Audição Parlamentar sobre a encefalopatia espongiforme bovina
(BSE)
Relatório do deputado Lino de Carvalho
9 de Novembro de 1998
4. Desde Abril de 1996 que o Governo português pôs em execução, nomeadamente, um Plano de Erradicação da BSE, aprovado pela Comissão Europeia e traduzido no abate compulsivo de todos os animais clinicamente suspeitos de BSE e todos os co-habitantes nas explorações em que se registaram casos de animais doentes com BSE com o respectivo pagamento aos produtores. Até 31 de Julho de 1998 tinham sido abatidos 5781 animais dos quais somente 1 (um) apresentou um resultado positivo no exame (histopatológico) realizado ao cérebro dos bovinos abatidos.
Alemanha 6 Bélgica 4 Dinamarca 1 França 37 Irlanda 298 Itália 2 Luxemburgo 1 Países Baixos 2 R. Unido 174.477 Suiça 271 Outros 4 TOTAL UE 174.952 TOTAL MUNDIAL 175.227
7. Entre 11 e 15 de Maio de 1998, realizou-se
uma missão veterinária da Comissão Europeia a Portugal, que concluiu que nas
unidades de transformação de subprodutos, que transformam resíduos de mamíferos
em farinha de carne e ossos de mamíferos para utilização em alimentos para animais,
embora quatro delas estivessem a funcionar com uma autorização provisória, os
requisitos de transformação fixados no Anexo à Decisão nº 96/449/CE estavam
a ser aplicados em todas as oito unidades de transformação de subprodutos. Afirmava
ainda o relatório que "o sistema nacional em vigor para controlar a origem das
matérias primas, a produção e o destino da farinha de carne e ossos de mamíferos,
parece adequado. Todavia, a frequência dos controlos oficiais, designadamente
nas unidades de produção de alimentos para animais, não é suficiente, tendo
em conta a falta de procedimentos escritos passíveis de auditoria". Mas, entretanto,
o relatório da missão veterinária da Comissão Europeia concluía que "embora
esteja em vigor legislação nacional destinada a impedir que as matérias de risco
específicas entrem na cadeia alimentar humana, elas podem ainda ser utilizadas
para produzir farinha de carne e ossos de mamíferos que entram na cadeia alimentar
animal" e afirmava que "não se pode excluir a existência de contaminação cruzada
de alimentos para ruminantes com farinha de carne e ossos de mamíferos nas unidades
de produção de alimentos para animais, nem de infracções à proibição de utilização
de farinha de carne e ossos de mamíferos no terreno". Mais à frente o relatório
conclui que "a actual situação epidemiológica (...) suscita apreensão", estando
"relacionada com as medidas de controlo deficientes aplicadas no passado".
O relatório recomendava, entre outras medidas, que "se aplique legislação relativa
á proibição total de utilização de farinha de carne e ossos de mamíferos na
alimentação de todas as espécies de gado".
8. Estranha e incompreensivelmente, o Governo
português, através da Autoridade Veterinária Nacional, só cerca de 4 meses depois,
em 25 de Setembro - e somente após a decisão de Espanha e as ameaças de embargo
da União Europeia - , é que reagiu e respondeu ao relatório da Missão Veterinária
da Comissão Europeia, permitindo, durante esse lapso de tempo, que se consolidassem
no plano internacional as críticas constantes do texto. O Governo português
alega que a versão em língua portuguesa desse relatório só lhe chegou no dia
2 de Setembro.
Nesta resposta, a Autoridade Veterinária nacional "reconhece a necessidade de
ir mais além, nomeadamente no que se refere aos controlos", apesar de contestar
algumas das críticas da Missão Veterinária, designadamente quanto à reconversão
tecnológica dos centros de tratamento dos subprodutos de origem animal, afirmando
que todos eles cumprem os requisitos fixados nas decisões comunitárias.
Mas a resposta da Autoridade Veterinária Nacional revela óbvia desorientação
ou, no mínimo, desacertos ao nível da Administração Pública portuguesa e do
Governo. É que, enquanto a Autoridade Veterinária afirma, na resposta à Comissão
Europeia, "que não se pode concordar" com a "proibição total da utilização de
farinha de carne e ossos de mamíferos na alimentação de todas as espécies",
o Conselho de Ministros do dia anterior à resposta e, posteriormente, o de 22
de Outubro de 1998, aprovaram exactamente essas medidas, que, aliás, deveriam
ser alargadas a todo o espaço da União Europeia.
9. Quanto a esta última recomendação - recorrente
em várias recomendações ao Governo -, a audição permitiu constatar que, quando
da publicação do Decreto-Lei nº 32-A/97, de 28 de Janeiro, do Ministério da
Saúde, que interditou "a entrada, por qualquer forma, na cadeia alimentar humana,
bem como a detenção e comercialização para esse efeito, de encéfalo, medula
espinal, olhos, amígdalas, baço, timo e intestino de bovinos, qualquer que seja
a sua proveniência" (artº 2º) esteve previsto, no projecto de decreto-lei, que
tal proibição abrangesse igualmente a cadeia alimentar animal. De acordo com
depoimentos trazidos à Comissão, foi a pedido do Ministério da Agricultura que
o projecto de decreto-lei foi amputado da expressão "cadeia alimentar animal",
ao arrepio das opiniões do próprio Grupo de Trabalho Interministerial para a
BSE então existente. Esta atitude do Ministério da Agricultura, incompreensível
na opinião da Comissão, é coerente com a atitude, também incompreensível em
termos de saúde animal e saúde pública, que o Ministro da Agricultura de Portugal
tomou na reunião do Conselho de Agricultura de 17 de Dezembro de 1996, ao juntar
o seu voto ao dos países que se opuseram à proposta da Comissão Europeia de
interditar a incorporação de todos os tecidos de risco específicos nas cadeias
alimentar humana e animal.
Não tendo sido possível à Comissão apurar com precisão as razões do insólito
comportamento do Ministério da Agricultura, elementos obtidos permitem indiciar
que os custos da aplicação do diploma estimados pelo Director Geral de Veterinária
em 920.000.000$00 (novecentos e vinte mil contos) ou 1.344.000.000$00 (um milhão
trezentos e quarenta e quatro mil contos) por ano, consoante se tratasse somente
da destruição dos materiais de risco especificados ou também dos órgãos e tecidos
previstos no Decreto-Lei nº 32-A/97, e a necessidade de cinco inspectores sanitários
para garantirem o cumprimento eficaz do diploma, terão estado na origem desta
medida não ter sido então aprovada. De facto, pode ler-se em ofícios do Director
Geral de Veterinária, dirigidos ao Gabinete do então Secretário de Estado da
Agricultura e do Desenvolvimento Rural, que "o orçamento desta Direcção Geral
não comporta o pagamento previsto de 1.000.000 contos".
10. Fazendo uma recensão das medidas
propostas, a Comissão constata que a promoção de acções de divulgação, a criação
de um mecanismo de vigilância permanente em todos os centros de processamento
de subprodutos e a reconversão tecnológica destes, a pesquisa analítica da presença
de proteína de mamífero nos alimentos destinados a ruminantes, a reestruturação
e reforço da comissão para o estudo das encefalopatias espongiformes, a vigilância
sanitária das explorações e o esclarecimento da opinião pública e, sobretudo,
a proibição da entrada na cadeia alimentar animal de materiais de risco e sua
destruição, o controlo com presença permanente de inspectores sanitários nos
estabelecimentos de abate, nas unidades de transformação de subprodutos ou nas
fábricas de alimentos compostos para animais, ou não foi de todo realizado ou
só o foi de forma muito parcial ou tardia.
11. De facto, só a partir de meados de Setembro
de 1998, quando à opinião pública chegaram notícias sobre a possibilidade de
um embargo a Portugal e, em particular, após a decisão tomada pelo Governo de
Espanha, em 24 de Setembro de 1998, de proibir a importação de carne de vaca
portuguesa, é que o Governo português decidiu, no Conselho de Ministros do mesmo
24 de Setembro, aprovar dois diplomas legais (mas que até ao momento ainda não
foram, sequer, publicados) que "restringe a utilização de produtos de origem
bovina, ovina e caprina na alimentação humana e animal e que revoga o Decreto-Lei
nº 32-A/97 de 28 de Janeiro" e que define "medidas complementares de luta contra
a BSE no domínio da alimentação animal" a que se seguiu, no Conselho de Ministros
de 22 de Outubro de 1998 - na semana anunciada para uma eventual decisão de
embargo pela Comissão Europeia - a aprovação de um outro diploma legal que "adopta
medidas de emergência relativas á BSE proibindo a utilização na alimentação
animal de proteínas e gorduras obtidas a partir de tecidos de mamíferos e determinando
a destruição das respectivas existências".
12. Entretanto, face à dimensão da BSE em
Portugal, a Comissão é de opinião que são desproporcionadas e injustas para
os produtores portugueses tanto a proibição decretada pela Espanha como o embargo
decidido pela União Europeia, que esta Comissão condena e rejeita energicamente.
Apesar do número de casos se ter vindo a multiplicar de 1995 para cá - 15 em
1995, 31 em 1996, 30 em 1997 e 65 em 1998 (até 6 de Outubro) -, Portugal
é ainda um dos países de mais baixa taxa de incidência da BSE. O embargo,
aliás, é contraditório com a atitude displicente e sigilosa que a União Europeia
tomou aquando do aparecimento da BSE no Reino Unido - e que lhe valeu uma crítica
do Parlamento Europeu na investigação por este realizado; com a ausência de
medidas ou de ameaça de medidas idênticas no caso da Irlanda ou ainda com, igualmente,
a desvalorização da situação da BSE na Suíça.
Acresce que tais medidas cegas punem injustificadamente os produtores portugueses,
a esmagadora maioria dos quais tem os seus efectivos totalmente indemnes.
13. Mas, sem prejuízo do que fica dito
no número anterior, a Comissão condena severamente o Governo português pelo
facto de, durante cerca de dois anos e meio, apesar do Plano de Erradicação
da BSE e da decisão - que a Comissão avalia positivamente - de abate compulsivo
de todos os bovinos diagnosticados com BSE e respectivos co-habitantes, ter
assumido uma atitude de enorme irresponsabilidade ao não dar seguimento às medidas
preconizadas tanto pela Assembleia da República nas grupos de trabalho e comissões
criadas para acompanhar a BSE e pelos próprios serviços do Ministério.
Designadamente o adiamento, desde pelo menos Abril de 1996, de estender á
cadeia alimentar animal a proibição de utilização de produtos de origem bovina,
ovina e caprina e dos correspondentes materiais de risco com a sua consequente
destruição; a ausência de medidas de controle permanente e in situ nas unidades
de abate, de transformação de subprodutos e nas fábricas de alimentos compostos
para animais, limitadas, hoje, no essencial a procedimentos administrativos;
a não criação, de facto, de um corpo nacional de inspecção sanitária e a debilidade
das medidas de epidemiovigilância, tudo isto contribui para a possibilidade
da doença se continuar a multiplicar nos próximos anos; para a eventualidade
de poder estar a ser reciclada; para o alarme da opinião pública e dos consumidores
e deu á União Europeia margem de manobra para o embargo a Portugal.
Igualmente o facto de não haver uma campanha sistemática, serena e não alarmista,
de informação aos consumidores e de promoção da produção de carne bovina nacional,
designadamente das raças autóctones, certificada e com denominação de origem,
contribui poderosamente para a quebra do mercado com enormes perdas de rendimento
dos produtores nacionais.
14. Para além das conclusões expressas nos pontos
anteriores, a Comissão: