fraudes, irregularidades e nepotismo, era aliás, previsível face às sucessivas acusações e às conclusões do Relatório dos peritos independentes. Previsível, aliás, desde a discussão e votação da moção de censura à Comissão em que os Deputados Comunistas e o GUE foram a única força política a votar favoravelmente.

Mas é preciso que se diga que, sem prejuízo de responsabilidades individuais, as situações que levaram à demissão da Comissão Europeia ou que levaram, por exemplo, ao escândalo da doença das vacas loucas são, antes de mais, imputável ao enorme défice democrático que vigora no funcionamento das instituições comunitárias e, em particular, da Comissão. O segredo tem constituído a alma de um negócio onde o que decide, fundamentalmente são os interesses do mercado e dos "lobbies".

A campanha para as eleições europeias que aí vêm será seguramente uma boa oportunidade para debater, afinal, por que Europa e por que instituições nos batemos.

Em relação à situação concreta que agora se vive, o PCP entende que um novo Presidente da Comissão deve ser rapidamente indigitado. Mas mais importante do que isso, é que as orientações que deverão presidir à escolha do próximo colégio de Comissários assentem numa alteração do rumo nas políticas comunitárias. E nelas integra-se, em primeiro plano, a Política Agrícola Comum.

Face aos nefastos resultados das negociações, o PCP é de opinião que o Primeiro Ministro António Guterres, na próxima cimeira de Berlim, deve opor um NÃO rotundo de Portugal à reforma da PAC agora acordada e, no interesse da agricultura nacional, utilizar, se necessário, o direito de veto.

Disse.